eficiência energética: O Negawatt evasivo
Se conservar energia poupa dinheiro e é bom para o planeta, por não se consegue fazê-lo em larga escala?
[Cidades Solares] Entre especialistas, a eficiência energética é tratada como “o quinto combustível”: ela pode ajudar a satisfazer a crescente demanda por energia tanto quanto o podem o carvão, o gás, o petróleo ou o urânio. Mas, nestes tempos ambientalmente conscientes ela subiu posições no ranking. Enquanto a queima de combustíveis fósseis libera gases de efeito de estufa, que contribuem para o aquecimento global e as centrais nucleares geram resíduos que trazem risco à vida, o único subproduto da eficiência energética é riqueza, sob a forma de contas de energia mais baixas e menores gastos com centrais elétricas, oleodutos e assim por diante. Não admira que os especialistas tendam a preferir “negawatts” em vez de megawatts como o melhor método de satisfazer a crescente sede mundial por energia.
Quase todos os projetos para combater o aquecimento global assumem que a eficiência energética terá um enorme papel a desempenhar. Nicholas Stern dedicou todo um capítulo ao assunto no relatório que escreveu para o governo britânico sobre as mudanças climáticas. No cenário futuro mais verde traçado pela Agência Internacional de Energia, aumentos na eficiência do uso de energia são responsáveis por dois terços das emissões evitadas. O McKinsey Global Institute (MGI), braço de pesquisa da famosa consultoria, avalia que a eficiência energética pode obter metade da meta defendida por muitos cientistas de estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em 550 partes por milhão. O MGI se entusiasma por ver a eficiência energética como uma empreitada globalmente rentável, ao contrário da maior parte dos outros esquemas de redução das emissões: as medidas analisadas, todas aplicando tecnologias existentes, teriam um rendimento médio de 17% e um mínimo de 10%. O IPCC, grupo de cientistas que aconselham a ONU em matéria de aquecimento global, faz uma observação semelhante. O grupo avalia que investimentos rentáveis em eficiência energética permitiriam ao Paquistão cortar suas emissões em cerca de um terço, as da Grécia em um quarto e as da Grã-Bretanha em um quinto.
Em outras palavras, grandes investimentos em eficiência energética mais que se pagariam, e bastante rápido. Apesar do muito que se teria de gastar – US$ 170 bilhões por ano até 2020 – o MGI calcula que isto equivaleria a apenas 1,6% do atual investimento anual global em capital fixo. Além disso, com os grandes lucros esperados, deve ser fácil atrair financiamento.
Ora, se há tantas oportunidades lucrativas para melhorar a eficiência, porque os investidores não estão numa corrida para tomar vantagem destas? Até certo ponto estas razões são as seguintes: nos EUA, por exemplo, a “intensidade energética” – a quantidade de energia necessária para gerar cada dólar produzido – vem diminuindo em cerca de 2% ao ano. Isso só em parte acontece porque as fábricas, casas, carros e aparelhos estão se tornando mais eficiente; isto acontece também porque as fábricas que mais devoram energia mudaram-se para locais mais baratos, como a China. Mas, globalmente também a intensidade energética está a diminuir em 1,5 % ao ano.
Esta diminuição não foi predestinada. Antes da primeira crise do petróleo, em 1973, a queda na intensidade energética dos EUA foi de apenas 0,4% ao ano. Naquele ritmo lânguido,o país gastaria agora 12% do PIB em energia ao invés de 7%, de acordo com Art Rosenfeld, um pioneiro em eficiência energética e membro da California Energy Comission, que estabelece normas de eficiência energética e outras políticas energéticas para o Estado. Simplesmente por comprar refrigeradores mais eficiente ao longo dos anos, ele calcula, os americanos hoje poupam mais de 200 terawatt-hora (TWh) por ano.
Mas, como McKinsey aponta, ainda há centenas de bilhões de dólares em oportunidades não cumpridas, mas potencialmente lucrativas em matéria de eficiência energética disponíveis para famílias e empresas. O que está segurando os investidores?
Uma resposta é preço. Aos olhos de muitos consumidores, eletricidade e combustíveis são demasiadamente baratos para que valha a pena economizar, especialmente em países onde os preços são subsidiados. Industriais russos são perdulários com o gás natural, porque este lá é vendido por um quarto do preço internacional. Motoristas no Catar têm pouco incentivo para cuidar do consumo de gasolina se pagam apenas 25 centavos de dólar por litro.
