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Acordo para defender uso do amianto é alvo de crítica

Apoio financeiro de empresários a sindicatos é tido como prática anti-sindical. Associação de expostos ao mineral recorre à OIT para pedir ação do governo contra acordo que tem o patrocínio de indústrias. Por Claudia Rolli e Fátima Fernandes, da Folha de S. Paulo, 24/06/2008.

O repasse de recursos de indústrias de extração e industrialização do amianto para entidades sindicais que representam trabalhadores do setor defenderem o uso controlado do mineral é alvo de críticas de advogados, especialistas em mercado de trabalho e sindicalistas de várias centrais.
Conforme revelou reportagem publicada ontem pela Folha, o apoio financeiro dos empresários aos sindicalistas consta no Acordo Nacional para Uso Controlado do Amianto Crisotila assinado entre a Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA), sete sindicatos de trabalhadores, 11 indústrias, um sindicato da indústria de cimento e o Instituto Brasileiro do Crisotila.

O repasse de recursos ocorre por meio do Instituto Brasileiro do Crisotila, criado há seis anos e patrocinado por 11 indústrias, para custear cursos de treinamento e outras atividades (seminários) dentro e fora do país em defesa do uso controlado do mineral.

Amanhã, a Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) encaminha queixa ao Comitê de Liberdade Sindical da OIT por considerar prática anti-sindical o patrocínio de indústrias a entidades que representam os trabalhadores.

Marthius Savio Cavalcante Lobato, professor de Direito do Trabalho Coletivo da UNB, diz que, assim como a lei federal nº 9.055 (que disciplina o uso do mineral), “o acordo coletivo permitindo o uso do amianto, mesmo que controlado, viola os princípios constitucionais da dignidade humana do trabalhador e de um ambiente de trabalho digno, podendo ser anulado judicialmente”.

Lobato ressalta que os dirigentes sindicais precisam ter “distância” da empresa. “Uma entidade de trabalhadores não pode ser financiada pelo setor patronal. Até porque os sindicatos já têm uma fonte de financiamento, que é a contribuição sindical obrigatória.”

José Roberto Silva dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Osasco e região, diz que, na cidade, há 750 trabalhadores contaminados por amianto por terem trabalhado com o minério. “Fazer um acordo para defender o uso controlado do amianto é imoral e ilegal.” E explica: “É imoral porque não reflete a vontade dos trabalhadores, e sim de meia dúzia de sindicalistas. É ilegal porque como um acordo trabalhista pode valer mais do que uma lei estadual que proíbe o uso do amianto no Estado de São Paulo?”, questiona.

Para o advogado Luis Carlos Moro, “não há limite seguro para sua exposição. Não há interesse econômico que possa se sobrepor ao direito à vida”.
Há dois anos, a 95ª Conferência Internacional do Trabalho estabeleceu, por meio de uma resolução, o fim do amianto, alarmada pelo fato de que cerca de 100 mil trabalhadores morrem por ano no mundo em decorrência de doenças causadas pela exposição ao mineral.

Nessa resolução, a OIT chamou a atenção de países que são membros da organização, como o Brasil, para a necessidade de não usar mais o amianto, classificado pela Agência Internacional de Pesquisa de Câncer, ligada à OMS (Organização Mundial de Saúde), como substância cancerígena.
O Brasil não tomou providências até agora para banir o mineral, segundo Lelio Bentes Corrêa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, que diz ser favorável ao fim do uso. A justificativa para o não-banimento, segundo diz, acaba sendo a Convenção sobre Amianto da OIT (162, de 1986), que adota parâmetros para o uso do mineral nos países.

“Como essa convenção estabelece parâmetros para o uso do amianto, quem defende o uso sempre a evoca. Só que a resolução de 2006 sinaliza para a tendência de se caminhar para o fim do amianto”, diz Corrêa.

Para ele, a decisão do Supremo Tribunal Federal, no início deste mês, de manter a lei paulista (nº 12.684) que veta o uso do amianto no Estado de São Paulo é “muito bem-vinda”.