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As muitas nuvens no horizonte do PIB, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] As informações sobre o crescimento do produto interno bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre do ano – 5,2%, comparado com igual período do ano passado – provocaram uma série de indagações sobre sua sustentabilidade, já que o aumento sobre o último trimestre de 2007 foi de apenas 0,7%, as importações cresceram muito (18,9% sobre o primeiro trimestre do ano passado) e as exportações caíram 2,1% (Agência Estado, 11/6).

Como está ocorrendo também uma desaceleração no crescimento econômico mundial, simultaneamente a uma crise financeira que levou a perdas de quase US$ 1 trilhão, a OCDE já avançou a previsão de que o crescimento brasileiro este ano baixará para 4,8% e para 4,5% em 2009. E a Associação dos Exportadores Brasileiros acha difícil atingir o volume previsto para exportações, dadas as dificuldades de pequenas e médias empresas com a baixa remuneração em dólar.

Mesmo com o panorama mais favorável, no ano passado nossas vendas ao exterior não ultrapassaram o baixo patamar vigente há mais de 40 anos (1,17% do total mundial). E 2009 poderá ser ainda mais difícil, com a previsão de queda do superávit comercial para menos da metade (Estado, 5/6), ante novo aumento nas importações. A julgar pelos dados até agora, o balanço de transações correntes tende a piorar (já foi negativo em US$ 10,75 bilhões no primeiro trimestre) e a remessa de lucros, a crescer (US$ 17,9 bilhões em 2007, ante US$ 3,1 bilhões em 2000). Só as remessas do setor financeiro foram a US$ 8,62 bilhões.

Nesse contexto, a dívida pública interna – impulsionada também pela migração de títulos da dívida externa para a interna, dada a taxa de juros muito mais alta em vigor internamente – chegou em março a R$ 1,25 trilhão (47% do PIB) e só de juros foram pagos nesse mês R$ 12,56 bilhões (AE, 25/4). E com esse andar da carruagem a despesa com juros será, ao final de um ano, cerca de 15 vezes o maior investimento social do governo federal, o Bolsa-Família, que beneficia perto de 11 milhões de famílias.

Isso tudo visto apenas pelo ângulo econômico/financeiro. Se entram em cena outros cenários, a questão é mais preocupante ainda. Temos pelo menos uns 30% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, quase 60% dos trabalhadores na informalidade, nível de desemprego nas metrópoles pouco abaixo de 10%, quase 600 mil crianças empregadas em trabalhos domésticos. Por esses e outros índices, muitos estudiosos no mundo todo põem em questão avaliar o estado de uma nação apenas pela evolução do produto bruto. Ou a sustentabilidade dos modelos em que estamos vivendo no mundo todo, já que neste 45% da população vive abaixo do nível da pobreza, 800 milhões passam fome, dois terços das pessoas vivem sem carteira de trabalho ou registro de nascimento, 2 bilhões de pessoas no mercado informal de trabalho, e por aí adiante.

Não é acaso, assim – como registrou o economista José Eli da Veiga (Valor, 10/6) -, que o próprio presidente da França, Nicolas Sarkozy, tenha pedido a uma comissão de 25 especialistas liderada pelos “notáveis” Amartya Sen e Joseph Stiglitz uma “revisão dos limites do produto bruto como critério para medir o desempenho econômico e o bem-estar” – avaliando questões como qualidade de vida, desenvolvimento sustentável e meio ambiente, além das notórias deficiências do critério do produto bruto, que não inclui variáveis importantes.

Prospera, assim, uma linha crítica como a da economista norte-americana Hazel Henderson, que há duas décadas trabalha nessa direção. Henderson diz que “o PIB saiu de moda”, que ele “virou pó por causa da fragilidade financeira no mundo de hoje”, que já chegamos ao “princípio do fim do fundamentalismo do mercado como condutor da globalização”, que o critério da renda per capita “disfarça as desigualdades no mundo”.

As teses de Henderson encontram sólido apoio nas de Edward Wilson, especialista em biodiversidade já citado neste espaço, que faz o seguinte raciocínio: argumenta-se que a solução para o mundo é o crescimento econômico puro e simples; admitindo-se, que seja assim, pode-se partir de um crescimento anual de 3,5% no produto bruto mundial – modesto, pois se pedem 4%, 5%, 6% ou mais; levando em conta o atual produto, já acima de US$ 50 trilhões, com 3,5% ao ano se chegaria a 2050 com um produto anual de US$ 158 trilhões – mas não se chegará, porque não há base física para isso (recursos e serviços naturais); será preciso encontrar outra rota.

Peter Vitousek, da Universidade Stanford (Financial Times, 11/6), lembra que o ser humano já explorou “50% do potencial fotossintético terrestre”, usa 60% do fluxo hídrico global, sobrexplorou mais de 50% dos recursos pesqueiros do mundo, já colaborou para a extinção de quase um terço das espécies vivas. Terá de encontrar caminhos mais sustentáveis. O próprio Jeffrey Sachs, da Universidade Colúmbia, que durante décadas foi um dos “papas” do pensamento apenas financeiro, diz agora que será preciso estabilizar a população mundial em, no máximo, 8 bilhões de pessoas, reduzindo a taxa de natalidade até 2050; pôr fim à “pobreza extrema” até 2025; e criar “sistemas sustentáveis de energia, uso de terras e outros recursos”, de modo a “evitar as tendências mais perigosos das mudanças climáticas, extinção de espécies e destruição de ecossistemas”. Um dos preços a aceitar é um custo mais alto de energias renováveis e não-poluentes. No conjunto, os novos caminhos, pensa ele, custarão a cada ano uns 2% do produto bruto mundial (US$ 1 trilhão por ano).

As alternativas são quase impensáveis. Mas basta citar que revistas do porte da New Scientist já põem em discussão, entre luminares da ciência, a hipótese de colapso da nossa civilização (5/4), seja por pandemias, seja por acidentes provocados pela complexidade excessiva dos nossos modos de viver. Convém prestar atenção.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 20/06/2008