Mangabeira e as aventuras espaciais, artigo de Danilo Pretti di Giorgi
[Correio da Cidadania] Vamos bem no que diz respeito ao meio ambiente. Enquanto o novo ministro da pasta concentra-se em conseguir mandados de prisão para os bois amazônicos, Roberto Mangabeira Unger, designado por Lula como o responsável por pensar o “desenvolvimento com sustentabilidade” da Amazônia, planeja a colonização de outros planetas, depois de esgotados os recursos naturais da Terra.
Unger foi uma figura central, apesar de pouco observada, no episódio da saída de Marina Silva do governo e recebeu do presidente Lula a função de coordenar o PAS (Plano Amazônia Sustentável) em detrimento de Marina, que gestou o plano. Para muitos, essa foi a gota d’água no pote já até a boca de mágoas da ex-seringueira acreana com o presidente.
Dele, pouco se sabe, além de que, apesar de brasileiro, fala e escreve com mais desenvoltura em inglês e que tentou sem sucesso candidatar-se à presidência da República em 2006. Sabe-se também que escreveu em 2005 na Folha de São Paulo que o governo Lula era “o mais corrupto da nossa história” e que, apesar disso, é hoje ministro de Assuntos Estratégicos deste mesmo governo.
Curioso sobre o pensamento desta misteriosa figura no que diz respeito ao meio ambiente, fui atrás do que Unger, tido por alguns, como Caetano Veloso, como um dos grandes pensadores da atualidade, andou escrevendo sobre o tema antes de assumir a gerência da Amazônia brasileira. Descobri que escreveu pouco ou quase nada, pelo menos na imprensa.
Nos mais de oito anos em que o professor da Harvard manteve uma coluna semanal na Folha de São Paulo, além de ofender com freqüência seu atual chefe, o presidente Lula, nas poucas oportunidades em que citou a Amazônia o fez de passagem e para defender a construção de hidrelétricas nos seus grandes rios. Mau começo.
Curioso, resolvi ir mais além. Achei algo mais aprofundado em seu livro The Self Awakened: Pragmatism Unbound (algo como O auto-despertado: o pragmatismo libertado), publicado pela Harvard Press University no ano passado e ainda não traduzido para o português. As idéias expostas no apêndice Nature in its place (A natureza no seu lugar) deixaram-me apreensivo.
Unger basicamente dá aval para a degradação ecológica, apostando num futuro alucinado de ficção científica que traria soluções mágicas para os problemas ambientais. Escreve que “mesmo se a Terra definhar, acharemos um meio de escapar para outros pontos do Universo” e tem uma estranha visão do ser humano como cada vez mais descolado e independente da natureza.
Para o professor Mangabeira, existem na sociedade atual quatro formas de ver e entender a natureza. A primeira seria o que ele chama de “deleite do jardineiro” – o “jardim” seriam as áreas protegidas, os grandes parques. Essas áreas seriam necessárias para fugirmos de vez em quando das durezas do dia-a-dia e mergulharmos em uma “liberdade estética”.
Outra forma de troca entre homem e natureza é classificada como “a fragilidade do mortal”, ou a nossa incapacidade de fazer algo para evitar as conseqüências de grandes catástrofes ou evitar as enfermidades incuráveis.
A terceira seria a “ambivalência do titã”: defende que chegamos num ponto de progresso no qual somos capazes de questionar o efeito de nossas ações sobre tudo que nos cerca e que essa consciência teria criado o dilema entre a incapacidade de nos mantermos indiferentes a estes efeitos e, ao mesmo tempo, não conseguirmos abrir mão do nosso poder sobre a natureza em nome dessa consciência.
A quarta forma seria a “responsabilidade do administrador”. Diz Mangabeira que nós, seres humanos, nos vemos como “gerentes” de um fundo finito de recursos – os recursos naturais. Por isso, nos sentimos na obrigação de regular o ímpeto voraz pelo consumo em nome de uma necessidade de comedimento na utilização destes recursos, em virtude da sua natural tendência à escassez. Até aí tudo bem. Mas o que me assusta é que ele define esse sentimento como uma “ansiedade baseada em uma ilusão” e que “a necessidade, mãe da invenção, nunca na história moderna falhou no momento de oferecer uma resposta científica e tecnológica à escassez de recursos, deixando-nos mais ricos do que éramos antes”. “A água vai secar? O petróleo vai acabar? (…) Seria tolo não perceber que nunca um acontecimento como este provou ser páreo para nossa engenhosidade”, mostrando-se neste ponto exageradamente otimista quanto às possibilidades da ciência e tecnologia.
O perigo desta mensagem está no fato de que ela traz o que as pessoas estão querendo ouvir neste momento de pavor e insegurança crescentes causados pelos estudos sobre mudanças climáticas. E o mensageiro não é uma pessoa qualquer: é ministro de Estado, tem o aval de Harvard e o apoio de Caetano Veloso, este último representando uma parcela importante da assim chamada intelectualidade brasileira.
O recado pode ser traduzido da seguinte forma: podem continuar nesse rumo que a resposta virá em breve, não é necessário mudar a direção, está tudo certo assim como estamos conduzindo o mundo. Se estragarmos a Terra, poderemos partir em busca de outro local para degradar. Deixe de lado essa culpa besta por gastar água demais ou se preocupar se o bife que você está comendo vem de uma área de floresta degradada. Não se importe com o fato de que a humanidade consome mais recursos naturais do que o planeta pode suportar.
Relaxe e continue consumindo e produzindo sem freios. O futuro trará respostas que você hoje imagina impossíveis, mas elas certamente virão e resolverão todos os problemas que hoje parecem insolúveis. Don´t worry, sirva-se.
Unger desenvolve um raciocínio segundo o qual o ser humano estaria descolando-se cada vez mais da natureza como conseqüência natural da nossa evolução, como se não fôssemos parte integrante da natureza e como se não retirássemos dela tudo o que utilizamos, dos alimentos à matéria prima para mísseis. O ministro parece acreditar que, em certo momento, de alguma forma não dependeremos mais da natureza (pelo menos da natureza terrestre, e é aí que entra o perigoso delírio futurista).
Acima de tudo, Mangabeira ataca engenhosa e indiretamente o princípio de defesa da parcimônia na utilização dos recursos naturais e do planeta em si, como local onde vivemos e de onde tiramos nosso sustento. Para ele, este tipo de raciocínio mostra fraqueza; não podemos “submeter nossa capacidade de ir sempre além por causa de um sentimento de piedade”.
Parece que sua filosofia se harmoniza muito bem com a professada pelo grosso dos manda-chuvas do governo brasileiro. A política de desenvolvimento escolhida para o país gera mais e mais destruição e não condiz com o recorrente discurso hipócrita em defesa do meio ambiente. Essa política é a grande culpada pelo crescimento da devastação em todo o país.
A ação nociva de madeireiros, pecuaristas e sojicultores ficaria muito dificultada se o governo não desse apoio – muitas vezes implícito e sub-entendido, mas sempre presente – às suas ações.
Danilo Pretti Di Giorgi é jornalista. E-mail: digiorgi@gmail.com
Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado pelo Correio da Cidadania