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Artigo

Transgênicos: Entre o mito e a realidade, artigo de Carlos R. Spehar

[EcoDebate] Avanços na agricultura podem desmistificar conceitos. Organismos geneticamente modificados, servem para aumentar as possibilidades de redução de custos, de resíduos tóxicos ao produto final e ao meio ambiente e melhorar a eficiência da produção de alimentos. Estes se encontram em forte pressão de alta, como também os insumos que se utilizam para produzi-los. Assim, devemos entender a sua presença na agricultura como mais uma ferramenta. Isto, se agricultores e, conseqüentemente consumidores, não tiverem de pagar preços extorsivos pela vantagem tecnológicas ou virarem reféns das grandes corporações.

O fato de se incorporarem organismos modificados à nossa agricultura nos reporta a um geneticista famoso no Brasil e no exterior, por realizar passos importantes na adaptação da soja aos trópicos – o Dr. Romeu A. S. Kiihl. Ele, com sua simplicidade, junto a outros pesquisadores, têm percebido a necessidade usar recursos avançados na obtenção de genótipos melhor adaptados.

De fato, pesquisadores, quer sejam de plantas ou animais, visam obter tipos mais apropriados, usando as ferramentas necessárias e eficientes. Nesse sentido, o geneticista é um usuário das demais especialidades das ciências. Ele incorpora o conhecimento e a prática nos biótipos que engendra, como parte do contínuo processo de selecionar.

A polêmica que acompanha inovações como a dos organismos geneticamente modificados, deve ser encarada como uma discussão saudável. Ou seja, até onde vamos caminhar, em avanços constantes, sem causar problemas. A pesquisa deve ser isenta e demonstrar que são produtos inócuos à saúde e ao meio ambiente, especialmente em espécies de polinização cruzada, como o milho. Migrações de super genes podem causar problemas em variedades indígenas, rompendo as já reduzidas amostras de variabilidade do material original.

Respondidas as questões mais sérias, como estas, desmistificando que sejam panacéias para resolver os problemas da agricultura, não há o que temer. Principalmente, quando se pensa que as novas plantas e os novos animais venham compor o elenco das grandes fontes de alimentos, fibras, agro-combustíveis, madeira, frutos, hortaliças e demais produtos.

Um ponto que se deve enfatizar é que, quando tratados como tábua de salvação, podem induzir a erros. Ou seja, sempre que nos concedem a oportunidade de expressão, buscamos falar sobre a dinâmica da vida. Isto é, não se deve repetir nada, mesmo que a propaganda induza a se pensar que os novos seres sejam solução definitiva. Geneticamente modificado significa que o biótipo apresenta alguma vantagem de sobrevivência ou algum produto vantajoso (proteína e óleo de qualidade, por exemplo) e ponto. Mais do que isso, cai na propaganda enganosa.

Como o processo vital é dinâmico, não há solução que dure para sempre. Assim, a beleza de um campo de soja, livre de plantas daninhas, por possuir resistência a herbicida, pode desaparecer. No entusiasmo da vantagem, o agricultor, pode ser alvo de meias verdades e repete plantios. Aí está o problema, pois plantas daninhas acabam por desenvolver resistência, contaminando as áreas. Isto apenas para tomar um exemplo.

Daí, aproveitarmos a argumentação de que a agricultura precisa diversificar para não virar refém de pacotes mercantilistas. Procuramos estender a linha de raciocínio, demonstrando que não se resolvem os problemas sem incorporar diversidade biológica, sustentada em base econômica. Envolvidos com a busca de alternativas além da soja, do milho, do feijão e do arroz, citando os grãos mais importantes, temos enfrentado desafio hercúleo. Ele se arrasta no esforço de adaptar amaranto, quinoa, kenaf, tef e cártamo, dentre várias espécies de plantas, das quais pouco se ouve falar. Por não estarem nos holofotes, passam despercebidas nas vantagens que trazem.

Qual é a dimensão desse desafio? A resposta, em forma de indagação, é como materializar a diversidade, se refletindo em melhor manejo de planta e do solo. O desafio pode se desmembrar em grandes sub-temas, com interrogações. Primeira – como convencer os próprios pares e as instituições de pesquisa a investir em algo que não se visualiza como importante? Segundo, fator mais relevante ao agricultor – como fazer aumentar a renda com a introdução de novas plantas?

Em suma, diversificar esbarra no dilema “não se planta porque não há mercado e por não haver mercado o potencialmente útil se perde no vazio”.

Desde há 18 anos, muito antes de nos aposentarmos da Embrapa, temos defendido a importância de se investir em pesquisa sobre espécies inovadoras da agricultura. Aquelas que acrescentam algum tipo de vantagem, seja econômica, biológica, ambiental e a sinergia entre elas. Sempre respondemos quando indagados por questões como “Há mercado, ou, se justifica empregar recursos escassos em algo etéreo?”

– Se não quisermos sair da inércia, ficamos com o que aí está, sujeitos a ameaças crescentes e panacéias duvidosas. Mesmo assim, diante de obstáculos, temos continuado o trabalho na esperança de sensibilizar novos sonhadores.

Portanto, sem ações sistemáticas, livres das tendências de momento (agro-combustíveis, por exemplo), as instituições públicas de pesquisa e desenvolvimento deixam de cumprir o papel de alavanca. Ao iniciarem novos projetos, com plantas e animais menos explorados, mas que podem trazer sinergia aos sistemas agropecuários e ampliar mercados, se antecipam ao seu tempo. Portanto, na busca por opções descobrem-se novas ferramentas eficientes e de baixo custo, aumenta-se a importância da criatividade e quebram-se paradigmas.

No final, o desafio pioneiro é o que conta, pois os primeiros trabalhos que se realizam, por mais simples que pareçam, viram referência.

No conjunto, a pesquisa deve imbuir-se do propósito de empregar todas as ferramentas que forem necessárias na busca da produção eficiente e com equilíbrio. Esse é o objetivo maior, em que organismos geneticamente modificados são apenas mais uma delas,com as limitações inerentes.

Carlos R. Spehar é Prof. Universidade de Brasília e colaborador do EcoDebate

[EcoDebate, 10/07/2008]