Todos precisam se apropriar do processo de produção e veiculação de informação. Entrevista especial com Claudia Verde
“Um ativista da comunicação é alguém que realiza e discute a comunicação, não é apenas um ser passivo diante da enxurrada de informações que sofremos todos os dias.” Essa é a definição de Claudia Verde para um comunicativista. Ela é uma das colaboradoras do grupo ComunicAtivistas (Coletivo por uma Comunicação Livre e Democrática) e esteve presente também no 1º Fórum de Mídia Livre, que aconteceu no Rio de Janeiro, nos dias 14 e 15 do último mês. Seu intuito, atuando como um sujeito ativo no âmbito da comunicação, é também organizar um movimento que lute pela democratização. Sobre essa batalha, ela reflete nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Claudia fala sobre democratização dos meios a partir das novas possibilidades que as novas tecnologias podem proporcionar, assim como analisa a crise da TV Digital e o papel das universidades no debate acerca do desenvolvimento da comunicação no Brasil. “As universidades deveriam ser as primeiras a incentivar novas formas de produção em mídia, pelo seu papel experimentador. Infelizmente, vemos que o mais comum é a repetição de padrões”, afirmou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é ser, hoje, um comunicativista?
Claudia Verde – Um ativista da comunicação é alguém que realiza e discute a comunicação, não é apenas um ser passivo diante da enxurrada de informações que sofremos todos os dias.
IHU On-Line – Como surgiu o movimento Comunicativista?
Claudia Verde – Nosso evento do lançamento foi em 2003, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em um debate que contou com convidados importantes, como Marcos Dantas [1] e Marcelo Zuffo [2]. A expectativa do grupo no Rio de Janeiro era começar um movimento pela democratização novo, sem os vícios de determinadas organizações e não privilegiar as lutas burocráticas e por espaços específicos de poder, o que é muito comum neste movimento. Foi neste evento que lançamos o nosso manifesto [3].
IHU On-Line – Quais são as possibilidades que temos para democratizar os meios de comunicação com o advento das tecnologias digitais?
Claudia Verde – Todas, principalmente com o aumento da possibilidade de uso do espectro eletromagnético. É como se alargassem uma estrada e onde passava um carro agora passaria quatro, cinco ou mais. Estão fazendo o que podem para que a “estrada” aumente o mínimo possível e continuem a passar os mesmos de sempre. A interatividade também poderia se tornar um canal real de participação, mudando a nossa forma de nos relacionar com a televisão. Mas as grandes empresas querem restringir essa possibilidade de interação e querem que acreditemos que estaremos interagindo ao clicar para comprar um produto que está numa determinada em cena.
IHU On-Line – Estamos vivendo a Era da informação, segundo Bordieu. Como você avalia o debate acerca da mídia a partir desse momento e das construções teóricas que levaram alguns autores a compreender nossa sociedade como a sociedade da informação?
Claudia Verde – É isso. A mídia é o grande aparelho ideológico. Cria os parâmetros comportamentais, ideológicos. O consumismo exacerbado que vemos hoje só é possível graças à lavagem cerebral permanente. Querem que a gente acredite que precisamos disso ou daquilo.
Paralelamente, as tecnologias facilitam cada vez mais a produção e distribuição audiovisual, mas os conglomerados do setor tentam controlar nosso acesso a elas. Esta questão agora de lançar televisores e set top box [4] que não permitam cópias, por exemplo, é um absurdo.
IHU On-Line – Qual é o papel das universidades no debate acerca da mídia livre e da democratização dos meios de comunicação?
