Brasileiro é predador do meio ambiente
Pesquisa Ibope revela: preocupação do brasileiro com recursos naturais, só se doer no bolso
Se toda a população mundial, cerca de seis bilhões de pessoas, adotasse o estilo de vida de 45% da população brasileira, seria preciso existir três planetas com as dimensões da Terra para repor os recursos naturais utilizados. Para substituir o que consomem os outros 55%, seriam necessários dois planetas. Por Luciana Abade, do Jornal do Brasil, 06/06/2008.
Os números foram divulgados, ontem, pela organização não-governamental ambiental WWF Brasil, que realizou, em parceria com o Ibope, pesquisa inédita sobre os hábitos de consumo dos brasileiros. A partir dos resultados, pode-se considerar que questões ambientais e baixo nível de renda estão diretamente relacionados.
Ao comparar os dados nacionais com outros países, a pesquisa evidencia, ainda, a desigualdade social do planeta. Se todos no mundo consumissem como a população dos Estados Unidos, a reposição dos gastos seria o equivalente a cinco planetas. Já se toda a população mundial seguisse os padrões de consumo dos países africanos, a Terra seria suficiente. No caso da Somália, por exemplo, 0,22 planeta bastaria.
Tendências
O Ibope ouviu 2.002 pessoas, com idade mínima de 16 anos, em 142 municípios, entre os dias 13 e 18 de maio. O estudo tem por objetivo identificar tendências de comportamento e qualidade de consumo do brasileiro e os impactos sobre o meio ambiente.
Segundo a pesquisa, apenas 6% da população brasileira prestam atenção se os produtos de uma determinada marca são ligados à alguma empresa que não respeita o meio ambiente ou questões sociais. Para 31% da população brasileira, o preço é o único critério na hora de adquirir um produto. As classes sociais D e E correspondem a 46% desse percentual. Entre os 50% que, além de considerar preço e qualidade, reparam se o produto respeita os critérios ambientais e sociais, 61% são das classes A e B.
O estudo mostra que 54% da população não consomem alimentos congelados ou embalados. O dado positivo, no entanto, está muito mais associado às condições econômicas do que a conscientização ambiental propriamente dita. Dos 54%, 61% corresponde às classes D e E.
No quesito lixo doméstico, o Brasil tem um longo caminho a percorrer. Apenas 5% da população direcionam o lixo seco para a reciclagem e o orgânico para a transformação em adubo. As regiões Sul e Sudeste são as mais preocupadas com essa questão. Dos 25% da população brasileira que separa o lixo reciclável, 42% está na região Sul e 33% na Sudeste. Juntas, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste correspondem a 27%.
Crise do apagão
Em meio a tantos indicadores preocupantes, o comportamento das pessoas em relação ao uso de luzes e equipamentos eletrônicos em casa surpreende: 80% dos brasileiros sempre desligam os aparelhos e lâmpadas quando não estão utilizando o ambiente, em todas as classes sociais. A postura é reflexo da crise do apagão de 2001.
– Quando a sociedade brasileira é colocada diante de um desafio ambiental, ela reage positivamente – acredita o coordenador do Programa Educação para as Sociedades Sustentáveis, Irineu Tamaio. – O problema é que as campanhas de conscientização não são suficientes.
Para a secretária executiva da WWF Brasil, Denise Hamá, o fato das campanhas serem reativas e não propositivas compromete o trabalho de conscientização junto à população.
– A tendência do padrão de consumo verificado atualmente já é insustentável, principalmente entre as classes A e B – avalia Tamaio.
Os dados da pesquisa mostram a necessidade do poder público desenvolver, urgentemente, mecanismos de conscientização ambiental junto aos jovens de 16 a 24 anos. Eles correspondem a 21%, dos 13% da população que gastam mais de 20 minutos para tomar um banho.
Entre os 13% que deixam a torneira aberta durante todo o tempo em que escovam os dentes, os jovens correspondem a 18%.
O resultado do consumo de produtos de origem animal reforça a preocupação dos ambientalistas com a questão: 34% da população comem carne vermelha todos os dias e 51% pelo menos duas vezes na semana. A região Sul é a maior consumidora de carne vermelha do Brasil.
O uso racional dos meios de transportes é outra grande preocupação dos ambientalistas. De acordo com a pesquisa, 42% da população usa transporte coletivo, não tem carro ou anda a pé ou de bicicleta. Como desse percentual, 73% correspondem às classes D e E, não há muito o que comemorar. Mais uma vez a postura da maior parcela da população está associada muito mais às questões econômicas do que a conscientização ambiental. Um crescimento econômico, que não seja sustentável pode piorar ainda mais uma situação já muito preocupante.