crise alimentar: Uma crise que gera outras crises. Entrevista especial com Jose Carlos Tubino
“Quando vai terminar, ninguém sabe.” Essa é a resposta para o fim da crise dos alimentos que já atinge fortemente 37 países, sendo que 21 deles estão na África. Por isso, é hora de repensarmos o que e o quanto estamos consumindo e a forma como produzimos esses alimentos. Para o representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) no Brasil, Jose Carlos Tubino, muitos fatores contribuíram para que a crise no setor dos alimentos tenha sido agravada, sem previsão de término. Os principais são as conseqüências das mudanças climáticas, o aumento da demanda por alimentos causada pelo crescimento populacional, assim como a crise do dólar e a queda nos estoques de grãos. “Talvez venha se reduzir a intensidade da alta de preços, mas não iremos retroceder para níveis anteriores”, disse Tubino em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.
Jose Carlos Tubino é economista e representante da FAO no Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A quem ou a que o senhor atribui a crise dos alimentos no mundo?
Jose Carlos Tubino – Eu diria que a situação é complexa, pois possui várias causas. Por um lado, há efeitos climáticos, que têm aceitado grandes áreas produtoras de alimentos. Nesse momento, o estado de Iowa, nos Estados Unidos, está enfrentando enchentes e nele existe a principal área produtora de milho no país. Este ano, tivemos também o furacão do Meinmar, que afetou grandes áreas produtoras de arroz. No ano passado, tivemos problemas de secas na Austrália, enchentes na China e outros efeitos climáticos que estão afetando a produção. Além disso, temos o problema de utilizar parte dos alimentos para produção de biocombustíveis, particularmente nos Estados Unidos e Europa, que utilizam produtos alimentares como milho. Por outro lado, temos um crescimento da demanda, devido ao crescimento populacional e ao crescimento econômico também, particularmente por parte dos países emergentes.
Existe, ao mesmo tempo, a queda do dólar, que ocasiona uma pressão para indexar os preços e cobrir a desvalorização, além da grande alta do petróleo e dos insumos agrícolas, que tem puxado para cima o custo de produção e o custo dos transportes. Ainda com isso tudo, os estoques de grãos mundiais estão num nível muito baixo, eu diria que o pior da última década. Tudo isso está combinado e somado à especulação financeira, que existe hoje em dia com commodities e com combustíveis fósseis, que está ocasionando a alta do preço dos alimentos e do petróleo. Outro problema é o fato de que o Estado tem poucos mecanismos de regulamentação do mercado. Tudo isso deixa aberta essa janela da inflação e o contínuo crescimento dos preços dos alimentos. De acordo com os estudos da FAO, não iremos voltar ao patamar anterior. Talvez venha a se reduzir a intensidade da alta de preços, mas não iremos retroceder para níveis anteriores.
IHU On-Line – O senhor apontou agora, em relação à crise dos alimentos, dois elementos importantes: a crise energética e da mudança climática. O senhor pode aprofundar mais essa relação entre essas três crises?
Jose Carlos Tubino – Em relação às mudanças climáticas, se observa uma aceleração e um incremento das catástrofes naturais, sobretudo graves. Nos últimos anos, se vê um incremento de áreas sobre o efeito de secas, enchentes, furacões etc. Ou seja, os custos das mudanças climáticas estão já se manifestando. Tal panorama vem acarretando pressões fortes no sistema de produção de alimentos a nível mundial. Com respeito aos biocombustíveis, o posicionamento da FAO é fazer uma diferenciação entre aquele originário de alimentos de consumo direto, como milho, trigo, soja, e o produzido a partir da cana-de-açúcar. Mas existe uma preocupação sobre o impacto indireto da cana quando substitui produtos alimentares. Os produtores estariam, então, deixando de plantar alimentos para plantar cana. De acordo com dados da Conab, a porcentagem de substituição de outros produtos por cana é relativamente baixa ainda, mas, com o tempo, essa quantidade somada poderia representar uma extensão de terra considerável. Portanto, nós consideramos fundamental que o Brasil tenha um programa concreto que faça factível a conversão de pastagem degradada em produção de cana ou de alimentos e que se intensifique a pecuária que, atualmente, utiliza muita terra para pouco gado. Hoje em dia, a carga de animal por hectare está em aproximadamente 0,7 animais por hectare.
Se o Brasil fizer um esforço de aprimoramento das pastagens, poderia chegar a produzir até dois animais por hectare. Então, basicamente é possível reduzir a metade a área de pastagem e manter o número de animais iguais. Essa área a ser reduzida poderia passar a produzir alimentos e/ou cana, porque esta requer muita água. Eu diria que precisamos rever o sistema agropecuário como um sistema e não como um produto por produto. Uma coisa tem influência em outra e por isso o sistema de produção está todo interligado. Então, se não concentrarmos esforços em dar prioridade à utilização de pastagens degradadas para a expansão da fronteira agrícola, teremos a pressão nas áreas de floresta. Agora, os custos para expandir em áreas degradadas devem ser estimados. O governo precisa dar estímulos para que o agricultor tenha preferência para usar terras degradadas em lugar de desmatamento. Atualmente, é mais barato utilizar áreas de floresta do que recuperar áreas degradadas por causa do custo dos fertilizantes e do custo do transporte dos fertilizantes. Por outro lado, se não se intensificar a pecuária, existirá o efeito dominó, que vai empurrando a pecuária para fronteira agrícola com florestas.
