Cana-de-açúcar avança na Amazônia com recursos públicos
Ao contrário do que a presidência declara à comunidade internacional, cana-de-açúcar já é cultivada no Acre e com recursos dos governos estadual e federal. Por Bruno Calixto, do Portal Amazonia.org.br.
A cana-de-açúcar, matéria-prima utilizada na produção de etanol no Brasil, já está sendo plantada na Amazônia, diferentemente do que afirmou o presidente Lula no início de junho, na abertura da Conferência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Segundo o presidente, o Brasil não plantaria cana na região, mas segundo pesquisadores e promotores do Acre, os canaviais já chegaram à Amazônia.
De acordo com o doutor em Desenvolvimento Sustentável e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Écio Rodrigues, a cana não só está sendo plantada na Amazônia como inclusive tem sido fomentada com recursos públicos. “O caso do Acre é emblemático. Uma usina construída com recursos do Banco do Brasil com investimentos superiores a R$ 200 milhões e abandonada após fracasso total do projeto nos idos de 1990 foi retomada agora em 2003, com recursos do governo estadual e federal, ambos do mesmo partido e, o mais interessante, com o acordo até do Ministério do Meio Ambiente”, explica.
Rodrigues explica que a cana alterou a paisagem ao longo da Rodovia do Pacífico, que até então era dominada por pastagens, e que põe a floresta em risco devido a três fatores: o ganho financeiro a curto prazo, o bom momento nacional e internacional dos biocombustíveis e a fragilidade normativa e institucional na Amazônia. “A cana destrói a floresta pelo seu elevado potencial de mercado e, por outro lado, pela fragilidade institucional presente na região”.
Além dessa fragilidade, existe também o interesse em se aprovar leis que facilitem a entrada da cana na região. “No Acre, aumentou-se na área da cana o desmatamento legalizado de 20% para 50% da área das propriedades, duplicando o território da cana”, diz Rodrigues.
Álcool Verde
Devido à ausência de itens relevantes sobre impactos ambientais que a produção de álcool na Amazônia pode causar, o Ministério Público Estadual do Acre rejeitou os estudos da usina Álcool Verde. Segundo a promotora de justiça do Acre Meri Cristina Amaral Gonçalves, o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) apresentados eram frágeis. “Não era um estudo, parecia mais uma compilação, com uma série de falhas e aspectos não abordados, como o balanço hídrico”, explica.
De acordo com a promotora, só foram apresentados estudos sobre o impacto da usina, e não de impactos das plantações ou do uso da água. Meri Cristina explica que a usina não funciona por si só. “Tem que plantar, e isso é impactante. Não há menção sobre onde essa cana será plantada”, diz.
Para alimentar a usina, serão plantados 39 mil hectares de cana-de-açúcar no município de Capixaba (distante 77 quilômetros de Rio Branco) e arredores. Para empreendimentos de mais de mil hectares é necessário estudo de impacto ambiental, que até o momento não foi feito. Além disso, encontra-se nessa área um importante sítio arqueológico, conhecido como Geoglifos, mas também não existem estudos sobre os impactos do avanço da cana em áreas de importância arqueológica.
Meri Cristina reitera que o próprio governo do Acre é acionista do empreendimento, o que acaba fazendo com que o órgão ambiental (no caso, o Instituto do Meio Ambiente do Acre, Imac) acabe refletindo uma posição de interesse. A procuradora diz que o argumento predominante é que o Ministério Público estaria impedindo o desenvolvimento do Acre, quando na verdade o que a procuradoria quer é que empreendimentos não causem impacto ambiental. “Com certeza com um estudo de impacto mais robusto teríamos mais segurança com o empreendimento”, explica.
Modelo agrícola
O etanol e a cana-de-açúcar estão sendo defendidos por poluir menos do que o petróleo, sendo assim uma alternativa energética contra o fenômeno conhecido como aquecimento global. O pesquisador Écio Rodrigues concorda que o etanol é preferível ao petróleo. “O petróleo um dia vai acabar e a fumaça por ele gerada não é recuperada por ele mesmo. A cana, soja ou outro vegetal tira da atmosfera a fumaça que esse mesmo combustível joga, então a equação é zerada e por isso é melhor”, analisa. Rodrigues, no entanto, alerta para os perigos do monocultivo. “Note-se que se essa contribuição dos monocultivos ocorrer à custa dos desmatamentos, essa equação se complica e se inverte. O carbono da destruição da floresta não será recuperado pelo plantio da cana. É por isso que o mundo fica muito preocupado com a transformação do Brasil em potencia dos biocombustíveis”, explica.
Rodrigues acredita não ser possível conciliar o atual modelo agrícola do país com a conservação da Amazônia e atenta para a vocação florestal da região. “A exploração sustentável da floresta parece ser a alternativa possível. Tecnologias de Manejo Florestal de Uso Múltiplo foram desenvolvidas na década de 1990 e permitem uma exploração com elevado grau de diversificação e agregação de valor”. Para o pesquisador, o pagamento por serviços florestais é uma maneira de conservar a Amazônia e evitar que a floresta entre em competição com a cana-de-açúcar. “Se o mundo se dispuser a pagar pelos bens materiais e pelos serviços, como de produção e limpeza do ar e da água que a floresta na Amazônia oferece, o problema da competitividade com cana, boi e soja estará resolvido, e o futuro do ecossistema florestal garantido”, conclui.
Originalmente publicado pelo Portal Amazônia.org.br, 16/06/2008.
Enviado por Mayron Régis, colaborador e articulista do EcoDebate.