Obstáculos ao acordo sobre o clima, artigo de Martin Wolf
Os líderes do G-8 garantem importante progresso e isso é bobagem, pois eles sequer começaram a acordar com os países em desenvolvimento
[Valor Econômico] Alguma coisa mudou no debate sobre alterações climáticas provocadas pelo homem: os EUA estão engajados. Mas o engajamento americano – ou pelo menos o engajamento do presidente George W. Bush – não é entusiástico nem incondicional.
Em particular, durante discussões entre os chefes de governo do Grupo dos Oito (G-8) no Japão, Bush enfatizou que a China e a Índia tinham de participar. Nisso ele tem razão: será impossível atacar o problema sem a participação de importantes países emergentes. A questão é em que termos o farão.
Isso é ignorar o debate sobre se mudanças climáticas provocadas pelo homem são plausíveis ou corretamente avaliadas. Considero os argumentos suficientemente convincentes para justificar ação. Acima de tudo, considero persuasivo o argumento do professor Martin Weitzman, da Harvard University, de que vale a pena pagar caro para eliminar o risco de catástrofe. As pessoas que rejeitam posições nesse sentido não precisam prosseguir na leitura.
O professor Nicholas Stern, da London School of Economics e autor do relatório do governo britânico sobre mudanças climáticas publicado em 2006, analisou as questões em um interessante recente estudo. Stern parte de um pequeno número de proposições simples.
Em primeiro lugar, a concentração de dióxido de carbono equivalente na atmosfera é, hoje, 430 partes por milhão e está crescendo à taxa de duas partes por milhão ao ano. Em segundo lugar, a meta deveria ser a estabilização da concentração entre 450 e 500 partes por milhão.
Por último, para conseguir isso, a emissão mundial equivalente de gases que provocam o efeito estufa precisa bater num teto nos próximos 15 anos e cair pelo menos 50% em torno de 2050 – em relação aos níveis de 1990 (cerca de 90% do nível de 2005) -, quando a emissão mundial média per capita precisará ser de apenas duas toneladas per capita.
As tendências históricas e o atual nível de emissões indicam em que medida esses objetivos estão distantes do atual cenário: duas toneladas per capita equivalem a 10% dos recentes níveis americanos e a 50% das emissões chinesas. No entanto, defende Stern, isso precisa acontecer, se considerarmos seriamente os riscos.
Ainda mais grave é o fato de que quanto mais o mundo esperar, maiores precisarão ser as reduções, porque os gases perduram por séculos. Como isso pode ser conseguido? Um conjunto de políticas precisa ser eficaz, eficiente e equânime. Examinemos cada um desses critérios.
Para ser eficaz, a política terá de reduzir substancialmente as emissões. A implicação é que toda atividade e praticamente todos os países serão afetados. Os países em desenvolvimento, que abrigarão perto de 90% da população mundial e gerarão a maior parte das emissões mundiais em torno de 2050, precisam dar uma contribuição substancial.
Nesse aspecto, Bush tem razão. A média mundial de longo prazo – duas toneladas de dióxido de carbono equivalente per capita – é tão baixa que não seria permitido a nenhum país ir muito além dela.
As implicações setoriais são também dramáticas: grandes esforços serão necessários para fazer cessar o desflorestamento, por exemplo, que atualmente contribui com cerca de 17% das emissões resultantes de ação humana; a geração de eletricidade precisará ter deixado de produzir carbono em torno de 2050; e a frota mundial de veículos, que deverá crescer em 2,3 bilhões de veículos entre hoje e 2050, segundo projeções do FMI, precisará também deixar de gerar emissões de carbono.
Eficiência é algo tão fácil de definir quanto difícil de aceitar: o custo marginal da redução de emissões deveria ser o mesmo em toda as atividades em qualquer país. O preço do carbono – seja fixado por um esquema limitação de emissões e comercialização de direitos de emissão (“cap-and-trade”), um imposto sobre emissões de dióxido de carbono ou um sistema híbrido – deveria também ser o mesmo em toda parte. O fato de a China ser hoje o maior emissor mundial individual mostra quão vital é que as emissões também tenham um preço lá.
As emissões chinesas por unidade de PIB (em paridade de poder de compra) são duas vezes maiores do que as americanas e o triplo das japonesas. Até onde possível, portanto, as melhores tecnologias precisam ser usadas em toda parte. Entretanto, o conjunto existente de tecnologias que geram baixas emissões não está exaustivamente distribuído pelo mundo.
Se isso for implementado, argumenta Stern, as emissões poderão ser reduzidas num montante entre cinco e 10 gigatoneladas por ano em torno de 2030 (10% a 20% das emissões em 2005). Grandes esforços precisarão também ser feitos para desenvolver e incrementar tecnologias quase comerciais e para a criação de novas tecnologias. O fato de todas as tecnologias necessárias ainda não existirem torna bastante incertas as estimativas de quanto custará atingir as metas. Inclusive o número citado por Stern: 1% da Produção Mundial Bruta (PMB).
Entretanto, o problema mais intratável de todos envolve a desejada equanimidade. As emissões precisam ser reduzidas em todos os países, mas o custo de disso não precisa ser, necessariamente, arcado por todos. Existem três poderosos argumentos em defesa de que os custos recaiam sobre países de alta renda: em primeiro lugar, eles criaram o atual problema; segundo, continuam poluindo bem mais per capita; e, terceiro, eles são capazes de arcar com tais custos.
Três quintos do estoque de gases-estufa gerados pela ação humana foram produzidos pelos países de alta renda. Em 2004, as emissões americanas per capita foram cinco vezes maiores do que as da China e 17 vezes as da Índia.
Então, como é possível garantir o mesmo preço para o carbono em toda parte se os custos forem impostos aos países ricos? Uma resposta pode ser pagar pelos cortes nas emissões dos países em desenvolvimento, e não penalizá-los por descumprimento das metas. Esse tipo de esquema existe: é o “mecanismo de desenvolvimento limpo”. Seu princípio é razoável. A dificuldade está em definir e mensurar parâmetros de referência, monitorar o cumprimento de metas e abarcar economias inteiras.
Mas esse, por mais difícil que seja, é o caminho que, segundo Stern, o mundo deveria trilhar para chegar a 2020, quando os países em desenvolvimento deveriam também adotar limites. Ele sugere especificamente que o atual mecanismo precisa deixar de centrar em projetos individuais e assumir uma abordagem “por atacado, talvez baseada em metas de eficiência específicas para cada setor ou em parâmetros de referência tecnológicos”.
Poderá isso ser viável na China, Índia e outras economias emergentes? Para falar a verdade, duvido. Mas parece ser a única maneira de progredir. Além disso, persuadir países em desenvolvimento a acatar limites obrigatórios, mesmo em 2020, deverá ser difícil, tendo em vista a extrema iniqüidade do ponto de partida.
Os líderes do G-8 afirmam ter realizado importante progresso. Isso é bobagem. Eles sequer começaram a fechar todos os acordos necessários, especialmente com os países em desenvolvimento. Apenas fizeram o próprio G-8 dar um primeiro passo. Sequer puseram em prática políticas para concretizar as reduções necessárias das emissões em seus próprios países – entre 75% e 90% em torno de 2050.
Esse é o mais complexo problema de ação coletiva na história humana. Sua solução requer ação concertada de participantes desiguais durante pelo menos um século. Entretanto, a coisa certa a fazer é tentar. Se não nós, quem? E se não agora, quando?
Martin Wolf é colunista do “Financial Times”. Artigo publicado pelo Valor Econômico, 09/07/2008
[EcoDebate, 10/07/2008]