Diretiva de Retorno: Festung Europa, artigo de Paulo Nogueira Batista Jr.
[O Globo] A Europa parece cada vez mais um continente retrógrado, defensivo, fechado sobre si mesmo. Em matéria de restrições à imigração, as suas políticas estão se tornando progressivamente mais restritivas e persecutórias. A última da União Européia foi a “Diretiva de Retorno”, que vem sendo chamada, com razão, de “Diretiva da Deportação” e “Diretiva da Vergonha”.
Em 18 de junho, o Parlamento europeu aprovou, com 369 votos a favor, 197 contra e 106 abstenções, padrões e procedimentos comuns para a deportação de imigrantes ilegais. A Diretiva, que deve entrar em vigor em 2010, estabelece regras bem mais rígidas para os imigrantes e desencadeou forte reação no resto do mundo, inclusive na América Latina. A íntegra da Diretiva pode ser encontrada no sítio do Parlamento europeu, cujo endereço eletrônico é www.europarl.europa.eu.
Esse tipo de decisão reflete um ambiente crescentemente xenófobo e racista em muitos países europeus. Faz lembrar a “Festung Europa” (Fortaleza Europa), famosa palavra de ordem da Alemanha nazista. Depois da derrota em Stalingrado, em 1943, Hitler nunca mais recuperou a ofensiva de forma duradoura. Para a fase final da guerra, a Europa ocupada foi convertida na “Festung Europa”, que os alemães defenderam a todo custo nas frentes ocidental e oriental.
A atual Fortaleza Europa parece quase tão difícil de defender com sucesso quanto a de 1943 a 1945. Parece pouco provável que as muralhas européias consigam conter o afluxo de imigrantes de países subdesenvolvidos, fugindo da miséria e da pobreza e atraídos por condições muito mais favoráveis de renda, trabalho e de vida.
Mas os europeus não entregam os pontos. Não pretendem deixar o mercado de trabalho funcionar livremente. Não querem saber, na prática, de “globalização”.
A Diretiva de Retorno estabelece que um estrangeiro flagrado em condição irregular receberá uma “decisão de retorno”, passando a ter um “período apropriado” geralmente entre 7 e 30 dias para sair “voluntariamente” da União Européia. Se houver risco de fuga ou se o imigrante representar uma ameaça à segurança pública, a expulsão pode ser imediata ou o período pode ser menor do que 7 dias.
As deportações podem vir acompanhadas por interdições de entrada que não devem, em princípio, exceder 5 anos. Mas as interdições poderão exceder esse prazo, se o imigrante representar “uma séria ameaça à política pública, à segurança pública ou à segurança nacional”.
Para casos em que há risco de fuga ou em que o imigrante procura evitar ou obstruir a sua remoção, a Diretiva prevê normas de detenção bastante duras. A detenção pode ocorrer sem ordem judicial, por decisão das autoridades administrativas. O período de detenção não deve exceder 6 meses, mas pode ser estendido por um período adicional de 12 meses, se a operação de remoção durar mais tempo.
Como regra geral, a detenção ocorrerá em facilidades especiais.
Porém, se o país não puder proporcionar facilidades especiais, o imigrante será encaminhado a uma prisão, onde ficará separado dos prisioneiros comuns.
A Diretiva prevê também a detenção de crianças e de famílias com crianças, como “medida de última instância”.
Nisso, leitor, converteu-se a Europa, continente que deu origem ao iluminismo, ao liberalismo e à “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”. Os europeus envelheceram e — diria mais — estão apodrecendo à vista de todos.
Bem que Nietzsche perguntava: “Como falar em progresso da Humanidade, se ela sequer existe?”
Artigo originalmente publicado pelo O Globo, 28/06/2008