Sydney Possuelo, sertanista e ex-presidente da Funai: Quando se trata de índio, tudo é imposto goela abaixo
Para sertanista, problema não é atual e vem recrudescendo ao longo dos anos, o que causa ‘impaciência’ nos índios
O sertanista Sydney Possuelo, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), vê as recentes ações violentas de indígenas em Altamira (PA) e Avaí (SP) como um reflexo da “indiferença” com que as reivindicações dos índios têm sido tratadas no País. Por Moacir Assunção, do O Estado de S.Paulo, 22/05/2008.
De acordo com Possuelo, não há um movimento organizado das nações indígenas para questionar os temas que não lhes agradem, mas manifestações diversas, que aparecem a todo tempo, praticamente, todos os anos.
As ações violentas nos dois Estados não são uma questão do dia de hoje?
Não há um problema atual, mas o recrudescimento de antigas questões que nunca foram resolvidas. Isso leva ao questionamento dos índios e à perda da paciência, com excessos tanto de parte dos índios quanto dos brancos.
Haveria uma falta de negociação do Estado e de particulares com os índios?
Quando se trata de índios, tudo é imposto goela abaixo, porque o Estado tem os meios para fazer valer sua opinião, até com o uso da força. Em Altamira, trata-se de uma discussão antiga que jamais chegou a termo e em São Paulo é algo parecido. Não há discussão ou apresentação dos problemas para que os indígenas possam se posicionar ou, ao menos, ser informados. Não é, claro, privilégio das relações com índios, porque a nossa sociedade também não vive em harmonia.
O caso da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, e as idas e voltas da demarcação são emblemáticos deste problema?
Este é um problema antigo, que vem recrudescendo nos últimos tempos, exatamente por causa das questões legais. Ainda não é emblemático, mas pode vir a ser se o Supremo Tribunal Federal (STF) não reconhecer a demarcação das terras feita pela União.
O que pode acontecer?
A situação ficará muito complicada, bem mais do que agora. Espero que isso não ocorra porque seria um enorme retrocesso e o Brasil andaria na contramão da história. A área foi demarcada, os invasores foram indenizados, mas não saíram. O tempo que leva para essas questões se resolverem conspira contra os índios, já que os invasores se organizam, montam seus ranchos e ganham apoio, exatamente como tem acontecido.
Em outros países, a questão indígena está mais tranqüila, do ponto de vista dos conflitos?
Há casos em que a situação está bem encaminhada. A Austrália e o Canadá destinaram áreas a seus indígenas – no caso do país americano os índios inuits – e fizeram um pedido formal de desculpas dos respectivos governos às nações indígenas, em uma postura digna e antenada com os novos tempos.