Crianças de até 5 anos trabalham nas lavouras de tabaco no Paraná
Na época das férias escolares, o trabalho com a folha do fumo dura o dia inteiro. Na colheita do fumo, o organismo absorve grandes quantidades de nicotina. Do G1, com informações do Fantástico, 18/05/2008 – 21h20 – Atualizado em 18/05/2008 – 22h49
As pequenas roças do sul do Paraná ficam vazias nesta época do ano. Um dos principais produtos agrícolas da região, o fumo, já foi colhido. Mas o trabalho continua dentro das milhares de estufas e galpões espalhados por todo lado. É onde centenas de crianças estão perdendo a infância.
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“Comecei a trabalhar aqui com 8 anos. Só que com 8 anos eu não pegava no pesado”, diz um menino.
Antes de o fumo estar pronto para ser entregue para a empresa compradora, vem a fase mais demorada de todo o processo: é preciso separar e classificar folha por folha.
“Estou fazendo uma boneca”, diz uma menina.
Boneca é o nome dado aos maços de fumo que já foram selecionados. Uma família inteira trabalha dentro do galpão: pai, mãe e os três filhos de 12, de 8 e de 5 anos.
Na casa, duas crianças têm responsabilidades de adultos. “O mais velho chega a ganhar bem, trabalha igual a um adulto. A menina é um pouco mais fraca, mas ajuda bastante”, afirma a mãe.
Jornada dupla
Por pressão da lei e controle dos professores, em geral, as famílias não tiram as crianças da escola, mas elas passam a enfrentar uma jornada dupla. “Cedo eu estudo, depois do almoço eu vou trabalhar. De vez em quando eu brinco”, relata a menina.
“É torcer para chegar ao final do dia, para descansar”, comenta outra criança.
O período de férias escolares coincide com a época da colheita e, sem aula, o trabalho dura o dia inteiro. “Nas férias, tem que ir quase todo dia. Tem vez que é pesado”, reconhece a menina.
Na colheita do fumo, o corpo do trabalhador entra em contato com a folha verde e o organismo absorve grandes quantidades de nicotina. Os problemas para a saúde são enormes. Nos adultos, os sintomas são fortes. Nas crianças, são devastadores.
“A gente passa mal, não sei por quê. Começa a dar vômito”, queixa-se o menino.
“Dá tontura, vômito, fraqueza, você não come nada”, diz o agricultor José Puchekeviskl.
O estudo feito pelas universidades de Brasília e americana Johns Hopkins demonstra que a saúde das crianças que trabalham no fumo é preocupante.
“As crianças, só de participar, de ajudar, de pegar a folha de fumo, de manejar com elas, apresentavam quantidade de nicotina no organismo compatível com a de uma pessoa fumante”, alerta o pesquisador da UNB Guilherme Eidt.
Cerca de 80 mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras do Paraná, segundo informou a procuradora do Trabalho Margareth Matos.
Justiça
Em dezembro de 2007, o Ministério Público (MP) entrou com ações contra seis empresas que atuam na região. O órgão quer que as empresas sejam punidas pelo trabalho das crianças. Para o MP, os pais são praticamente obrigados a colocar os filhos para trabalhar por causa dos contratos impostos pela indústria aos agricultores.
“Você vai lá e empresta R$ 1 mil à empresa, faz o chamado custeio e fica mais amarrado ainda”, conta o agricultor Getúlio Gomes Filho.
“Tenho que entregar o fumo para a empresa. Não vou receber nada em dinheiro, fico devendo para um, para outro”, lamenta o agricultor Edson Antonivicz.
O presidente do Sindicato da Indústria do Fumo do Estado de São Paulo (Sindfumo), Iro Schunke, afirmou que as empresas estão muito tranqüilas quanto aos contratos, que são legais. Ele afirmou que em relação às ações do Ministério Público, as empresas estão agora tomando precauções.
“O trabalho infantil é um problema nacional”, diz o presidente do Sindfumo.
Quando perguntado sobre o que pensa em fazer quando ficar mais velho, a resposta do menino reflete uma triste realidade: “Trabalhar, trabalhar e só”, disse o garoto.