Kiribati: um país vai desaparecer no mar, artigo de Augusto Nunes
[Gazeta Mercantil] O minúsculo arquipélago esquecido no coração do Pacífico Sul sempre dependeu do que seus habitantes jamais conseguiriam controlar. Há 4000 anos, desde que ali se alojou a primeira tribo vinda da Ásia, o agrupamento de 33 ilhas de corais dramaticamente rasas depende do mar para sobreviver. Incorporada ao Império Britânico em 1916, a colônia no Pacífico começaria a depender também dos senhores europeus. Os humores do mar continuaram a deliberar sobre o presente. Os humores do império passaram a controlar o futuro. E assim seria até 1979, quando veio a independência.
Trinta anos depois de obtida a autonomia política, a República de Kiribati depende mais do que nunca dos humores do mar e, também mais do que nunca, de favores estrangeiros. No começo do mês, o presidente Anote Tong, em visita à Nova Zelândia, aproveitou o Dia Internacional do Meio Ambiente para comunicar ao mundo que Kiribati foi condenado a morrer por afogamento antes que o século termine.
Desde o dia da independência, Tong não parou de formular pedidos de ajuda ao resto do mundo. Alguns foram atendidos: sem o socorro financeiro oferecido pelos Estados Unidos e pela Nova Zelândia, por exemplo, a república teria sucumbido à fome e à sede. Outros pedidos foram ignorados. Nos últimos 20 anos, Tong emitiu, sempre em vão, incontáveis sinais de alerta dando conta dos perturbadores augúrios da natureza.
As inundações de verão se tornaram cada vez mais inclementes – agora cobrem por semanas ilhas inteiras. O nível do mar e a temperatura sobem a cada ano. Os períodos de estiagem ficaram mais longos e, hoje, o sumiço das chuvas se vai tornando insuportavelmente extenso para aquelas terras baixas castigadas pela escassez de água doce. O drama de Kiribati, repetiu Tong infrutiferamente, era o prólogo de uma tragédia universal.
As advertências nunca mereceram mais que meia dúzia de linhas em jornais à caça de assuntos. E jamais conseguiram aninhar-se na agenda de preocupações de governantes poderosos. Havia questões mais urgentes que as duvidosas lamentações reiteradas pelo presidente de uma irrelevância geopolítica. Com pouco mais de 100 mil habitantes, que vivem da pesca, do coco e de uma raquítica agricultura de subsistência, Kiribati não tem moeda própria (usa o dólar australiano), substituiu a língua regional pelo inglês, não tem produtos a exportar nem dinheiro para importações.
A maioria dos 12 funcionários do Ministério das Relações Exteriores serve na embaixada nas Ilhas Fiji. É a única de um país sem representação sequer na ONU. Em Bairiki, a capital, a comunidade diplomática estrangeira cabe em três endereços: a embaixada de Taiwan e os altos comissariados da Austrália e da Nova Zelândia. Por falta de turistas a hospedar e alimentar, faltam hotéis de luxo e restaurantes estrelados.
É possível que mais viajantes comecem agora a aparecer por lá: não deixa de ser interessante visitar um país que vai acabar. Se o mais recente apelo de Anote Tong for atendido, os forasteiros que chegam cruzarão no mar com os nativos que partem. “Não queríamos acreditar nisso, mas a hora chegou”, disse o presidente. “A evacuação tem de começar agora mas não conseguiremos fazer isso sem que o mundo nos ajude”. Milhares de habitantes já deixaram o país. Outros tantos sonham com lugares altos.
“No momento, os únicos disponíveis são os coqueiros”, lastimou Tong. O drama no Pacífico ensina que nada é eterno, e que a hora da salvação não pode esperar. Choremos por Kiribati. E ouçamos os lamentos da Amazônia.
Artigo originalmente publicado pela Gazeta Mercantil, 17/06/2008.