Um depoimento pessoal sobre a MMX, artigo de Apolo Heringer Lisboa
Prezados companheiros dos fóruns de ongs e de comitês de bacias.
Em relação ao que formei de opinião sobre a empresa MMX, ao longo de alguns meses, e salvo melhor juízo, declaro aqui o seguinte:
Em minha experiência na presidência do CBH Velhas conheci o Leandro Quadros, geólogo que era funcionário da MBR. Em todos os embates sobre outorgas de água, competência legal dos CBHs, cujo debates eram uma oportunidade para ampliarmos a discussão sobre a gestão integral do meio ambiente na bacia do Rio das Velhas, o Leandro aparecia duro, polêmico, não fugia do debate. Convidou diversas vezes o Comitê para visitar as minas, e lá estivemos todos, levava geólogos, organizava exposições e debates. Nos fez reunir com um geólogo consultor internacional e nós estivemos lá com nossos técnicos, inclusive os da Universidade, em discussões científicas. Nunca deixou de fazer o debate técnico com profundidade. Em muitos casos polêmicos convenceu hidrogeólogos consultores do Projeto Manuelzão de que alguns empreendimentos eram viáveis, que podiam ser mitigados e que nem tudo que se dizia contra o empreendimento era verdade. Em muitos casos tinha razão, noutros não. Fiquei bem impressionado com ele. Sempre respeitou os fóruns ambientais na profundidade que se exige, e as divergências que persistiram ou dúvidas como, por exemplo, o grande lago das Águas Claras na Serra do Curral/ Nova Lima, passaram então a ser motivo de preocupações nossas ou de estudos da literatura. Nada que configurasse uma manobra, nem cooptação nem imposição de qualquer lado.
Conheci também, pessoalmente, o Eliezer Batista, ex-presidente da Vale do Rio Doce durante muitos anos, com quem conversei longamente sobre a questão ambiental, por convite e na presença de um amigo comum. Pessoa de inegável competência e internacionalmente reconhecido. Ele analisou a proposta do Projeto Manuelzão comigo, pedi que fizesse uma crítica, e ele disse uma coisa: vocês estão de parabéns por ter um pensamento macro e sistêmico e trabalharem por metas. Deu-nos o seguinte conselho: vocês estão na Ufmg e não deixem de ter embasamento técnico-científico, as propostas da sociedade civil e das ongs precisam ter credibilidade científica. Só paixão é muito pouco.
Mais tarde conheci o Roger Agnelli num almoço oferecido a Oscar Niemeyer no Palácio das Mangabeiras. Fui convidado por ter trabalhado para o Niemeyer na Argélia, onde estava asilado e ele tinha vários arquitetos e desenhistas, com as famílias, trabalhando nos projetos de construção de campi universitários em Argel e Constantino. Em duas ocasiões tive o privilégio de examinar e prescrever para este grande artista, convivendo um pouco com ele e outros arquitetos. O Agnelli é o atual presidente da Vale. Perguntei a ele: Agnelli, vocês exportam tanto minério e estão ganhando muito dinheiro não é mesmo. Para que vai servir este minério e este dinheiro? Ele desconfiou de minha intenção filosófica, acostumado que está ao pragmatismo empresarial, atendendo celular o tempo todo, vendendo, comprando, investindo, viajando. Jovem e com esta posição toda eu lhe disse: fico até com inveja de ver você tão jovem e tão poderoso, quanta coisa você pode fazer. Ele me olhou para enxergar. Emendei logo: que mundo a Vale – na época tinha Rio Doce – está ajudando a construir: um mundo democrático com distribuição de bens, construção de casas para o povo, defesa do meio ambiente, aço para o transporte público, ou um mundo de armamentos, guerras, grandes potências e destruição do meio ambiente? O que a China vai fazer com este minério todo? Parece mentira este diálogo, mas existiu e eu ainda lhe disse: Roger, se cada chinês tiver um carro, uma casa, e também cada indiano, cada brasileiro, nos padrões de consumo da Europa, dos EUA e da elite brasileira, o planeta não vai suportar.
