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Rejeito de mandioca pode ser solução para produção sustentável de álcool na Amazônia

Grupo de Biotecnologia da UFPA estuda produção de etanol e moléculas com atividades biológicas a partir do rejeito da mandioca para aproveitar potencial do Pará

FOTO:Walter Pinto

O Laboratório de Desenvolvimento e Planejamento de Fármacos, onde se desenvolve a pesquisa, é um centro de ponta

Um convênio na área de biotecnologia entre a Petrobrás, a Secretaria de Agricultura do Estado do Pará e o grupo de Biotransformações e Simulação Computacional de Biomoléculas, do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da UFPA, poderá resultar numa alternativa ao problema ambiental causado pela devastação de imensas áreas para cultivo da cana-de-açúcar utilizada na produção de álcool. Os pesquisadores da universidade estão propondo produzir biomoléculas, entre elas, o etanol, a partir do rejeito da indústria da mandioca. Um processo biotecnológico está sendo desenvolvido para sacarificar o amido do rejeito da mandioca e utilizá-lo como substrato para produção de novas moléculas. Em parceria com o grupo de Polimorfismo de DNA, do Instituto de Ciências Biológicas, os pesquisadores realizam estudos com objetivo de produzir enzimas, que serão integralmente direcionadas para a produção de álcool combustível. Por Walter Pinto, do Jornal Beira do Rio, Informativo da Universidade Federal do Pará n° 59.

O sucesso da experiência poderá eliminar também um problema ambiental causado pela indústria da farinha no Pará. Alguns rios da região estão em processo de contaminação porque servem de depósito para o rejeito da mandioca, resultante da fabricação da farinha. Potencialmente, o Pará desponta como um futuro grande produtor de biomoléculas e de álcool combustível porque concentra o maior cultivo de mandioca do Brasil.

A coleta do rejeito é um grande desafio para a pesquisa em função da fragmentação da indústria de farinha pelo Pará, Estado de grandes dimensões. O problema será resolvido quando o governo alcançar êxito na sua política de incentivo à formação de cooperativas, que busca agrupar os produtores em pólos de produção.

Biomoléculas serão produzidas em Moju

Uma dessas cooperativas se formou no município de Moju, no nordeste do Pará, onde será produzida a fécula e, conseqüentemente, rejeito de mandioca. Lá, os pesquisadores Alberdan Silva Santos, doutor em Bioquímica, e Cláudio Nahum Alves, pós-doutor em Química, líderes do grupo de Biotransformações e Simulação Computacional de Biomoléculas da UFPA, desenvolverão o projeto de produção de biomoléculas e álcool combustível a partir do rejeito da mandioca por meio de processo biotecnológico. O resultado final, no entanto, dependerá do investimento e do andamento dos trabalhos. Se for impraticável gerar álcool combustível, os pesquisadores poderão direcionar o processo para a produção de álcool refinado para cosméticos.

Na UFPA, Alberdan Santos e Cláudio Nahum realizam suas pesquisas no Laboratório de Desenvolvimento e Planejamento de Fármacos, um centro de ponta em biotecnologia e simulação computacional de biomoléculas, abrigado em prédio inaugurado em junho de 2007, no campus de Belém. Ambos orientam e supervisionam as atividades científicas de 30 alunos, dos quais, sete doutorandos, 13 mestrandos e 10 bolsistas de iniciação científica.

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Alberdan Santos e Cláudio Nahum e a equipe de pesquisadores do projeto formada por sete doutorandos, 13 mestrandos e 10 bolsistas de iniciação científica

O laboratório trabalha nas linhas de biotecnologia de microorganismos e de vegetal, realizando pesquisas como biotransformações, isolamento de enzimas, produção de biocatalizadores e fermentação, métodos de extração de óleos essenciais, produtos naturais, ensaios antimicrobianos, estudos de mecanismo molecular de reações orgânicas com vistas à produção de fármacos para doenças como Aids e leishmaniose, entre outras. Atuando em área estratégica à saúde e à agrociência, o laboratório realiza estudos multidisciplinares para produção de novos fármacos, que exigem a parceria com institutos e centros de pesquisas do Brasil e do exterior. No plano interno da UFPA, os principais parceiros são o Instituto de Ciências Biológicas e o Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia em Alimentos do Instituto de Tecnologia. No plano nacional, a Fundação Oswaldo Cruz, o INPA, a UFRJ, o Instituto de Química de São Carlos da USP. No exterior, a Universidade de Valencia, a Universidade de Juame I, a Universidade Autônoma de Barcelona e o Instituto de Agroquímica e Tecnologia de Alimentos de Valencia, todas na Espanha.

