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Artigo

Quintais agroecológicos: resgatando tradição e construindo conhecimento, artigo de Felipe Pinheiro

[Fórum Carajás] O semi-árido brasileiro é um espaço vivo de experimentações que têm gerado diversas alternativas de convivência sustentável no âmbito da agricultura familiar. Nesse sentido tem sido relevante a construção, apropriação e irradiação de diferentes tecnologias sociais.

Entendidas como “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que represente efetivas soluções de transformação social”, as tecnologias sociais no campo da convivência com o semi-árido tem sido resultado das vivências e experiências de agricultores/as e de suas organizações e movimentos, apoiados por ONG´s e órgãos governamentais. Exemplo disso tem sido a implantação de metodologias participativas para construção conjunta de equipamentos sociais de captação de água da chuva para consumo humano e para a de alimentos.

A utilização e replicação das tecnologias sociais pelas famílias agricultoras, reafirmam que o uso sustentado da terra associado à otimização do uso da água, a diversidade produtiva dos sistemas agrícolas, bem como a gestão do conhecimento pelos/as próprios/as agricultores/as são estratégias para o fortalecimento agricultura familiar, visto que possibilitam a redução dos riscos econômicos e sociais que ocorrem em razão da instabilidade climática, aumentam a sustentabilidade produtiva das unidades familiares e garantem maior segurança alimentar e nutricional das famílias.

Os resultados obtidos a partir da implantação dessas tecnologias na agricultura familiar, têm contribuído para desconstruir a cultura da dependência, do semi-árido como significado de pobreza e escassez, cultuada e disseminada há dezenas de anos, e a construir, a partir de um novo olhar e de um novo fazer, uma cultura da participação, do protagonismo social, mobilizando e envolvendo famílias rurais de baixa renda, mais afetadas pela situação de pobreza, pela falta de condições de vida em processos de organização social. Resgatando a auto-estima de famílias que mesmo convivendo com a escassez de água vão se constituindo como protagonistas na busca de outras formas de garantir uma existência digna e saudável no semi-árido.

No Território de Itapipoca, no estado do Ceará, tem tido expressão o processo de implantação dos quintais agroecológicos, como uma tecnologia social desenvolvida por agricultores/as que são apoiados/as por instituições promotoras da agroecologia no território. A implantação dos quintais teve início durante o curso de formação de agentes multiplicadores/as em agroecologia realizado pelo Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador – CETRA, onde o quintal das unidades familiares passou a ser utilizado como espaço de experimentação, de exercício do olhar sistêmico, da diversificação da produção, da identificação de vegetação e sementes nativas, da criação de pequenos animais, do manejo sustentável dos recursos hídricos e do despertar para transição agroecológica.

A partir de então, o quintal foi sendo redescoberto e reconhecido por estas famílias como um agroecossistema complexo de interações de seus componentes e como um espaço de produção agroecológica no entorno da casa. E assim essa tecnologia que se consistiu primeiramente como um exercício de experimentação, tomou consistência no território e o manejo agroecológico do quintal passou a ter um significado cultural, social e econômico para as famílias.

Primeiro por tratar do resgate simbólico do Quintal, do arredor de casa, do também chamado “terreiro de dentro”, enquanto espaço enraizado na memória das famílias sertanejas como lugar do acolhimento e da alegria… das conversas entre vizinhos, lugar de significados, lembranças, brincadeiras e festejos. Segundo por evidenciar o trabalho das mulheres que já cultivam nesse espaço suas ervas medicinais, seus canteiros de hortaliças, etc. E por último por reconhecer o quintal como um sistema produtivo gerador de renda familiar, pois as ervas, as hortaliças, as frutas ali produzidas e os animais ali criados, além do consumo familiar têm significativo valor comercial.

O Quintal agroecológico, enquanto tecnologia social é a conjugação do manejo produtivo do quintal ou do arredor de casa, integrado ao uso sustentado dos recursos hídricos existentes ou captado através de tecnologias como cisternas calçadão, poços e barragens subterrâneas; com os saberes e a tradição cultural das famílias sertanejas.

A expressão desta tecnologia no território de Itapipoca evidencia-se com a realização de intercâmbios entre agricultores/as, e entre técnicos/as e com a participação na feira agroecológica e solidária de Itapipoca, realizada quinzenalmente pelos/as próprios/as agricultores/as na sede do município, que é mais um canal de irradiação e divulgação desta tecnologia social.

Dar visibilidade a essas experiências e vivências de agricultores/as familiares é uma forma de enriquecer o debate em tono da construção de políticas públicas para agricultura familiar que considerem o contexto do semi-árido e dialoguem com os aprendizados acumulados e apropriados pelas famílias agricultoras, para que estas políticas se tornem verdadeiramente eficientes e eficazes no provocar de impactos e mudanças reais no cenário rural brasileiro.

Por isso é salutar dar relevância as diferentes instituições, rede e movimentos que dão visibilidade as iniciativas de agricultores/as familiares na promoção da agroecologia para convivência com o semi-árido. E nesse sentido é importante destacar o papel desempenhado pela Rede de Tecnologias Sociais – RTS de difusão dessas expressões, na medida em que apóia iniciativas como o P1MC e o P1+2, programas desenvolvidos pela ASA Brasil e que têm gerado sustentabilidade e qualidade de vida para famílias agricultoras no semi-árido brasileiro.

Felipe Pinheiro é membro do Comitê Coordenador da RTS e Coordenador Executivo da ASA-Brasil e do CETRA.

in Fórum Carajás, 19/06/2008