De um modo geral, a intensidade energética é, não surpreendentemente, mais baixa em países onde os preços da eletricidade são mais elevados. Não é por acaso que a Dinamarca tem ambos, altos preços de energia e de uma economia eficiente no consumo de energia. Entre os estados americanos, para cada centavo a mais no preço do kilowatt.hora em relação à média nacional, o consumo de energia cai 7% também em relação à média. George David, o chefe da United Technologies, um conglomerado que fabrica aparelhos de ar-condicionado, elevadores e motores de aeronaves, entre outros itens, defende que preços mais elevados para combustíveis e eletricidade são a única força necessária para impulsionar a eficiência energética.
Mas existem ainda muitas oportunidades de investimento rentáveis em eficiência energética, mesmo onde os preços da energia são os mais altos. David Goldstein, autor de um livro recente sobre eficiência energética, salienta que até recentemente as empresas em Nova York iluminavam suas instalações mais do que aquelas em Seattle, apesar dos preços muito mais elevados da energia praticados em NY. E o Havaí, o estado americano com a energia mais cara, não é o mais eficiente (embora o estado com a energia mais barata, o Kentucky, aparece no fim do quadro de eficiência).
O problema, explicam analistas, é uma série de distorções e deficiências do mercado que desincentivam o investimento em eficiência. Muitas vezes, os consumidores são pouco informados sobre as possibilidades de economia de energia. Mesmo quando podem calcular as vantagens, os custos de transação são elevados: é grande o tempo necessário para identificar os melhores equipamentos para poupar energia, comprá-los e tê-los instalados. Não ajuda que a poupança potencial, apesar de enorme quando somada em todo o mundo, normalmente representa apenas uma pequena parte dos orçamentos das empresas e das famílias. Apesar dos recentes aumentos de preços, os gastos com energia continuam a representar uma parte menor da economia mundial do que há algumas décadas atrás.
Por todas estas razões, os chefes de família, como salientado por Lord Stern em seu relatório sobre mudanças climáticas, tendem a exigir taxas de retorno exorbitantes sobre seus investimentos em eficiência energética – de aproximadamente 30%. As pessoas geralmente querem que suas novas caldeiras ou o isolamento extra paguem-se em dois ou três anos, diz Mark Hopkins, da ONG United Nations Foundation. As empresas não são tão exigentes, diz ele, mas ainda tendem a colocar maior ênfase no aumento das receitas do que na redução de custos.
Histórias semelhantes acontecem nos mercados novas casas, escritórios, aparelhos e veículos novos. Os construtores não pagam pelas futuras contas de serviços públicos e, por isto, não vêm razão para acrescentar custos na construção – e, conseqüentemente, no preço da nova casa ou escritório – incorporando dispositivos de economia de energia. Os fabricantes de eletrodomésticos e automóveis também sabem que nem todos os consumidores e motoristas pensarão com tanto cuidado nas futuras despesas com o uso do bem quanto pensam no preço inicial deste. Da mesma maneira, senhorios têm pouca incentivo para investir em eficiência energética para seus inquilinos. E empresas elétricas são mesmo interessadas em incentivar seus clientes a consumir a maior quantidade de energia possível. Financiar investimentos em eficiência energética também pode ser difícil. Nos países em desenvolvimento o capital pode ser escasso, enquanto nos países ricos as economias conseguidas por tornar as residências mais eficientes são muito pequenas e as despesas de transação muito elevadas para despertar o interesse da maioria dos bancos.
Apesar destes obstáculos, com o aumento dos preços da energia e mais países adotando limites para as emissões de gases de estufa, os bancos e consultorias farejam uma oportunidade. As empresas que ajudam as empresas e as famílias a reduzir suas contas energéticas tornaram-se comuns o suficiente para ganhar uma sigla: ESCO, ou empresas de serviços energéticos. A associação das empresas do setor diz que seus negócios, que cresceram 3% ao ano no começo desta década, estão agora crescendo 22% ao ano. As receitas totais das 46 ESCOs consultadas foram de US$ 3,6 bilhões em 2006, com cerca de três quartos deste total vindo da eficiência energética.
Tipicamente, uma ESCO planeja um esquema para a redução da fatura de energia de um edifício, toma emprestado o dinheiro necessário comprar o conjunto de equipamentos e serviços necessário, instala e mantém o conjunto durante um período de tempo fixo. Os clientes não precisam empregar nenhum dinheiro inicialmente: a recompensa da ESCO vem de reter uma parte da poupança realizada pelo cliente. Em geral, as receitas são estáveis e previsíveis o suficiente para permitir que a ESCO não torre seus balanços financeiros e reduza seus custos por securitizando as receitas. A Hannon Armstrong, uma das empresas de serviços financeiros envolvidas, diz ter organizado mais de US$ 1,5 bilhões desses títulos.
