Mar esquentou 50% mais que o previsto
Cálculos feitos por brasileira radicada na Austrália indicam que elevação do nível dos oceanos tende ao pior cenário. Estudo resolve mistério que intrigava os oceanógrafos ao estimar contribuição da expansão térmica à subida observada desde 1961. A reportagem é de Cláudio Ângelo para o Jornal Folha de S.Paulo, 19-06-2008.
Os oceanos do planeta estão esquentando 50% mais do que se imaginava até agora, e isso pode fazer com que as previsões sobre o aumento do nível do mar no fim deste século fiquem mais próximas do pior cenário. A estimativa é de um estudo australiano, liderado por uma oceanógrafa paulista.
A pesquisa, publicada na edição de hoje da revista científica Nature, afirma que os cientistas estavam subestimando a chamada expansão térmica, o aumento do volume do mar em razão do aquecimento da água.
Ela faz, pela primeira vez, um cálculo preciso do quanto da elevação observada no nível global dos oceanos de 1961 a 2003 pode ser atribuído a essa expansão e o quanto é culpa do derretimento das geleiras causado pelo aquecimento global.
Esse balanço mundial do nível do mar vinha tirando o sono dos oceanógrafos. No famoso relatório publicado no ano passado pelo IPCC, o painel do clima das Nações Unidas, a soma da contribuição do degelo e do aumento de volume eram menores do que a elevação média de fato observada no período. Isso levou muita gente a desconfiar que os modelos climáticos estivessem errados. Afinal, o que faz a qualidade de um modelo é a precisão com a qual ele consegue reproduzir o clima medido no passado.
Entra em cena Cátia Domingues, da Csiro, organização nacional de pesquisas da Austrália. A cientista e seus colegas John Church e Susan Wijffels descobriram que os modelos estavam certos: erradas estavam as observações.
Os dados de observação usados pelo IPCC se baseavam em estudos do americano Sydney Levitus e do japonês Masayoshi Ishii, que fiaram-se em medições feitas com um aparelho chamado XBT (batitermógrafo descartável, na sigla em inglês). “O XBT parece um torpedinho que a gente lança ao mar para medir temperatura.
O problema é que ele não mede profundidade”, diz Carlos Eiras Garcia, da Furg (Fundação Universidade de Rio Grande), ex-orientador de mestrado de Domingues. A relação entre temperatura e profundidade, fundamental para saber o quanto cada camada do oceano aquece, era dada por uma equação matemática. “Essa equação estava errada.” diz Garcia. Os XBTs “esconderam” a real taxa de expansão térmica do mar.
E não era só isso: o método usado por Levitus e Ishii para inferir a temperatura da camada mais superficial do oceano (até 700 metros de profundidade) em regiões onde não havia medições feitas, como o hemisfério Sul, também tinha falhas.
O grupo australiano descobriu a origem desses dois erros e refez todas as contas. “Nós já esperávamos alcançar resultados mais precisos, porque fomos os primeiros a corrigir os vieses nas observações de temperatura do oceano”, disse à Folha Domingues, 36. “Agora, exatamente qual seria a diferença nós não sabíamos. Quando terminamos os cálculos e comparamos com os resultados de Levitus e Ishii, quase caímos para trás!” A nova estimativa coloca finalmente os modelos em concordância com as observações, embora a elevação anual do nível do mar estimada por Domingues e colegas (1,6 mm) seja um pouco menor que o estimado pelo IPCC (1,8 mm).
O problema é que, como o mar está esquentando mais rápido do que se pensava, a elevação final em 2100 tende também a ser maior. Os cenários do IPCC indicam uma subida de 18 cm a 59 cm no fim do século. “Este e outros resultados indicam que ela tende ao limite superior”, diz a brasileira.
(www.ecodebate.com.br) publicado pelo IHU On-line, 19/06/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]