Erros indianos no Punjab são lições para a crise de alimentos
Global Business Perspectives, 19 de Maio de 2008 – Apelidado “a cesta de pão da Índia” o Punjab está no meio de uma séria crise que traz maus presságios para o futuro da agricultura, ao mesmo tempo em que o mundo enfrenta aguda crise de alimentos. A grande narrativa do Punjab, uma história de sucesso de super safras, oculta um enredo secundário de envenenamento por pesticidas, escassez de água, salinidade do solo, escoamento de fertilizantes, taxas estratosféricas de incidência de câncer, endividamento de fazendeiros e dependência de drogas. Matéria da Gazeta Mercantil, 19/05/2008.
Vista no contexto de um relatório publicado em 15 de abril pela Assessment of Agricultural Knowledge, Science and Technology for Development (IAAKSTD), uma entidade intergovernamental criada pelo Banco Mundial e pela United Nations Food and Agricultural Organization (FAO), a saga do Punjab é um estudo de caso sobre como a agricultura industrial impulsiona as produções a curto prazo, mas leva à destruição, a longo prazo, da terra da qual depende a agricultura e do contexto social e ambiental com o qual está intimamente ligada.
A IAAKSTD conclui: “Os negócios de sempre não são uma opção.”
Mudanças radicais, já
Robert Watson, diretor da IAAKSTD, adverte que se mudanças radicais não forem feitas sobre como produzimos e distribuímos nossos alimentos, “as populações do mundo não poderão ser alimentadas no próximo meio século,” e ficaremos com “um mundo no qual ninguém mais quer morar.”
Nas primeiras décadas da independência, uma democracia indiana incipiente enfrentou problemas para atender às necessidades básicas em relação à alimen-tação. Em meados dos anos 60, enfrentando a fome em massa, a jovem nação teve de implorar por uma assistência emergencial. A Revolução Verde chegou à Índia pouco depois. As produções subiram vertiginosamente.
Alcançar a auto-suficiência no que tange aos alimentos foi uma realização que trouxe orgulho a uma nação afastada da noção ghandiana de “swadeshi”, ou auto-suficiência nacional. Em 1995, a Índia foi catapultada para o ranking dos exportadores de alimentos.
A revolução verde
Em nenhum lugar da Índia a Revolução Verde se concretizou como no Punjab. O Punjab se tornou a imagem do poder da ciência agrária para extrair da Terra um nível de capacidade produtiva sem precedentes. Novas sementes híbridas, projetos de irrigação massiva e fertilizantes sintéticos transformaram as planta-ções comuns. A mecanização chegou na forma de tratores, reduzindo as horas de trabalho da mão-de-obra humana nos campos. Com apenas 1,5% das terras da nação, o Punjab produz 20% do trigo da Índia e 12% do seu arroz.
Mas o milagre agrário do Punjab não consegue mais acompanhar o ritmo das necessidades de crescimento da Índia em relação aos alimentos. Todos os anos, nascem 18 milhões de novos indianos, o equivalente à população da Austrália. Também não consegue compensar a produtividada agrária inferior do resto do país. Os setores de serviços e industriais em crescimento da Índia, juntos, conduziram o crescimento econômico geral no ano passado a um nível recorde de 9,7%. Contudo, a agricultura, da qual 70% da população da Índia ainda depende para a sobrevivência, na verdade encolheu de uma taxa de crescimento sem muita expressão de 3,8% para uma taxa de 2,8%.
Enquanto isso, a classe média emergente da Índia demanda mais alimentos, especialmente mais produtos de origem animal como leite, ovos, aves e carne – todos os quais exigem mais grãos para serem produzidos.
Biocombustíveis
O mercado de biocombustíveis global em expansão tem tentado alguns fazendeiros indianos a desviar a produção para plantações direcionadas aos biocombustíveis, enquanto a expansão urbana e industrial galopante consome a terra agrária da Índia. Desde 2003, a Índia tem tido de importar mais alimentos, inclusive trigo, óleo comestível e legumes desidratados.
Estes fatores têm forçado o Punjab a aumentar sua incrível produção ainda mais. Profundamente preocupado com a escassez de alimentos, e com o desconforto que isso poderia causar, o governo da Índia insiste que o Punjab se concentre em duas plantações, de trigo e de arroz, consideradas vitais para garantir a segurança relativa à alimentação nacional, mesmo à medida que especialistas advertem que diversificar as plantações é vital para proteger a capacidade produtiva de uma terra usada com grande intensidade.
À beira de colapso
O milagre agrário do Punjab esta à beira de um colapso. Os canais que levam água a campos secos, permitindo que o arroz sedento de água possa ser cultivado onde a chuva somente nunca conseguiria tal feito, estão secando. Onde fazendeiros têm poços, eles precisam cavar mais e mais fundo. Nitritos de fertilizantes sintéticos têm poluído muito do lençol freático. A irrigação exagerada aumentou a salinidade do solo. Pesticidas permearam o solo, as plantas e a vida animal. As taxas de incidência de câncer alcançaram proporções alarmantes.
Os fazendeiros do Punjab, assim como os fazendeiros por toda a Índia, tomaram dinheiro emprestado para insumos que têm de usar para aumentar a produção baseada no modelo industrial. Os preços destes insumos – sementes híbridas ou geneticamente modificadas mais caras, fertilizantes, pesticidas, poços, tratores – aumentam implacavelmente. Como os mais de 100 mil fazendeiros endividados pela Índia que se mataram na última década, alguns fazendeiros do Punjab não vêem saída a não ser o suicídio. O governo do Punjab estima que incríveis 48% de seus fazendeiros e trabalhadores são viciados.
Corporações transnacionais
A Índia tem sido receptiva ao argumento de corporações transnacionais – de que abrir a agricultura a mais investimentos privados e permitir que corporações montem redes com sistemas de produção e distribuição verticalmente integrados possa solucionar a crise agrícola indiana. O relatório da IAAKSTD observa a “influência considerável” de corporações transnacionais em encorajar uma agricultura industrial mais intensiva. Grandes transnacionais, incluindo Cargill, Monsanto, Syngenta, Wal-Mart e Carrefour, assim como ricas gigantes indianas como a Reliance, Bharti e Tata estão ávidas por colher a prosperidade potencial de trazer a agricultura industrial de larga escala à Índia.
Uso sustentável
Se for dado crédito às descobertas do relatório da IAAKSTD, esta é exatamente a direção errada para a agricultura indiana. A Índia faria melhor se olhasse para negócios bem sucedidos dos cultivos naturais baseados nas comunidades, tais como aqueles empreendidos pelo Centre for Sustainable Agriculture em Hyderabad, que têm impulsionado dramaticamente as produções, permitido que fazendeiros pobres paguem seus débitos e removido os fertilizantes sintéticos e pesticidas químicos da produção de alimentos.
Este tipo de recondicionamento radical é necessário em escala global. O relatório da IAAKSTD pede que paremos de pensar na agricultura somente em termos de produção, com custos sociais e ambientais mantidos por fazendeiros individuais, consumidores, governos e ecossistemas. Ele argumenta que a única esperança de alimentar uma população global crescente e de recuperar terras degradadas, águas poluídas e sociedades destruídas está em adotar uma abordagem em que práticas agrárias promovam acesso justo aos alimentos e o uso sustentável do meio ambiente do qual a humanidade depende.
((Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 9)(Mira Kamdar/ The New York Times – Mira Kamdar é a autora de “Planet India: The Turbulent Rise of the Largest Democracy and the Future of Our World” e Membro da Bernard Schwartz na Asia Society em Nova York no ano de 2008.))