Quase metade da população brasileira não recebe flúor na água. Pesquisador afirma que falta de flúor na água também atinge grandes capitais
Enquanto o governo federal investiu mais de R$ 2 bilhões nos últimos quatro anos para tentar mudar o quadro da saúde bucal no Brasil, cerca 40% dos municípios brasileiros não cumprem a Lei 6.050, que os obriga a adicionar flúor na água oferecida à população para prevenir a cárie dentária. Por Adriana Brendler, da Agência Brasil.
Obrigatória desde 1974, a adição é capaz de reduzir em 50% a incidência do problema, principalmente em crianças. O custo é de aproximadamente R$ 1 por habitante a cada ano e o Ministério da Saúde (MS) concede incentivos para que a medida seja implementada.
As informações são do coordenador da área de Saúde Bucal do ministério, Gilberto Pucca, para quem o descumprimento da lei é um fato lamentável, já que a maioria dos problemas de saúde bucal são decorrentes da cárie não tratada e a prevenção via abastecimento público de água é eficiente e democrática.
“É absolutamente lamentável os casos de estados e municípios que ainda não fizeram fluoretação, porque assim como reduzimos a mortalidade infantil no Brasil, principalmente com a adição de cloro na água, a redução da incidência da cárie dentária é via flúor. Os estados e municípios que ainda não fizeram a fluoretação estão negando esse direito de acesso à saúde bucal à população”, afirmou.
O coordenador destacou que o Ministério da Saúde não pode garantir que o flúor seja adicionado já que o tratamento e o abastecimento de água são atribuições constitucionais dos estados e municípios, seja de forma direta ou indireta, via contratações de empresas de saneamento públicas ou privadas para prestar o serviço. “Temos um limite legal, o ministério não pode intervir nas cidades fazendo cumprir a lei”, lamentou Pucca.
Segundo ele, para contornar essa limitação e induzir os municípios e adotarem o procedimento, a pasta, por meio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) criou, em 2004, uma linha de financiamento específica que repassa às empresas de saneamento os equipamentos necessários à fluoretação. Além disso, são disponibilizados o treinamento de pessoal e um ano de fornecimento de flúor.
Desde então, 434 municípios, de 11 estados, passaram a fazer a fluoretação, beneficiando cerca de 6,4 milhões de pessoas. De acordo com Pucca, em termos percentuais de população coberta, o avanço foi pequeno, uma vez que o benefício continua restrito a cerca de 50% dos brasileiros. “Não foi uma alteração significativa. É uma importantíssima frente de prevenção não só para saúde bucal, mas para saúde de uma forma geral, e que ainda não tem crescido com a velocidade de que o ministério gostaria”, disse.
Pesquisador afirma que falta de flúor na água também atinge grandes capitais
O pesquisador Paulo Capel Narvai, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), aponta a omissão de estados e municípios que não priorizam a saúde bucal como o maior entrave para a superação dos desafios na área.
No caso da adição de flúor na água oferecida à população para prevenir a cárie dentária, medida obrigatória por lei, ele observa que o problema ocorre em centenas de pequenos municípios, onde muitas vezes há dificuldades até mesmo para fornecer água tratada, mas também em grandes capitais, como Recife, Cuiabá e Manaus que têm, cada uma, mais de 1 milhão de habitantes.
Segundo ele, em Cuiabá, por exemplo, 100% da população têm água tratada, por isso, a falta de fluoretação configura uma situação de flagrante descumprimento da lei. Em outras cidades, como Recife, ele considera a situação mais complexa, já que o sistema de abastecimento de água inclui poços artesianos e há bairros em que a água não vem de estações de tratamento.
“Deveríamos avançar ainda mais com essa medida [adição de flúor na água] tendo em vista a importância estratégica que ela tem no enfrentamento da cárie e dos problemas de saúde bucal”, alertou Narvai.
Segundo ele, 50% da população brasileira não é assistida pela fluoretação da água. A maior parte desse percentual está nas grandes cidades, entre elas a maioria das capitais das Regiões Norte e Nordeste. Uma parcela menor, cerca de 15% da população, vive em pequenos municípios, com até 15 mil habitantes.
Procurada pela reportagem, a Companhia de Saneamento da Capital, de Cuiabá, informou que está comprando equipamentos e construindo tanques para iniciar até o final desse ano a fluoretação de água. Segundo o engenheiro químico responsável pela companhia, Noé da Silva, a adoção do procedimento foi retardada por causa da mudança ocorrida na esfera de responsabilidade sobre o abastecimento de água da cidade. Até 2000, essa atribuição era do governo estadual e, a partir de então, passou a ser do município.
Em Manaus, o abastecimento de água é feito pela empresa Água do Amazonas, contratada pela prefeitura para prestar o serviço. De acordo com o coordenador do Plano de Expansão do Sistema de Abastecimento de Água de Manaus, Sérgio Elias, a fluoretação de água nunca foi feita no município mesmo quando o abastecimento era responsabilidade do governo estadual.
Mas, segundo ele, a medida passou a ser prevista quando atribuição do serviço foi transferida para prefeitura. No entanto, a empresa contratada não cumpriu as metas estabelecidas para a concessão. Depois de uma repactuação ocorrida em 2007, o serviço passou para a atual empresa que prevê para o final de 2008 o abastecimento regular de água para 90% da população do município, incluindo a fluoretação.
Até a publicação da reportagem, a prefeitura de Recife não havia confirmado as informações sobre o abastecimento de água prestado pela Companhia Pernambucana de Saneamento. A companhia estadual também não retornou as ligações da Agência Brasil.