Biocarrapaticida é testado
Trabalhando na área de biotecnologia, produtos naturais e simulação de biomoléculas, o grupo avalia como excelentes os resultados até então alcançados. Um desses resultados é um biocarrapaticida, que se encontra em testes de campo para posterior patenteamento. Foi produzido a partir de substâncias naturais com eficaz ação biocida encontrado em alguns vegetais. Os testes in vitro comprovaram a sua eficácia. A tecnologia será repassada para os pequenos produtores da comunidade Jararaca, município de Bragança, nordeste do Pará. Os pesquisadores também encontraram substâncias que possuem atividades alelopáticas, ou seja, capazes de impedir o desenvolvimento de outros organismos, mas a efetividade delas ainda está em estudos na Embrapa Amazônia Oriental.

Também na área de biotecnologia, o grupo produziu um concentrado de lipases, enzimas utilizadas na hidrólise de óleos vegetais, que possibilita isolar substâncias como os ácidos graxos (ômegas 3 e 6), essenciais no combate aos nódulos de mama. O objetivo dos pesquisadores é desenvolver um complemento alimentar rico em ácidos graxos, a partir de oleaginosas produzidas no Pará. “O que estamos produzindo no momento”, esclarece Alberdan Santos, “é o agente biocatalítico para fazer a hidrólise desses óleos”. Na ponta final está o desenvolvimento de uma tecnologia nova e regional capaz de mimetizar o óleo de borragem importado de outros países.

Laboratório de controle de qualidade
Uma das quatro unidades que integram o Laboratório de Desenvolvimento e Planejamento de Fármacos, o Laboratório de Controle de Qualidade ainda está em fase de montagem, mas já se encontra em condições de realizar diversas análises exigidas pelos Ministérios da Saúde e da Agricultura para produtos alimentícios e cosméticos que disputam o comércio. Seu objetivo é dar suporte às empresas, por meio da prestação de serviços.

Alberdan Santos e Cláudio Nahum explicam, no entanto, que se trata de um laboratório de referência com atuação em diversos segmentos. “O mais importante é o da agroindústria, para o qual fazemos algumas análises, principalmente de proteínas, açucares, álcoois, sais minerais e ácidos graxos de origem vegetal e animal. Já na área médica, vamos implantar os métodos de dosagem de aminoácidos, alguns deles muito importantes para detecção de determinadas doenças”, diz Santos. Apesar de já existirem kits que fazem isso, o pesquisador observa que existem análises muito específicas, algumas delas exigindo equipamentos sofisticados, de maior precisão, como os que estão sendo montados no laboratório.

Além do aparato laboratorial, o Laboratório de Controle de Qualidade conta com conhecimentos de química e bioquímica de seus pesquisadores, os quais sabem o alcance dos equipamentos para solução de determinados diagnósticos. Amostras antes enviadas para laboratórios das regiões Sul e Sudeste poderão ser analisadas no laboratório da UFPA. O laboratório também está preparado para fazer a caracterização e o controle de qualidade de matérias-primas, das quais o Pará é um grande fornecedor.

Biotecnologia contra Aids

A biotecnologia também foi usada no desenvolvimento de um processo de produção de um metabólico secundário, produzido por fungo, para combater a formação de melanina e o escurecimento de pele, assim como pode ser usado na conservação de determinados alimentos. Trata-se de uma molécula pequena, simples, mas de grande potencial tecnológico. É bastante conhecida no mundo, sobretudo, nos Estados Unidos e no Japão. O pesquisador Cláudio Nahum está realizando estudos de modelagem molecular com vistas à modificação dessa estrutura. Trabalho desenvolvido em parceria com os pesquisadores José Luiz Martins do Nascimento e Edilene Silva, também do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, encontrou uma série de atividades biológicas, entre as quais, o combate a uma doença endêmica na Amazônia: a leishmânia cutânea. O resultado da pesquisa está sendo patenteado.

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No laboratório de Biotransformações da UFPA são produzidas as biomoléculas

Na área de novos fármacos, os pesquisadores do Laboratório conseguiram planejar, por meio de simulação computacional, uma molécula que poderá ter grande atividade anti-HIV, especificamente, contra a enzima integrase do HIV-1, uma das responsáveis pela replicação do vírus. A molécula se encontra em fase de purificação, antes de ser enviada a laboratórios do Rio de Janeiro e dos Estados Unidos para testes biológicos. “Com investimentos nesta área, podemos, no futuro, ter um novo fármaco anti-HIV produzido no Brasil”, afirma Nahum.