O interessante é que 80% dos clientes das ESCOs nos EUA são governamentais, além de as escolas, hospitais e universidades. Pequenas empresas e famílias somariam um mercado muito maior, mas tendem a ser menos solventes e a mudar com maior freqüência. Além disso, os custos de transação tendem a superar a redução nas contas de energia.
Jeff Eckel, de Hannon Armstrong, acredita que é possível superar estes problemas, tratando em conjunto de muitas propriedades semelhantes elaborando contratos inteligente. A Clinton Climate Initiative, uma fundação sem fins lucrativos criada pelo ex-presidente norte-americano, pensa na mesma direção. Convenceu autoridades locais de 40 grandes cidades de todo o mundo a coordenar seus investimentos em eficiência energética de modo a poder acenar com um mercado de tal magnitude para convencer os fabricantes de equipamentos eficientes, as ESCOs que irão instalá-los os políticos de energia eficiente em termos de bens, a ESCO que irá instalá-los e os bancos irão financiá-los a reduzir suas margens. Este grupo de cidades inclui Chicago, Londres e Nova Iorque, entre outras.
A maior parte dos governos, no entanto, não parece convencida de que empresários e fabricantes de equipamentos são capazes de superar por si próprios os obstáculos à eficiência energética. Por isto intervêm nos mercados. A variedade de métodos que utilizam dá dicas das dificuldades.
A tática mais simples é conseguir que o público pense. A Grã-Bretanha criou em 1993 um órgão chamado a Energy Saving Trust; os EUA têm uma iniciativa semelhante, a “Energy Star. Entre outras coisas, esta ajuda os consumidores a identificar produtos e casas energeticamente eficientes através de um sistema de rotulagem voluntária. A União Européia vai um pouco mais longe, obrigando a rotulagem de bens tais como geladeiras, máquinas de lavar roupa e louça; e os britânicos que venderem uma casa devem avaliar sua eficiência energética.
Mas muitas vezes os consumidores ignoram esses rótulos ou pelo menos não lhes dão tanto peso como ao preço, aparência ou conveniência. Então, às vezes os governos tentam tornar mais atraente os aparelhos mais eficiente por meio de incentivos financeiros. O governo central dos EUA, por exemplo, oferece um crédito de imposto aos fabricantes de aparelhos extremamente eficiente – e vários estados dão descontos, créditos fiscais sobre o imposto de renda ou isenções fiscais sobre a venda a qualquer pessoa que queira comprá-los. A China acaba de anunciar que irá subsidiar fabricantes de lâmpadas fluorescentes compactas, que são quatro ou cinco vezes mais eficientes do que as baratas lâmpadas incandescente.
Outros governos obrigam as pessoas a fazer algo que já é do seu interesse. A Austrália tem proposto banir as lâmpadas incandescentes por completo. Muitos têm adotado códigos de obra e padrões para equipamentos que ditam níveis mínimos de eficiência. Vários apertam as normas regularmente para promover a melhoria constante. O esquema Top Runner japonês, por exemplo, identifica os aparelhos mais eficientes no mercado em diferentes categorias e, em seguida, determina que todas as marcas concorrentes se equiparem a estes dentro de quatro a seis anos. Aqueles que não enfrentam multas.
As empresas reclamam que muitas vezes essas medidas duras impõem custos indevidos, que precisam então serem repassados para os consumidores pela elevação de preços. Elas também alegam que seus clientes devem ter a liberdade de comprar dispositivos maiores ou mais potentes se desejarem, mesmo isto os torne relativamente ineficazes. Notavelmente, os fabricantes de automóveis dos EUA têm utilizado tais argumentos para resistir a aumentos nos padrões de economia de combustíveis.
Quando o Congresso norte-americano levantou estes padrões em 2007, ele tentou abordar estas reclamações através da fixação de metas diferentes para veículos leves e pesados. Cada empresa tem uma meta definida pela média dos carros que vende, e não por um limite modelo-a- modelo, de maneira que ainda é possível construir um carro beberrão. De qualquer maneira, ambientalistas disputam a noção de que as normas de eficiência energética dirigem os preços. O preço médio das geladeiras nos EUA diminuiu por mais da metade desde a década de 1970, ainda que sua eficiência tenha aumentado em três-quartos. Estes ganhos têm sido obtidos a despeito dos constantes aumentos no tamanho da unidade média.
Os governos também estão obrigando as concessionárias elétricas a se envolver no negócio de eficiência energética. Alguns, incluindo muitos estados norte-americanos, adicionam uma quantia extra nas contas de eletricidade para financiar investimentos em eficiência energética. Outros especificam a quantidade de energia a ser economizada, em vez do montante a ser gasto. A França, por exemplo, requer que fornecedores de gás e eletricidade invistam o suficiente em três anos para reduzir a demanda projetada por 54TWh.
