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Notícia

Argemiro Procópio: Professor do IREL critica política ambiental brasileira para a Amazônia e diz que a monocultura é o maior problema a ser enfrentado na região

“O subdesenvolvimento é sustentável na Amazônia”

Ao deixar o Ministério do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva chamou, mais uma vez, as atenções do mundo para a Amazônia. O histórico de defesa da região concedeu à parlamentar grande prestígio internacional, e analistas estrangeiros insinuam que a sua saída do ministério deve aumentar as pressões externas sobre as políticas brasileiras para a Amazônia. Por Rodolfo Borges, da Secretaria de Comunicaçao da UnB

Uma semana antes de a então ministra tomar sua decisão, o governo lançava o Programa Amazônia Sustentável (PAS), que unificou todas as ações na região em um mesmo plano. Apesar de reservar cerca de R$ 1 bilhão para reflorestamento, o programa foi criticado por não apresentar muitas novidades. “O programa foi feito a toque de caixa. Ele não ouviu a sociedade amazônica, foi feito em poucas semanas e tem muitos pecados”, critica o professor Argemiro Procópio Filho, do Instituto de Relações Internacionais (IREL) da Universidade de Brasília (UnB).

Pesquisador da região, o professor também condena a atuação de Marina Silva na pasta e acha que ela deixou o cargo por esperteza política. “Ela viu que, no ministério, os benefícios são menores do que os custos”, comenta. Segundo ele, durante a gestão de Marina Silva, houve o segundo maior índice de devastação da história floretal brasileira. “O que existe na Amazônia é a sustentabilidade do subdesenvolvimento”, resume o docente.

Em entrevista à UnB Agência, Procópio diz que a política ambiental brasileira precisa mudar e que o maior problema a ser enfrentado pela Amazônia é a monocultura. “A vocação amazônica está na riqueza e na biodiversidade da floresta”, analisa. O professor ainda indica alguns caminhos que podem ser adotados para recuperar a região: “Não é abrindo estradas que se cria desenvolvimento na Amazônia. É bom recuperar a tradição do transporte fluvial. Mas o governo insiste em fazer na Amazônia o que já se fez com a Mata Atlântica: derruba a mata para plantar a monocultura, revivendo os ciclos coloniais.”

UnB AGÊNCIA – Como o senhor avalia o período que a senadora Marina Silva passou à frente do Ministério do Meio Ambiente?
ARGEMIRO PROCÓPIO – Ela vem do Acre, é lutadora, cheia de ideais e tem um histórico de vida exemplar, mas ficou no poder durante seis anos e, ao longo desse período, houve o segundo maior índice de devastação da história florestal brasileira. E a Marina, com todo o discurso e apoio que ela tinha de ONGs, com todo o lobismo – ela é muito poderosa como senadora, pelo fato de ser membro de igrejas petencostais, cujos representantes costumam votar em bloco –, apesar de tudo isso, ela não fez quase nada em termos ambientais. O replantio de áreas devastadas na Floresta Amazônica foi mínimo, e praticamente inexistiu no Sudeste brasileiro. O bioma da Floresta Atlântica, que também merece carinho e respeito, quase não foi reflorestado. Ela foi uma ministra muito cênica e precisava trabalhar mais.

UnB AGÊNCIA – Por que ela deixou o cargo?
PROCÓPIO
Esperteza política. Ela fez uma análise custo-benefício e viu que no ministério os benefícios são menores do que os custos. Há uma onda de devastação motivada pelo crescimento da soja e de plantações de cana-de-açúcar, que têm ocupado áreas do Cerrado e do estado de São Paulo, antes ocupadas por arroz, feijão, milho e mandioca. Na Amazônia, a cana-de-açúcar já está presente no Pará e em Rondônia, e a ministra não peitou o Lula, não peitou o (governador do Mato Grosso do PR-MT, Blairo) Maggi ou o latifúndio monocultor, porque uma parte do sucesso do governo Lula se deve ao alto preço das commodities.

Rodrigo Dalcin/UnB Agência
“O Programa Amazônia Sustentável foi feito a toque de caixa”

UnB AGÊNCIA – Marina Silva deixou o ministério uma semana depois do anúncio do Programa Amazônia Sustentável. Se acreditasse no programa, ela não teria ficado?
PROCÓPIO
– Não. Ela está vendo que as hidroelétricas são necessárias. A pressão é grande, porque existe uma grande demanda por eletricidade. Para se ter uma idéia, hoje a energia do bioetanol responde mais pelas necessidades energéticas do que as hidroelétricas brasileiras. Mais do que Itaipu, Balbina, Turuí e Furnas somadas. É uma necessidade energética motivada pelo crescimento da economia brasileira, e que exige rapidez. A ex-ministra naturalmente foi contra, e não estava bem articulada com a equipe governamental. Há muito tempo que ela está vendo seu espaço encolher. Ela pulou do barco antes de perder o prestígio internacional.