Temos que decidir qual o perfil de democracia e consumo para todos, estamos planejando para os próximos séculos no planeta Terra. Sem resolver esta questão não haverá possibilidade de democracia para todos. E uma empresa da dimensão da Vale, mundialmente atuante, precisa ter estudos de viabilidade da vida no planeta Terra. Aí, ele vivamente interessado com aquele papo de “ambientalista” me disse, exagerando: se cada chinês tiver um rolo de papel higiênico por semana, o planeta já não suportaria! Ainda mais um carro. Então eu lhe disse: que perfil de mundo estamos construindo com tanto crescimento econômico? Qual a responsabilidade social e política do capital? Ficamos de conversar, achei que seria procurado logo depois, junto conosco estava a presidente da fundação da Vale, uma mineira de Nepomuceno. Mas até hoje nunca mais apareceram, o mundo dos negócios está muito aquecido. Mas acho que esta conversa poderia ser título de debates na Fiemg, na Fiesp, dos setores de planejamento dos governos etc.
Prezados companheiros de fóruns.
A MMX, tem muito a ver com o que o Eike, seu proprietário, aprendeu na Vale do Rio Doce. Tem valorizado muito o poderio econômico e político, costurando soluções às vezes um pouco ilegítimas para licenciamentos e percorrendo atalhos que podem comprometer a credibilidade e isenção do sistema de gestão ambiental no Brasil. Montou uma empresa virtual, conseguiu licenciamentos e outorgas federais e estaduais, adquiriu parte da região do Espinhaço, pomposamente denominada Reserva da Biosfera. A empresa fez os levantamentos e estudos, já com a intenção de vender a empresa. Realizou audiências na roça, com pessoas muito humildes e muito fragilizadas socialmente e do ponto de vista científico, para poderem contestar o mundo bonito e virtual mostrado. Deram brindes a instituições carentes e provavelmente ajudaram políticos locais, ou prometeram ajudas. Certas características externas, envolvendo todo este processo, levam a crer em cooptação clara até de lideranças ambientais, salvo melhor juízo. Seu poderio na mídia é incontestável. Foram realizadas pesquisas sobre a opinião de lideranças e órgãos da grande imprensa nunca estiveram tão dóceis.
Qual o problema? É que isto desacredita o sistema de gestão ambiental e pode lançar bases financeiras para implantar a divisão entre ongs e outras instâncias, ou entre ambientalistas. E pior, não necessitava de apelar tanto.
O Eike é filho do Eliezer, aquele que nos aconselhou pensar macro e sistemicamente e buscar o embasamento técnico-científico nas ações da sociedade civil. Nós não somos visceralmente nem por princípio, contra as atividades econômicas. Provamos isto na bacia do Velhas, e na direção do CBH Velhas. O Projeto Manuelzão não tem se deixado dobrar nem pelo capital, nem pelos governos, nem pela patrulha ideológica sectária. “A verdade está na profundeza”, Demócrito. A MMX fez campanha publicitária dizendo ser uma empresa brasileira, quando já estava transferindo uma empresa virtualmente pronta, licenciada e abençoada, para as mãos da Anglo American. Não estamos contra uma empresa estrangeira, nem contra a mineração, imagine, mas porque camuflar o plano até o fim, naquela audiência na Semad com as ongs, onde o gerente bem falante parecia um artista. Aí entramos no campo da ética. A tão badalada situação da Reserva da Biosfera do Espinhaço, com Danielle Mitterrand, Conceição do Mato Dentro, Partido Verde, etc, sumiu do seu encantamento romântico sem se explicar direito. Sinceramente não tenho nenhum orgulho de ser deste país, mas de um outro que idealizei mas que não existe.
Para finalizar: neste processo a MMX não contribuiu para a democracia, nem para aprimorar o sistema de gestão ambiental no Brasil, porque teve medo de perder um negócio fabuloso, e preferiu atalhos que lançaram dúvidas sobre seus métodos. Neutralizaram pessoas e instituições. Se tivesse sido mais republicana acho que teria conseguido licenças e seu empreendimento teria sido viável com mais transparência e com nosso apoio consciente. E gastando bem menos. Desde que ficassem claramente definidas as medidas mitigadoras, as compensações realmente ambientais em território concretamente determinado na mesma dimensão de grandeza do projeto, e que os meios técnico-científicos pudessem se manifestar, não somente os pobres das roças. Eike, você é muito jovem, venha para o nosso lado ajudar a construir uma sociedade melhor. Daqui uns anos você será pó da terra e de que valerá priorizar acumular dinheiro e não riquezas de outro tipo, como ter um nome escrito na história da ética, da conservação do meio ambiente, e também do desenvolvimento econômico com inclusão social e combatendo a corrupção. Estamos de braços abertos lhe esperando.
A todos um abraço, Apolo Heringer Lisboa, Projeto Manuelzão