Mercado de crédito de carbono é alvo de abusos na Índia
Uma investigação do Serviço Mundial da BBC realizada na Índia encontrou provas de graves falhas no sistema do mercado global de venda de créditos de carbono, que movimenta bilhões de dólares. Por Mark Gregory, da BBC na Índia.
Os créditos são gerados por um programa criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
O mecanismo dá a companhias em países em desenvolvimento incentivos financeiros para o corte das emissões de gases de efeito estufa.
Mas, segundo a investigação da BBC, créditos de carbono estão sendo pagos para projetos que teriam sido colocados em prática de qualquer forma, sem precisar de ajuda financeira.
O Serviço Mundial da BBC encontrou como exemplos três projetos na Índia.
Para receber créditos de carbono do MDL, os projetos devem demonstrar que reduzirão emisssões de carbono de forma “adicional” ao que teria acontecido sem os créditos.
Os compradores dos créditos gerados pelo MDL são companhias em países desenvolvidos, a maior parte delas na Europa, que os usam para compensar as suas próprias emissões.
O objetivo é dar a empresas ocidentais uma alternativa para atingir as suas metas de cortes de emissão e ao mesmo tempo estimular o setor privado de países em desenvolvimento, que pelo Protocolo de Kyoto não têm metas obrigatórias de redução, a cortar as suas emissões.
Por essa razão, o sistema só funciona se as empresas participantes realizarem cortes de emissão reais (em relação ao que produziriam se não aderissem ao mecanismo).
Gerador
Um caso de abuso encontrado pela BBC envolve a instalação de um gerador de biomassa que deve fornecer eletricidade para uma instalação de processamento de arroz em Uttar Pradesh, no norte da Índia.
A KRBL, maior companhia exportadora de arroz basmati da Índia, gastou US$ 5 milhões com o gerador, que substituiu um sistema à base de diesel.
O gerador é movido a cascas de arroz, fonte de energia renovável que geralmente era jogada fora no processo de moagem.
A companhia já está com o procedimento de registro do programa MDL quase completo e vai receber várias centenas de milhares de dólares por ano.
Mas, quando questionado sobre a importância dos créditos de carbono para a decisão de instalar o gerador de biomassa, um dos gerentes da companhia, Manoj Saxena, afirmou que o projeto seria feito mesmo sem os fundos do MDL.
Resíduo industrial
A companhia de produtos químicos SRF também está recebendo créditos de carbono do MDL por eliminar um resíduo industrial conhecido como HFC23, um gás de efeito estufa muito forte.
O HFC23 é um resíduo da fabricação de refrigeradores e aparelhos de ar condicionado. É cerca de 12 mil vezes mais tóxico que o dióxido de carbono se entrar na atmosfera.
A eliminação deste gás é relativamente fácil e barata, basta queimá-lo em um incinerador. E a SRF instalou um incinerador para queimar o HFC23 em suas instalações no Rajastão.
O projeto foi registrado e está recebendo 3,8 milhões de créditos de carbono por ano que, atualmente, valem entre US$ 50 milhões e US$ 60 milhões por ano.
A SRF deve receber os créditos por um período de cerca de dez anos, o que significaria créditos acumulados de US$ 500 milhões, uma soma gigantesca para uma pequena empresa indiana.
A companhia não divulgou o custo da instalação do incinerador, mas o valor é bem menor do que o valor dos créditos obtidos.
O número de créditos de carbono dados à SRF e outras companhias parecidas por eliminar o HFC23 está ligado ao seu potencial impacto ambiental. O custo real da eliminação do gás não é levado em conta.
O terceiro caso investigado pelo Serviço Mundial da BBC foi um grande projeto hídrico no Estado de Himalchal Pradesh, no norte da Índia.
Críticos e defensores do projeto apresentam diferentes argumentos para avaliar se o projeto realmente merecia ser qualificado para o recebimento de créditos de carbono.
Defesa
Mais de mil projetos já se qualificaram para o mercado de créditos de emissão de carbono e outros 3 mil já se inscreveram.
O comércio de créditos de carbono pelo MDL já alcançou um valor de cerca de US$ 10 bilhões ao ano.
O responsável pelo gerenciamento do MDL, Yvo De Boer, autoridade máxima da Convenção da ONU para Mudanças Climáticas, alega que existe “um procedimento que funciona”.
De Boer se refere ao complicado processo de registro que todos os projetos têm que passar para se qualificar para o recebimento dos créditos de carbono do MDL.
Mas mesmo De Boer reconhece que o sistema não é perfeito. “No final das contas, é sempre uma questão de julgamento”, afirmou.
Da BBC Brasil, 05 de junho, 2008 – 20h53 GMT (17h53 Brasília)