UnB AGÊNCIA – O Programa Amazônia Sustentável é bom?
PROCÓPIO
Não. O programa foi feito a toque de caixa. Ele não ouviu a sociedade amazônica, foi feito em poucas semanas e tem muitos pecados. O programa não explora a vocação amazônica como deveria e não combate o contrabando, que é uma das desgraças da região. O governo não tem sido suficientemente rígido contra a biopirataria, contra a saída do ouro e dos diamantes garimpados na região e contra o corte de madeira, cujas vendas são quase todas clandestinas. O contrabando da madeira dá um enorme prejuízo para a floresta, e o governo não atacou isso com a energia necessária. A madeira sai daqui em contêineres, e não em saquinhos, como os diamantes. Isso mostra também uma enorme corrupção. Por tudo isso, sou pessimista em relação ao sucesso de programa.

UnB AGÊNCIA – O plano prevê R$ 1 bilhão só para reflorestamento. Isso não resolve o problema?
PROCÓPIO
– Não adianta reflorestar de um lado e desflorestar do outro. E é bom lembrar que a Mata Atlântica também pede socorro. E existem muitos programas de reflorestamento que ficaram no papel. Eram subsidiados e caros, mas não se sabe onde ocorreu o reflorestamento, porque a floresta é enorme. Por isso, seria muito melhor começar o reflorestamento no Sudeste, às margens de rodovias, para todo mundo ver que aquilo está acontecendo.

UnB AGÊNCIA – Analistas internacionais dizem que Marina Silva blindava o Brasil contra pressões internacionais em relação à Amazônia. Sua saída pode desgastar o país em nível internacional?
PROCÓPIO
Se o novo ministro falar e fizer, não. Ela realmente tinha muito prestígio no exterior, mas era de muita fala e pouca ação. A herança dela no ministério é trágica. A degradação ambiental arrasou o Brasil de norte a sul. Ela tem culpa no cartório por isso, mas ela tem sim uma imagem muito positiva no exterior, é uma ministra premiada. Só que se o ministro (Carlos Minc) tiver posições duras e enérgicas e fizer mais do que ela, evidentemente que o exterior vai reconhecer. Se o Brasil evidentemente conseguir frear a devastação, nossa imagem vai melhorar.

Rodrigo Dalcin/UnB Agência
“Não adianta reflorestar
de um lado e desflorestar do outro”

UnB AGÊNCIA – Países estrangeiros podem aproveitar a saída de uma ministra reconhecida por defender o meio ambiente para se fazer mais presente na Amazônia?
PROCÓPIO
– Essa é uma questão latente. Essas pressões internacionais não são ficção, mas dependem muito de como o Brasil vai proteger essa casa. Não acho que a Marina Silva blindou o país. Ela teve a faca e o queijo na mão, e mesmo assim deixou muito por fazer. Talvez por conveniências partidárias, ela não botou a boca no trombone no momento em que devia ter botado. Quando ela assumiu o ministério, foi um sopro de esperança. Todos esperávamos muito mais do que ela fez. É bom lembrar que o Brasil não é só a Amazônia. A poluição das cidades se intensificou, faltou reflorestamento no Sudeste e no Centro-Oeste brasileiro e um grande pecado da ministra foi o descuido que ela teve com o Cerrado.

UnB AGÊNCIA – O presidente Lula garantiu que a política ambiental brasileira não vai mudar. Isso é bom ou ruim?
PROCÓPIO
– Se for a mesma, é péssimo. Os últimos cinco anos foram pífios, de grande desmatamento e burocracia concentrada em Brasília, onde trabalharam milhares de fiscais enquanto a Amazônia ficou a Deus dará. A ministra conviveu com uma enorme burocracia pouco eficiente do Ibama. Tudo isso indica que a política ambiental precisa melhorar muito.

UnB AGÊNCIA – Como o senhor avalia a atual situação da Amazônia?
PROCÓPIO
– O que existe na Amazônia é a sustentabilidade do subdesenvolvimento. Lá, o subdesenvolvimento é sustentável, o desmatamento é sustentável, a monocultura é sustentável, a poluição das águas, a matança de peixes, a miséria e a pobreza é tudo sustentável. É preciso reverter isso.

