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Notícia

Em Defesa do Cerrado e da Pesca Artesanal na Bacia do Rio São Francisco: Carta de Buritizeiro

Nós, geraiseiros, quilombolas, extrativistas, vazanteiros, pescadores e pequenos agricultores, estudantes e professores do Alto e Médio São Francisco reunidos no Encontro em Defesa do Cerrado e da Pesca Artesanal na Bacia do Rio São Francisco, em Buritizeiro-MG, de 30 a 31 de maio de 2008, vimos a público dar UM GRITO DE INDIGNAÇÃO E ESPERANÇA pela preservação dos Cerrados e seus rios, nossa base de vida.

Nosso modo de viver e nossa cultura sempre dependeram do uso sustentável dos bens da natureza e sem destruição do meio ambiente. Por séculos, nossas famílias viviam com muita fartura dispondo apenas do que os Cerrados e os rios da região ofereciam.

O modelo de “desenvolvimento” que ultimamente vem sendo imposto à região nos impede de seguir nesta tradição. Este modelo, fortemente dependente do capital econômico e das transnacionais do agronegócio, fincado em tecnologias degradantes que visam apenas a produtividade e a lucratividade, gera conseqüências devastadoras para nós, povos das terras e águas do Cerrado, como a degradação dos solos, a secagem e poluição das águas, a erosão da biodiversidade, a migração, a precarização do trabalho, o inchaço das cidades, a fome.

Frente a esse quadro desolador no presente e alarmante com relação ao futuro, DENUNCIAMOS:

* as monoculturas (eucalipto, soja, cana, algodão, gado), a irrigação e as carvoarias, que desmatam e degradam os solos e as águas, estão destruindo nossas bases de vida e encurralando as comunidades tradicionais (geraiseiras, quilombolas, indígenas);

* as propostas para proteção das comunidades tradicionais e seu modo de vida, através da criação de RESEX (Reservas Extrativistas) não têm sido levadas à frente pelo governo, embora o Ministério do Meio-Ambiente tenha assumido este compromisso com as comunidades; os estudos de demarcação já estão concluídos, mas nenhum outro passo foi dado; a desinformação gera desconfiança, medo e insegurança nas comunidades;

* a poluição da Votorantim Metais, em Três Marias – MG, vem causando mortandade de peixes, levando o Surubim à quase extinção; a sobrevivência dos pescadores artesanais está ameaçada;

* a poluição mineraria, industrial e urbana é tamanha que a morte do Rio das Velhas, e consequentemente do Rio São Francisco, já está evidente com a infestação por “algas azuis” (cianobactérias), que neste ano começou mais cedo, em nova catástrofe para as populações ribeirinhas, com a contaminação das águas e peixes, impróprios para o consumo;

* a operação irresponsável das barragens pela CEMIG (Três Marias e Pandeiros) tem provocado mortandade de peixes, além de impedir sua reprodução e a agricultura de vazante, comprometendo a reprodução das comunidades ribeirinhas, para benefício de grandes empresas, que pagam pela energia até 20 vezes menos que os consumidores domésticos; problema que vai se agravar com as novas barragens que estão sendo anunciadas, como a de Jequitaí-MG;

* as tentativas de lotear, privatizar e mercantilizar as águas públicas internas e litorâneas para grandes empreendimentos econômicos de aqüicultura (tilapicultura, carcinicultura – criação de camarão – e outras culturas de espécies exóticas), de alta capacidade de degradação ambiental e humana;

* o processo acelerado de deterioração da atividade pesqueira artesanal, em conseqüência da degradação ambiental e da falta de políticas específicas para defesa e proteção do setor; inquirimos: os pescadores são uma espécie fada à extinção?

* a inoperância dos órgãos governamentais federais e estaduais em adotar medidas emergenciais contra esta poluição dos nossos rios é gritante, mais ainda com relação a soluções permanentes e definitivas;

* o Programa de Revitalização do São Francisco do governo federal ainda não mostrou a que veio, além de ser usado como “moeda de troca” da transposição e dos interesses eleitorais excusos.

Como cidadãos, fundados sobre os Direitos e os Deveres que nos garante e cobra a Constituição Federal, EXIGIMOS:

* a implementação das RESEXs nos Cerrados de Minas Gerais, Bahia e Goiás;

* a moratória para o Cerrado, que suspenda novos grandes projetos econômicos degradantes;

* aprovação pelo Congresso Nacional da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 115 que torna Patrimônio Nacional o Cerrado e a Caatinga;

* um amplo programa de preservação do Cerrado, combinando conservação, agricultura e extrativismo;

* ações imediatas de solução definitiva da poluição causada pela Votorantim Metais e de toda a poluição presente no Rio das Velhas e no São Francisco;

* uma massiva e verdadeira reforma agrária adaptada aos ecossistemas da região e a regularização dos territórios indígenas e quilombolas;

* políticas sérias, competentes e urgentes de defesa, proteção e desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais, entre elas as dos pescadores artesanais do São Francisco, como parte prioritária do Programa de Revitalização.

Cansamos de ser vítimas históricas do “desenvolvimento do Brasil”! Nos recusamos a ser considerados “entraves ao crescimento” meramente econômico de setores poderosos aos quais o Brasil já não faz nenhum sentido. O São Francisco e seus afluentes e suas gentes carecem de que parem esse processo interminável de devastação! Não cabe transposição! Conviver com o Semi-árido e o Cerrado é a solução! QUEREMOS VIVER – NÓS E O RIO!

Buritizeiro, 31 de maio de 2008.

Colônia de Pescadores de Ibiaí, Colônia de Pescadores de Buritizeiro, Conlutas, Comissão Pastoral da Terra/MG e BA, Comunidade Gerais do Calixto, GESTA/UFMG, Grupo de Jovens e Pescadores- Barra do Guaicuí, Movimento Capão Xavier Vivo – BH, Movimento contra o lixão metropolitano – Sabará, Movimento do Graal no Brasil, MAB, MST – Norte de Minas, Rede Comercialização Solidária – Lassance/Ibiaí, Sindicato dos Trabalhadores de Riacho dos Machados, Sindicato dos Trabalhadores de Rio Pardo de Minas, MASTRO – Alto Rio Pardo, Reserva Extrativista Serra do Ramalho, Comunidade dos Brejos da Barra/BA, Assembléia Popular – BH, Estudantes da Unimontes, Cáritas Regional Brasileira, Cáritas Buritizeiro, Centro de Agricultura Alternativa – Norte de Minas.