redução das emissões de CO2: Longe do consenso
Países emergentes se negam a aceitar redução pela metade das emissões até 2050 e cobram ação dos mais ricos. Cientistas reconhecem responsabilidade histórica das nações industrializadas e fazem alerta
A declaração do presidente George W. Bush, líder do segundo país mais poluidor do planeta, foi vista como um acinte por cientistas de todo o mundo e, principalmente, por governantes de nações em desenvolvimento. “Nós deixamos claro, e outros países concordaram, que eles devem também participar em uma meta ambiciosa para capacitar o mundo a lidar com as mudanças climáticas”, afirmou o líder norte-americano, ao fim da cúpula do G-8 — o bloco dos sete países industrializados mais a Rússia —, em Hokkaido (Japão). Na véspera, Bush tinha admitido que os EUA também se comprometeriam em reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 50% até 2050, desde que Índia e China também cumprissem objetivos pós-Protocolo de Kyoto. Por Rodrigo Craveiro, do Correio Braziliense, 10/07/2008
A exigência não comoveu o G-5, grupo formado pelos dois Estados, além de Brasil, África do Sul e México. “É essencial que países desenvolvidos tomem a liderança em alcançar reduções ambiciosas e absolutas de gases do efeito estufa”, afirmou uma declaração dos governantes do bloco, que se negaram a aceitar o acordo firmado pelo G-8. A falta de consenso expôs o fosso entre ricos e pobres, e o risco de paralisar o regime internacional do clima. O
G-5 também convidou os países industrializados a promoverem padrões de consumo sustentável e estilos de vida compreensivos com as exigências de mitigação das mudanças climáticas. As 16 nações presentes na cúpula são responsáveis por mais de 80% das emissões mundiais.
O mal-estar entre G-5 e G-8 ficou ainda mais explícito em uma afirmação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante entrevista coletiva em Sapporo. “Os países ricos acham que os pobres incomodam, quando na verdade, os pobres ajudaram esses países a se desenvolver”, disse o brasileiro (veja a matéria ao lado). Para o premiê indiano, o crescimento econômico deve ser prioridade dos emergentes. “O crescimento econômico sustentado e acelerado é crítico para todos os países em desenvolvimento e ainda não podemos considerar restrições quantitativas em nossa emissões”, alertou.
Consultados pelo Correio, cientistas autores de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foram unânimes em atribuir a culpa aos mais ricos, mas também defenderam uma resposta mundial compartilhada. “Todos têm uma responsabilidade, mas aqueles que possuem mais recursos e tecnologia devem fazer mais para o bem da humanidade”, afirmou o norte-americano Michael Glantz, do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica (Ncar). Ele criticou a inação dos governos, “que só operam visando a interesses nacionais”, e admitiu que uma cooperação global será realidade quando o planeta sentir os efeitos do aquecimento global. “Se a placa de gelo da Antártida Ocidental se desprender e cair no oceano, aumentando o nível do mar entre 5m e 8m, aí sim os países rivais vão se unir”, ironizou. “Todos terão de se desculpar perante centenas de milhões de vítimas das inundações.”
No comunicado final emitido pelos governantes de Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália, França, Canadá e Rússia, o G-8 “apóia uma visão compartilhada para uma cooperação, incluindo uma meta global a longo prazo para a redução das emissões”. De acordo com o australiano Kevin Trenberth, também membro do Ncar, a decisão é insuficiente. “As ações políticas têm sido irresponsáveis, e a crise é de inação”, criticou. “Defendo a adoção de metas curtas, se possível com prazo até 2020, por serem essenciais para medirmos o progresso na luta contra as mudanças climáticas.”
Carlos Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e também membro do IPCC, lembrou que os países ricos emitiram cerca de 75% de todas as emissões. Além disso, as emissões anuais de todos os emergentes superarão as dos industrializados antes de 2030. “Esses números indicam que as nações industrializadas devem começar a reduzir as emissões primeiro, e de forma radical, comprometendo-se com 50% a 60% de cortes em relação a 1990”, defendeu.
