40% de carne e soja vêm da Amazônia Legal
Dados oficiais mostram que agronegócio avança sobre floresta; 73% das 74 milhões de cabeças de gado da região estão na mata. Governo e empresários rejeitam recuar a produção; ambientalistas classificam o agronegócio como principal causa de devastação local.
Com pouco mais de 5 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 83% são dominados por floresta, a Amazônia Legal já responde por quase 40% da produção de carne e soja do país. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Por Marta Salomon, da Sucursal de Brasília, da Folha de S.Paulo, 15/06/2008.
Comparados aos números gigantes da produção, são “simbólicos” os primeiros resultados da ação do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) contra o agronegócio associado ao desmatamento da Amazônia -região que concentra 36% da pecuária e 39% da cultura de soja nacionais.
Na investida contra o “boi pirata”, o instituto acaba de apreender 3.500 cabeças de gado em propriedades embargadas por desmatamento ilegal. Os fiscais já haviam apreendido 4.300 toneladas de grãos em áreas igualmente embargadas.
Floresta
Embora a fatia de cerrado da Amazônia Legal (16% da área) se mostre altamente produtiva ao agronegócio, os dados oficiais mostram que a atividade ocupa amplas áreas do que já foi floresta um dia.
O avanço sobre a floresta se mostra mais contundente no caso da pecuária: 73% das 74 milhões de cabeças de gado da região são criadas no bioma Amazônia, jargão que designa a floresta. Esse avanço é mais expressivo em Mato Grosso, Rondônia e Pará, que lideram o ranking do desmatamento.
O agronegócio é apontado por ambientalistas como principal causa da devastação da Amazônia, algo contestado por ruralistas e setores do governo. Acompanhando o aumento dos preços de commodities como soja e carne, as motosserras se aceleraram desde 2007, depois de três anos de queda no ritmo do abate de árvores.
Neste ano, o desmatamento deve superar 12 mil quilômetros quadrados, o equivalente a oito vezes a cidade de São Paulo. O ritmo acelerado das motosserras, captado por imagens de satélites do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ainda não aparece nos dados colhidos pelo IBGE.
Sem recuo
O recuo do agronegócio na Amazônia Legal é uma hipótese descartada pelo governo e por representantes dos produtores ouvidos pela Folha. “A tendência é um aumento da produção em áreas de floresta já abertas”, resume Rodrigo Justos de Britto, assessor técnico da CNA (Confederação Nacional de Agricultura), em coro com o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.
“Não é preciso derrubar uma árvore para aumentar a produção”, argumenta Carlos Rodenburg, em uma espécie de mantra repetido em público pelos produtores. Rodenburg preside a Agropecuária Santa Bárbara e está à frente do maior rebanho bovino da Amazônia, em sociedade com o banqueiro Daniel Dantas.
Pouco mais de dois anos depois de se instalar na região, a Santa Bárbara já cria meio milhão de cabeças de gado no sul do Pará e no norte de Mato Grosso, na região que concentra ações de combate ao desmatamento.
As pastagens já ocupam 700 mil quilômetros quadrados, ou 13,5% da Amazônia Legal. Nessa área, foram produzidas 2,7 milhões de toneladas de carne em 2006, o equivalente a 36% da produção nacional.
Dados organizados pela ONG Amigos da Terra em estudo ainda inédito sobre a atividade econômica na Amazônia mostram um peso ainda maior da produção local de soja (39%) e algodão (47%). A Amazônia Legal produziu, em 2005, 20,1 milhões de toneladas de soja, ou quase 10% da produção mundial. Segundo a CNA, mais de 98% dos 66 mil quilômetros quadrados de plantações de soja dessa safra da Amazônia Legal foi plantada e colhida em áreas de cerrado.
A participação na produção nacional de soja, carne e algodão da Amazônia já supera o percentual da produção local de madeira.
Álcool
Ainda de acordo com dados compilados pela ONG Amigos da Terra, com base em informações da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a Amazônia Legal produziu, em 2006, aproximadamente 1 milhão de litros de álcool, ou 6% dos 16 milhões de litros produzidos no país. Os números, mais uma vez, contrariam o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que a produção de álcool se mantém distante da floresta.
Quando o governo divulgar regras do zoneamento ecológico-econômico, com indicações de onde ficará liberado o cultivo de cana-de-açúcar, encontrará uma atividade em expansão, segundo relatório da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), vinculada ao Ministério da Agricultura. É previsto para o mês que vem o anúncio do zoneamento.
Frases
A tendência é um aumento da produção em áreas de floresta já abertas
RODRIGO JUSTOS DE BRITTO
assessor técnico da CNA (Confederação Nacional de Agricultura)
Não é preciso derrubar uma árvore para aumentar a produção
CARLOS RODENBURG
presidente da Agropecuária Santa Bárbara e proprietário do maior rebanho bovino da Amazônia, em sociedade com o banqueiro Daniel Dantas
Stephanes diz que dado sobre região é “ficção”
O ministro Reinhold Stephanes (Agricultura) critica a compilação de dados da produção agropecuária da Amazônia Legal porque resultam de uma “ficção geográfica”: “Qualquer estatística produzida sobre a Amazônia Legal confunde a cabeça da população brasileira porque o povo acha que Amazônia Legal é floresta”, disse.
A Amazônia Legal é a área de abrangência do PAS (Programa Amazônia Sustentável) e reúne oito Estados (AC, AP, AM, MT, PA, RO, RR e TO), além de parte do Maranhão. O bioma Amazônia, sinônimo de floresta, domina 83% desse território, de acordo com os limites dos biomas traçados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A Folha falou com Stephanes na quarta. O ministro pediu tempo para mandar calcular o volume de carne e soja produzidos dentro do bioma Amazônia. Dois dias depois, a assessoria do Ministério da Agricultura informou que a parcela do rebanho da Amazônia Legal criada em área de cerrado se resume a 27%. Mesmo no Mato Grosso, Estado que reúne o maior rebanho, a maioria das cabeças de gado (56%) está no bioma Amazônia e não no cerrado.
O Ministério da Agricultura não apresentou dados para a soja, mas a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) avalia que menos de 2% da produção do grão na Amazônia Legal tenham avançado o limite do bioma Amazônia.
De acordo com cálculo da CNA, o corte de crédito aos produtores rurais que não comprovem regularidade ambiental -medida que entra em vigor no mês que vem- atingirá um “universo bastante limitado” da produção de soja.
A produção de carne na Amazônia tampouco sofreria efeito direto da restrição de crédito determinada por resolução do Banco Central, avalia a CNA. Apesar disso, a confederação orientou seus associados a contestarem na Justiça a medida, uma das mais importantes do pacote de combate ao desmatamento.
A entidade apóia a ampliação de 20% para 50% do limite de desmatamento na Amazônia, proposta em projeto de lei que tramita na Câmara. O presidente Lula se comprometeu com o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) a vetar a mudança, caso ela venha a ser aprovada.