A Grã-Bretanha e a Itália têm sistemas semelhantes, embora as metas sejam expressas em toneladas de carbono e em barris de petróleo, respectivamente. Auditores externos verificam a poupança, e os “white certificates” por estes emitidos são comercializáveis. A intenção é manter baixo o custo do sistema, permitindo aqueles que podem atingir reduções mais barato, inclusive as ESCOs, a fazê-lo em nome de participantes menos capazes. A idéia também se espalha pelos EUA: Connecticut, Nevada e Pensilvânia a adotaram.
Mas um regime de comercialização de certificados como estes teria de ser muito exigente para contrabalançar a tendência das concessionárias em vender sempre mais energia, de maneira que outros estados norte-americanos foram mais longe, tentando dissociar os lucros das concessionárias de suas vendas. Reguladores prevêem a demanda e permitem que as concessionárias cobrem um preço que recupera os custos fixos e permite um retorno sobre a base prevista. Se a demanda mostrar-se inferior ao esperado, a entidade reguladora permite que os preços aumentem a fim de compensar a queda no lucro esperado e, a demandas é mais elevada, o órgão regulador corta para devolver o excesso aos clientes.
A Califórnia, previsivelmente, foi ainda mais longe. O estado dissociou as vendas dos lucros para o gás em 1978 e para a eletricidade em 1982. Em 2007, adotou um regime batizado de “dissociação plus”, que pretende fazer os investimentos em eficiência energética mais rentáveis para os concessionários do que seriam novas centrais elétricas. Taxas para financiar de ações de economia de energia são adicionadas a cada conta, e as concessionárias gastam o dinheiro para perseguir os objetivos fixados pela entidade reguladora, o California Public Utilities Comission (CPUC). Em seguida, a Comissão calcula a economia conseguida com estes investimentos, em comparação com o custo de novas centrais elétricas. Se um concessionário alcança entre 85% e 100% da meta, é autorizado a manter a segurar para si 9% destas economias. Se a meta é ultrapassada, o concessionário recebe 12%, mais do que ele ganharia com a construção de nova infra-estrutura. Entre 65% e 85% o concessionário não tem nenhum retorno, e abaixo de 65% paga uma multa por cada kilowatt.hora não economizado.
Este sistema complexo é projetado para certificar-se de que o concessionário gaste mais em eficiência energética, mas não desperdice o dinheiro dos consumidores em investimentos de mérito duvidoso. As concessionárias privadas da Califórnia já gastam cerca de US $ 1 bilhão por ano em eficiência energética. Em julho o CPUC anunciará seus objetivos de poupança de energia até 2020. O estado, diz Dian Grueneich, um dos comissários, espera cumprir metade do crescimento projetado na demanda através do aumento da eficiência energética.
Governos menos charmosos que o da Califórnia somente obrigam as empresas mais energo-intensivas a conter sua fome por energia. As 13 mil fábricas no Japão com o maior consumo de energia são obrigadas a melhorar sua eficiência em 1% ao ano. Aqueles que não o conseguem são multados. O governo central da China tem seguido este o exemplo, estabelecendo metas de eficiência energética para as 1000 maiores empresas do país. Esta iniciativa, por sua vez, tem resultado em iniciativas semelhantes nas províncias. O governo chinês espera que a intensidade energética seja 20% inferior em 2010 do que era em 2006.
No entanto, não importa que métodos os governos adotem para promover a eficiência energética, os resultados podem não ser tão impressionante como imaginados. O culpado é apelidado de “efeito rebote”. A queda na demanda de eletricidade ou combustível gerada pela eficiência energética pode levar a preços mais baixos para a energia. Energia mais barata, por sua vez, pode incitar um maior consumo, comprometendo alguns dos benefícios iniciais. E mais, os consumidores com contas de eletricidade e combustível mais baixas muitas vezes colocam o dinheiro que economizam em algum outros usos, tais como sair de férias ou comprar novos aparelhos, que muitas vezes consomem combustível ou eletricidade.
Os economistas divergem sobre o tamanho do efeito rebote, que é difícil de medir. O governo britânico encomendou dois estudos sobre o efeito, a duas universidades diferentes. O primeiro encontrou que o efeito rebote anulou 26% dos ganhos obtidos com eficiência energética; o outro colocou este montante em 37%. De qualquer maneira, “negawatts” são valores a serem perseguidos. Mas não parece razoável que satisfarão a sede global por energia na extensão presumida pelos seus defensores.
Publicado pelo Boletim Cidades Solares, 04.08