UnB AGÊNCIA – Como reverter esse quadro?
PROCÓPIO
– A Amazônia corresponde a 62% do território brasileiro. No entanto, é uma área esquecida, uma área marginal. Ela é mais estudada no exterior do que no Brasil. Faltam políticas efetivas de apoio às populações ribeirinhas, e os índios estão saindo cada vez mais para os centros urbanos, apesar das reservas. Falta uma política indigenista que peite os caciques, que permita ao índio viver como índio, recuperar seus valores e tradições. Viver em terras indígenas sustentado com macarrão da Funai é triste. Viver em terra indígena comendo doce e bolacha paga pelo contribuinte é uma desmoralização da política indigenista. E essa política está muito ligada à Amazônia. A qualidade das águas, a poluição. Uma cidade como Manaus joga o esgoto in natura no Rio Amazonas. Os pescadores estão tendo cada vez mais problemas de abastecimento, porque diminuiu enormemente a quantidade de peixe. Hoje, a carne de boi é mais barata na Amazônia do que a carne de peixe. Subverteu-se toda uma ordem alimentar tradicional. Deveriam ser desenvolvidos programas de piscicultura, de despoluição do rio. E também existe a Amazônia urbana, não é mais só floresta. E elas estão relegadas ao esquecimento. Não é abrindo estradas que se cria desenvolvimento na Amazônia. É bom recuperar a tradição do transporte fluvial. Mas o governo insiste em fazer na Amazônia o que já se fez com a Mata Atlântica: derruba a mata para plantar a monocultura, revivendo os ciclos coloniais.

Rodrigo Dalcin/UnB Agência
“Viver em terras indígenas sustentado com macarrão da Funai é triste”

UnB AGÊNCIA – A monocultura é o maior problema da Amazônia?
PROCÓPIO
– Sem a menor dúvida. A monocultura e a pecuária. O latifúndio monocultor é uma ameaça para o Amazonas. A vocação amazônica está na riqueza e na biodiversidade da floresta. Existem árvores de enorme poder medicinal, produtos com altíssimo teor alimentício. As frutas da Amazônia são de sabor inigualável. A Amazônia poderia explorar uma fruticultura com alto valor agregado. Muitos produtos, como o óleo e a castanha, também podem ser utilizados para a pele. São produtos de altíssimo preço na indústria cosmética e oferecidos pela floresta, mas eles põem fogo. O óleo da copaíba é preciosíssimo na indústria medicinal.

UnB AGÊNCIA – Brasil e Alemanha firmaram acordo esta semana para garantir a sustentabilidade no âmbito das culturas destinadas a obter biocombustíveis. Esse tipo de acordo pode garantir uma produção sustentável?
PROCÓPIO
– Depende. O maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil é o estado de São Paulo. Mas as áreas do estado de São Paulo, do triângulo mineiro, do Mato Grosso e de parte de Goiás que são ocupadas hoje pela cana-de-açúcar foram ocupadas no passado por milho, arroz, feijão e mandioca. Se a área da cana-de-açúcar continuar ocupando a área da lavoura branca – que é a desses gêneros de primeira necessidade –, o Brasil está arriscado a continuar com uma enorme elevação do preço dos produtos agrícolas. Vai colocar combustível no tanque do rico e tirar comida da boca do pobre. Esse é o grande perigo da política do Lula. Essa enorme carestia que se sente em relação aos gêneros de primeira necessidade no supermercado tem relação com o plantio de cana, apesar de o presidente negar.

Rodrigo Dalcin/UnB Agência
“O governo não tem sido suficientemente rígido contra a biopirataria”

UnB AGÊNCIA – O senhor enxerga boas perspectivas para a Amazônia?
PROCÓPIO
– Não, mas neste contexto internacional de grande carestia de gêneros de primeira necessidade e fome em certos países africanos e latinos, o Brasil – que está entre os quatro maiores exportadores de produtos agrícolas – poderia se impor e apostar na exportação de gêneros alimentícios. Com isso, nós teríamos muito mais prestígio internacional do que exportando bioetanol, porque o mundo passaria a depender do Brasil. Isso poderia ser feito ocupando áreas abandonadas no coração do Brasil. O Vale do Paraíba, que antes era ocupado pelo café, está abandonado. O ciclo da cana está repetindo o que aconteceu no Nordeste. Ele já chegou ao Mato Grosso e ao Pará.

UnB AGÊNCIA – A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira, 13 de maio, um projeto que amplia a área que poderá ser concedida pela União para uso rural. Agora, a União poderá regularizar 1,5 mil hectares sem necessidade de licitação. Antes da edição da medida provisória, a medida limite era de 500 hectares.
PROCÓPIO
– É um grande retrocesso. Devia ter diminuído. Para ser realista, eles estão legalizando algo que já acontecia. É triste. Legalizam mais mil hoje, e vão legalizar mais mil amanhã. Enquanto isso, a Amazônia está sendo comida pelas bordas

PERFIL

Argemiro Procópio é professor titular do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da UnB. É um dos fundadores do Programa de Doutorado em Ciências Sociais e Relações Internacionais da instituição. Concluiu doutorado e pós-doutorado na Universidade de Berlim, Alemanha. No Irel, dirige projetos na Amazônia com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre suas linhas de pesquisa estão internacilonalização e crime organizado na Amazônia, termas acerca dos quais o professor já publicou dezenas de artigos, capítulos e livros.

Entrevista publicada pela UnB Agência