Minc, o melhor ministro para o neolula, artigo de Carlos Tautz
[Blog do Noblat] Marina Silva começou a cair no primeiro dia de sua gestão como Ministra do Meio Ambiente, em 1 de janeiro de 2003. A verdadeira ovação que recebia de todos os seus inúmeros apoiadores no movimento ambientalista internacional impediu-lhe de perceber que a sua ousada proposta de imprimir os critérios ambientais no coração de todas as políticas públicas, o que ela academicamente chamava de “transversalidade “, era natimorta. Nada mais anti-Lula do que Marina – mas isso só iríamos descobrir mais tarde.
A política econômica crescimentista é fortemente baseada na profunda exploração de recursos naturais. É assim que os reinventores desse nacionalismo da década de 1950, Itamaraty à frente, vêem o País: como uma enorme plataforma de provisão de commodities para os centros dinâmicos da economia mundial, representados pelos Estados Unidos, União Européia e Japão e China. Muita gente percebeu isso, mas não a ex-seringueira.
Assim que tomou posse, Lula tratou de colocar em prática esse modelo, orientado pelos grandes e poderosos agentes econômicos, estatais e também privados, que definem a lógica da economia nacional. A primeira grande batalha em que Marina foi fragorosamente derrotada foi o escancaramento institucional do Brasil às commodities agrícolas modificadas geneticamente, os transgênicos.
Ali a senadora, que no Parlamento propôs a moratória sobre os transgênicos até que fossem avaliadas a sua segurança para o meio ambiente e o consumo humano, teve de engolir a vontade do agronegócio exportador, em aliança com a multinacional Monsanto. Perdeu a batalha mas, a exemplo do que viria a fazer em oportunidades futuras, manteve a extrema disciplina e a fidelidade pessoal a Lula.
Foi mais ou menos dessa maneira que as coisas se procederam em vários outros momentos, sempre com os princípios de Marina indo à lona por nocaute. Marina apanhou em silêncio porque, ainda que fossem derrotas estratégicas para o desenvolvimento brasileiro Lula garantia a ela o monopólio do tratamento da questão ambiental que, de longe, era-lhe a mais cara: a Amazônia. Esse é o seu projeto político e seu interesse pessoal.
A decisão de abandonar o governo certamente não apareceu nas últimas semanas, mas encontrou um bom momento justamente quando o presidente quebrou-lhe o privilégio de elaborar políticas públicas para a “sua” região. Primeiro, ele entregou a condução do Plano Amazônia Sustentável (PAS), vem sendo elaborado no MMA desde 2003, a Mangabeira Unger, Ministro dos Assuntos Estratégicos. Mas o momento ótimo para Marina sair, aparentemente de bem com a base que lhe restou foi outra.
A gota d´água para a débâcle da herdeira simbólica de Chico Mendes foi a aprovação da Medida provisória 422, que dispensa de licitação a venda de terras públicas na Amazônia, sob gestão do INCRA, até o limite de 1500 hectares. A MP vem sendo alvo de denúncias de vários setores do ambientalismo e da academia.
Vejam como referiu-se a ela o professor titular de geografia da USP Ariovaldo Umbelino: “As verdadeiras posses das famílias camponesas ribeirinhas ou não da Amazônia não ocupam mais de 100 hectares, portanto, esses atos do INCRA (referindo-se aos atos que justificaram a elaboração da MP) são para regularizarem as grilagens das terras públicas do próprio INCRA, que seus funcionários corruptos “venderam” para o agrobanditismo”, escreveu o geógrafo de estirpe tão alta quanto Milton Santos.
“O governo Lula está fazendo o que nenhum governo, depois dos militares, fez, “vendendo” ao agronegócio/agrobanditismo mais de 60 milhões de hectares de terras públicas do INCRA na Amazônia, que deveriam ser reservadas para a reforma agrária, à demarcação de terras indígenas e ou quilombolas e à criação de unidades de conservação ambiental”, completou Umbelino.
Se por um lado a gestão Lula perde a última gota de bom senso quanto às decisões mais estratégicas para o País – Marina encarnava o que de mais progressista existia no governo – , por outro abre o flanco para que merecidas críticas sejam emitidas por boa parte do ambientalismo,que até hoje estava seduzido por cargos, comissões e pantomimas de participação com que Marina lhes cooptava.
Muito em breve, Carlos Minc, o novo titular do MMA, terá a oportunidade de provar qual será o seu raio de atuação no Ministério. Contudo, sua gestão na Secretaria Estadual do Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, agora durante o governo Cabral, mostrou que o pragmatismo é o seu forte – característica que, em tese, o aproxima do desenvolvimentismo radical do governo lulista, representado pelo plano de construir grandes hidrelétricas na Amazônia e usinas atômicas País adentro.
Na oposição, enquanto era deputado estadual pelo PT do Rio, Minc conseguiu aprovar uma lei que limita a expansão das monoculturas de eucalipto, reconhecidas pelo seus altíssimos impactos sociais e ambientais, no Norte do Estado. No governo, Minc abriu a discussão sobre uma eventual revisão da lei, o que atingiria, em especial, 14 municípios do norte e nordeste do Estado . Talvez esteja aí o prenúncio de lua de mel com o presidente. Afinal, a reversão de expectativas é o forte do governo Lula. Minc parece ser o melhor ministro para o neolula.
Carlos Tautz é jornalista e pesquisador do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas.
Artigo originalmente publicado pelo Blog do Noblat, 15/05/2008.