Claudia Verde – Apesar de serem um espaço muitas vezes conservador, as universidades deveriam ser as primeiras a incentivar novas formas de produção em mídia, pelo seu papel experimentador. Infelizmente, percebemos que o mais comum é a repetição de padrões e muito poucos membros da academia falam em novas formas de relação com a profissão ou mesmo enxergam caminhos profissionais dentro do campo chamado “alternativo”. Eu me lembro de uma aula de redação jornalística na faculdade, por exemplo, em que tínhamos algumas informações escritas aleatoriamente e que deveriam ser transformadas em texto seguindo padrões dos jornais O Dia, Jornal do Brasil e O Globo. Isto é, o professor estava preocupado em ensinar a escrever para públicos leitores diferentes na grande mídia. E o jornalismo sindical ou popular, por exemplo? Quem é que fala nisso para seus alunos? E olha que jornalismo sindical é um mercado bem objetivo, com grande número de jornalistas profissionais. O que dizer então da mídia livre, que, por sinal, é um conceito complicado. Livre de quê? Sempre se tem um objetivo com um texto.
IHU On-Line – Já se fala numa crise da TV Digital no Brasil. No entanto, ela só tem seis meses de vida no país. Em sua opinião, a que se deve essa crise? Onde o Brasil ainda precisa andar em relação às tecnologias digitais e suas aplicações nos meios de comunicação?
Claudia Verde – A crise foi anunciada pela Frente por um Sistema Democrático de Rádio e TV Digital, formada por entidades da sociedade civil. Escolheram o sistema mais caro de televisão digital porque era do interesse dos radiodifusores. Esta informação consta do relatório que o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) fez sobre todos os sistemas digitais existentes e isso foi ocultado da população brasileira, apesar das pesquisas terem sido feitas com dinheiro público. Só chegou a conhecimento geral porque algumas pessoas envolvidas no relatório disponibilizaram-no pela internet para um sítio de mídia especializada. Nosso ministro Hélio Costa [5] veio a público dizer, depois que o relatório vazou para a imprensa, que tinha divergências com o resultado. Isto é, se uma pesquisa conta que o sistema japonês é mais caro, e ele é o que interessa à Globo, é melhor negar o fato. Tanto que ele falou em um set top box de 250 reais que ninguém viu até hoje. E ainda tenta responsabilizar a indústria nacional pelo preço, como se ele não tivesse sido informado de nada.
E as antenas? Alguém ouviu falar que além das caixinhas precisava de antenas específicas? Foi um festival de informações desencontradas porque a Globo tinha pressa. Vocês viram que o programa que deu início à TV Digital era um só? Foi a Globo que fez porque não deu tempo para as demais. Só a Globo estava preparada desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Já há declarações recentes do concessionário Sílvio Santos dizendo que não quer saber de HDTV (alta definição) na produção própria do SBT, porque eles andaram defendendo a TV Digital sem ter conhecimento da grande quantidade de mudanças que serão necessárias. Será preciso uma nova forma de maquiar, construir cenários… O enquadramento da tela é diferente… Será preciso reaprender a fazer televisão.
IHU On-Line – Qual é o principal problema do processo do rádio digital no Brasil, hoje?
Claudia Verde – A forma antidemocrática que privilegia apenas o interesse do grande radiodifusor. O Hélio Costa quer de todo jeito implantar por aqui o sistema IBOC (In Band On Chanel) [5], porque esta é a proposta da Globo e das demais emissoras que já compraram equipamento de transmissão de rádio digital nesta tecnologia. Eles não divulgam o resultado dos testes com este sistema. Provavelmente porque, pelo que já soubemos, há problemas concretos. Mas é um sistema que vai levar à diminuição do número de canais e vai inviabilizar as rádios de pequena potência, como as comunitárias. Isso é tudo o que os grandes grupos querem, porque, por mais que tentem, a cada rádio fechada abrem-se quatro ou cinco. O caminho da repressão já se mostrou falho. O único jeito de exterminar as rádios comunitárias e livres é trocar o sistema por um que dificulte a transmissão em baixa potência.
IHU On-Line – Quem deve fazer, em sua opinião, essa nova mídia livre? Quem deve participar da produção dessa mídia?
Claudia Verde – Todos precisam se apropriar do processo de produção e veiculação de informação. Não se trata de viver disso, mas exercer seu direito universal e legítimo à comunicação.
