mineração: Grandes projetos aprofundam pobreza
Abundância de minérios causa saque violento das riquezas da região
FOTO:MARICHIBA
A exploração mineral teria efeito negativo sobre populações tradicionais
Durante pesquisa realizada para o curso de Mestrado em Serviço Social, a professora Nádia Socorro Fialho Nascimento acompanhou, na década de 1990, os impactos sócio-econômicos causados pela implantação do Projeto Caulim em duas localidades do município de Barcarena, denominadas Montanha e Curuperé. A professora testemunhou o processo de expropriação e posterior desagregação daquelas comunidades, integradas por uma população nativa, ligada por fortes laços de parentesco e religiosidade, praticantes da pesca, da caça e do extrativismo.
Até a chegada das empresas responsáveis pelo Projeto Caulim, as famílias habitavam, ancestralmente, as terras da Montanha e do Curuperé que se situava às margem do rio Pará, de onde retiravam o alimento que consumiam. As empresas fecharam a área de acesso das famílias ao rio, que em seguida foram remanejadas para o Curuperé, área de terra firme, onde tentaram iniciar um projeto agrícola que não funcionou por falta de financiamento: os nativos não tinham título da área.
À época, as famílias contavam com a assessoria da UFPA, por meio de um projeto de extensão do curso de Serviço Social, como também da Comissão Pastoral da Terra, que apoiavam aquela população nas negociações com as empresas e os órgãos do Estado. Os entraves burocráticos foram agravando ainda mais a situação das famílias, ao ponto de elas se verem forçadas a abandonar a região. Foram para outras áreas, espalharam-se por outras comunidades, separaram-se.
“As famílias foram expropriadas de suas terras para dar lugar ao progresso e, logo em seguida, vítimas de um processo de pauperização”, observa Nádia Fialho, professora do curso de Serviço Social da UFPA. “A terra é condição fundamental para a sobrevivência do homem do interior, porque lhe permite a reprodução das condições materiais de existência”.
Decidida a entender esse processo em nível mais geral, dentro do contexto da Amazônia, a pesquisadora desenvolveu tese de doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, concluída em 2006, na qual defende que a produção de riqueza, decorrente da exploração mineral do solo paraense, corresponde à produção da pobreza de sua população. Segundo a professora Nádia Fialho, “o processo de transformação das matérias primas em mercadorias de alto valor no mercado mundial, via empresas multinacionais, não reverte em dividendos para a população do Estado do Pará, mas pelo contrário, resulta em expropriação, violência, empobrecimento e aculturação”.
Economia cresce, mas IDH da população continua baixo
Segundo a pesquisadora, em função da presença em solo paraense de uma quantidade anômala de minérios, o Pará é um caso emblemático desse saque à natureza, sendo o segundo Estado minerador do país, e o primeiro em concentração mineral. “O Estado se destaca como aquele de onde saem as mais expressivas contribuições à acumulação capitalista a partir da exploração mineral. Exemplo disso é o avanço na posição do PIB paraense, que do 14º lugar em 1996, passou para o 11º em 2003, e vem crescendo. Em 2006, o Pará teve a maior taxa de crescimento industrial brasileiro. A maior parte do nosso PIB vem da exploração mineral. As outras atividades produtivas, como agropecuária e agricultura, não têm a dimensão que a mineral”.
A tese aponta que, ao lado dessa evolução dos indicadores econômicos paraenses, o Índice de Desenvolvimento Humano manteve-se como um dos mais baixos da região Norte, sendo que, a variável renda cresceu apenas 4,6% entre os anos de 1991 a 2000. “Essa distorção ocorre porque o volume de riqueza produzida especialmente pela via da exploração dos recursos minerais, não é revertida, nem minimamente, em favor da população”, assegura.
A professora Nádia Fialho explica que quanto mais ricas e vastas forem as regiões em recursos naturais, tanto mais saqueadas serão, o que reflete, direta e indiretamente, nas condições de vida de milhares de indivíduos. No caso dos grandes projetos, a exploração dos recursos naturais produz, além dos efeitos mensuráveis (desmatamentos, poluição dos rios e lagos, descapitalização ecológica, etc.), outros efeitos de mensuração mais complexa. A expulsão do homem da terra tem contribuído, por exemplo, para a reconfiguração do espaço urbano na Amazônia. Essa população engrossa a fileira dos que sobrevivem em condições subumanas, nas áreas periféricas das grandes capitais, como é o caso das baixadas de Belém.
A professora Nádia Fialho destaca que os processos desencadeados sobre a Amazônia, em função do papel particular da região em frente das necessidades históricas da acumulação capitalista, têm contribuído para a produção de expressões da chamada “questão social”. Dentre elas, destaca a massiva desigualdade social, expressas no empobrecimento de sua população, e a reincidente agressão à natureza, expressa nos desmatamentos, nas queimadas e na poluição dos rios.
Outras expressões decorrentes das “questões sociais” são: o recorde de violência na área rural, em decorrência dos inúmeros conflitos pela posse da terra; o explosivo adensamento populacional dos centros urbanos, sem que uma correspondente infra-estrutura de bens e serviços fosse instalada; a permanente ameaça aos grupos indígenas e às comunidades tradicionais em geral; a biopirataria, que atualiza o saque colonial à biodiversidade amazônica; o narcotráfico que, na ausência do poder público, prolifera, inclusive como alternativa econômica à pequena produção agrícola; a crescente prostituição infanto-juvenil e adulta; a criminosa presença do trabalho escravo e do trabalho infantil, de que a Amazônia, e, especialmente, o Estado do Pará, são campeões.
Publicado pelo JORNAL BEIRA DO RIO, edição n° 58, Informativo da Universidade Federal do Pará, Assessoria de Comunicação Institucional
Enviado por Rogério Almeida, colaborador e articulista do EcoDebate