IHU On-Line – O laneta começa a apresentar sinais de caos em relação a essa crise?
Jose Carlos Tubino – Existe grande preocupação porque até agora o mercado continua atuando e existem distorções no mercado que funciona perfeitamente. Por um lado, há poucas empresas que comercializam internacionalmente os cereais. Existem poucas empresas que comercializam internacionalmente o petróleo. Há os investidores que, de alguma forma, também influenciam com os preços na compra dos futuros, tanto do petróleo quanto dos alimentos. Isso acontece pela falta de oportunidade para especular em propriedades ou com a própria bolsa que está atuando irracionalmente e imprevisivelmente.
IHU On-Line – Quem são os atingidos por essa crise, diretamente, hoje e quem serão os próximos?
Jose Carlos Tubino – Existem 37 países, de acordo com estudos da FAO, que estão demandando assistências pela crise dos alimentos. Desses, 21 países estão na África, dez estão na Ásia e cinco na América Latina. O Brasil não está entre eles, pois ele está numa situação privilegiada em relação a outros países. Na América Latina, os países que estão em dificuldade são Bolívia, República Dominicana, Equador, Haiti e Nicarágua. Devido à baixa colheita por efeitos climáticos e alta do preço dos alimentos.
IHU On-Line – A crise terá fim? Quais são suas perspectivas sobre as conseqüências dela na sociedade mundial?
Jose Carlos Tubino – Quando irá terminar, ninguém sabe. São forças que estão atuando e, como manifestei anteriormente, existem poucas ações políticas dos governos para poder controlar a situação. Então, são forças do mercado, especulativas, que estão em atuação. Por outro lado, as condições climáticas também estão atuando. Quem pode controlar isso é difícil dizer. Uma das medidas propostas pela FAO é a assistência alimentar, o incremento da ajuda alimentar através do Programa Mundial de Alimentos para resolver as crises daquelas populações em situação de emergência. O próprio governo deve fazer a mesma coisa, não só as Nações Unidas.
Os governos precisam de programas de assistência social para tentar melhorar os efeitos negativos da crise dos alimentos nas populações vulneráveis. É preciso, também, assegurar um incremento na produção de alimentos no mundo e incentivar a produção a nível mundial, com ênfase, em particular, ao pequeno produtor, pois muitas vezes este fica em áreas devastadas pelas secas ou pelas enchentes e não tem sementes e dinheiro para comprar insumos, parando, em razão disso, de produzir. O importante, para a segurança alimentar das comunidades pequenas e, sobretudo, isoladas, é desenvolver programas de apoio ao pequeno produtor. A FAO tem lançado um programa que se chama Apoio para Pequenos Produtores dentro do marco da alta do preço dos alimentos. Durante a conferência da FAO em Roma, que aconteceu há poucos dias, lançamos o programa e esperamos poder coletar doações de dinheiro que cheguem a 1,7 bilhões de dólares para poder resolver esse problema.
IHU On-Line – Qual é a sua avaliação sobre a Cúpula da Fome?
Jose Carlos Tubino – Com uma conferência, você não irá resolver o problema da fome, mas certamente ela mobilizou mais de quatro mil delegados de mais de 180 países, incluindo 43 chefes de Estado, como o presidente Lula, e mais de cem ministros. A conferência chamou, em suma, a atenção da comunidade internacional. Compromissos muito sérios foram feitos com respeito a países em situação de emergência, se assinando um acordo entre várias agências e uma instituição liderada pelo senhor Kofi Annan para lançar a revolução verde sustentável na África, a fim de ser incorporada aos pequenos produtores de alimentos em uma programa de dinamização da agricultura africana. Vários países fizeram compromissos financeiros.
IHU On-Line – É necessária uma revolução na alimentação dos países pobres onde se sofre a fome? Que tipo de revolução é essa?
Jose Carlos Tubino – A meu ver, não somente nos países pobres, mas no mundo inteiro. Se compararmos o número de pessoas desnutridas e o de pessoas obesas, chegaremos à conclusão de que existe um problema alimentar sério, tanto no mundo desenvolvido quanto no mundo em desenvolvimento. A obesidade é um problema também dos países em desenvolvimento. Existe pouca consciência alimentar. Existem mercados imperfeitos que lidam com o sistema de alimentos. Você precisa flexibilizar, eu diria, a forma como as populações urbanas têm acesso aos alimentos. Existe uma tendência para uma maior concentração da distribuição de alimentos em poucas companhias multinacionais.
(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 20/06/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Muito boa a entrevista e as considerações do Dr. José Carlos Tubino.
Como professor, pesquisador e consultor na área de Sistemas Agrossilvipastoris vejo a importância da recuperação das áreas degradadas com o estabelecimento de sistemas agrossilvipastoris e silvipastoris.
As vantagens são inúmeras e sem dúvida uma tecnologia emergente de recuperação e sustentabilidade para diversos ecosistemas.
Rasmo Garcia, Ph.D., Pesquisador do CNPq
Professor Titular, Universidade Federal de Viçosa, MG.