Notas:
[1] Marcos Dantas é professor de disciplinas sobre tecnologias da informação e comunicação no Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Formado em Comunicação Social, é mestre em Ciência da Informação, pela ECO-UFRJ, e doutor em Engenharia de Produção, pela COPPE-UFRJ. Já exerceu as funções de Secretário de Educação a Distância do MEC (2004-2005), Secretário de Planejamento e Orçamento do Ministério das Comunicações (2003) e no Comitê Gestor do Programa TV Digital.
[2] Marcelo Knörich Zuffo é mestre e doutor em engenharia elétrica pela Universidade de São Paulo. Em 2001 obteve Livre docência pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. É, atualmente, professor da Universidade de São Paulo. Desenvolve pesquisas na área de conteúdos digitais.
[3] Manifesto Comunicativistas
MANIFESTO POR UM MOVIMENTO PELA COMUNICAÇÃO LIVRE E DEMOCRÁTICA
Dos muitos questionamentos e propostas que temos, a principal reflexão que desejamos compartilhar com todos (as) é a necessidade de concretizar um movimento pela democratização da comunicação que não seja apenas reativo às demandas impostas pelos setores público e privado, que não faça da sua principal forma de atuação a política institucional e lobista que acabaram em tantos fracassos e retrocessos comemorados, até hoje, como vitórias.
Queremos um movimento inovador, fundado nas demandas de uma comunicação e de uma democracia desiguais. Um movimento que seja pautado principalmente em atividades e princípios que se formam na capacidade de ouvir e trocar experiências e perspectivas. Um movimento que se comprometa em pensar, viabilizar e fazer uma outra comunicação social livre e democrática. Desejamos inaugurar um novo ativismo livre e democrático.
Liberdade que se baseia na capacidade de organizar nossas próprias forças e dizer não à ordem que rege a comunicação de massa no Brasil e no mundo e construir nossas próprias experiências transformadoras. Democracia que se reivindica e se constrói pela inclusão de tantos(as) quantos(as) desejarem amplificar sua comunicação, seja por meios tradicionais, seja a partir da utilização das novas tecnologias.
Faz-se necessário, portanto, a urgente organização e participação da sociedade na formulação e na reivindicação de políticas públicas democratizadoras da comunicação e na capacitação de práticas transformadoras da comunicação (tais como grupos de mídia independente e contra-hegemônica, construção, disseminação e compartilhamento de conteúdos e mídias em rede de organizações, revalorização de mídias comunitárias e o fomento de grupos de cultura e comunicação populares).
É preciso perceber que a luta pela democratização da comunicação de massa é uma questão estratégica na luta por mudanças sociais e na concepção de experiências e práticas populares e alternativas transformadoras. Por isso propomos e convocamos a todos(as) para o debate e a formulação de uma série de questões e propostas em torno de temas centrais para a construção de um movimento pela comunicação livre e democrática.
[4] Set-top Box um termo que descreve um equipamento que se conecta a um televisor e a uma fonte externa de sinal e transforma este sinal em conteúdo no formato que possa ser apresentado em uma tela. Um Set-top box digital se faz necessário para a recepção de transmissões de TV Digital, uma vez que os televisores atuais não possuem ainda um sintonizador específico para esta recepção.
[5] Hélio Calixto da Costa é um jornalista e político brasileiro. Implantou a sucursal internacional da Rede Globo nos Estados Unidos. Em agosto de 2005, em meio à crise que atingia o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi nomeado ministro de Estado das Comunicações, cargo que ocupa atualmente. Coordenou o projeto que escolheu o modelo japonês como o padrão para o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD).
[6] IBoc (In-band On-channel) é um sistema de broadcast digital desenvolvido pela Ibiquity Digital Corporation. Sua principal característica é a permissividade de envio híbrido, ou seja, a convivência de sinal analógico e digital que permita uma transição gradual do sistema analógico para o digital na zona digital onde será aplicado.
entrevista publicada pelo IHU On-line, 11/07/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]