PREVISÕES PESSIMISTAS
Aquecimento global pode exterminar populações inteiras de animais e vegetais, derreter icebergs, causar inundações e matar seres humanos
Extinção em massa
Entre 20% e 30% das espécies animais e vegetais correrão o risco de desaparecer se as temperaturas mundiais aumentarem entre 1,5 ºC e
2,5 ºC. Na visão menos otimista, pelo menos 1 milhão de espécies
serão extintas até 2050
Calotas polares
O Oceano Ártico perderá todo o gelo até o verão de 2050, com o desaparecimento dos icebergs e da capa polar da Groenlândia
Mortes
As mortes causadas pelo aquecimento global dobrarão em 25 anos — para 300 mil pessoas por ano
Aridez do solo
Até 2050 metade das terras cultiváveis poderão estar afetadas, expondo à fome “dezenas de milhões” de pessoas na região. A África será a principal afetada
Escassez de água
A falta de água vai afetar entre 60 milhões e 150 milhões de pessoas
Temperaturas altas
Aumento mundial das temperaturas entre 1,8 ºC e 4 ºC, na média anual, até o fim do século
Geleira se rompe fora da época
A geleira argentina de Perito Moreno, uma das poucas a desafiar o aquecimento global e em atual crescimento, experimentou ontem um raro rompimento em pleno inverno. A água aparentemente cavou um túnel sob a parte inferior frontal da geleira, provocando uma grande fratura que se partiu ontem. Mais de 1,5 mil pessoas assistiram ao fenômeno. Perito Moreno é um dique natural do Lago Argentino, feito com milhões de toneladas de gelo. Para cientistas, o inédito rompimento foi provocado pelo aquecimento global.
Lula exibe números
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva causou frisson na reunião dos cinco países emergentes com o G-8 ao apresentar dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) que mostram os níveis de emissão de dióxido de carbono em diversos países. “Todo mundo quis saber o seu (nível) e eu fui marcando aqui o que cada país tem”, contou Lula, após a reunião em Hokkaido, no Japão. Os números foram usados para mostrar que as metas contra o aquecimento global devem ser definidas com base em levantamentos confiáveis.
Os dados da Embrapa confirmam que Estados Unidos e China são os maiores poluidores, liberando o equivalente a 21,13% e 18,9% do total de dióxido de carbono despejado em 2005 na atmosfera. “Eu usei isso para chamar a atenção dos presidentes para o fato de que precisamos tomar uma decisão com base em números produzidos por instituições de credibilidade mundial, que todos nós tenhamos como referência”, disse Lula.
Durante a reunião, o presidente destacou que, antes de se elaborar metas, é preciso considerar a diferença entre três grandes grupos de países emissores: as nações muito industrializadas e grandes consumidoras de combustíveis fósseis; países como Brasil, China e Índia, “que querem chegar ao padrão que eles têm”, com mais indústrias e produção; e “os outros, que querem comer”, como o Haiti. “Como é que você pode dizer para esses países que o cara não pode cortar uma árvore, se ele não tem dinheiro para comprar gás e não tem energia? Então, ele vai cortar a árvore para fazer comida”, afirmou Lula.
Segundo ele, o primeiro grupo, que “já resolveu seus problemas sociais”, terá agora de assumir a responsabilidade pelas emissões. “O que a China faz hoje, os ingleses já fizeram durante a Revolução Industrial no século 18. Quem tem de pagar a conta são os responsáveis por já terem emitido muito dióxido de carbono”, argumentou. “Agora veja se um americano quer abdicar daqueles carrões que quase precisam de uma refinaria (de petróleo) em cima para atender ao seu gasto. Não querem nem pensar em carro popular”, completou.
[EcoDebate, 11/07/2008]