Paul Singer e João Pedro Stédile: É preciso mudar as formas de produção e consumo
Reunidos no seminário Economia Solidária, Soberania Alimentar e Agroenergia, realizado em Maringá (PR), Paul Singer e João Pedro Stédile falaram da crise no preço do petróleo e dos alimentos, da expansão dos biocombustíveis e dos projetos para a agricultura familiar. Por Maurício Thuswohl, da Agência Carta Maior.
MARINGÁ – Os economistas Paul Singer (secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho) e João Pedro Stédile (membro da coordenação nacional do MST), foram convidados especiais do seminário Economia Solidária, Soberania Alimentar e Agroenergia, realizado na quinta-feira (8) em Maringá (PR), numa parceria entre a Unitrabalho, a Universidade Estadual de Maringá e o Sindicato dos Engenheiros do Paraná. Frente a uma platéia formada por agricultores familiares, assentados, técnicos, professores e representantes do poder público, Singer e Stédile abordaram temas como biocombustíveis, aquecimento global, crise na produção de alimentos, alta do preço do petróleo e organização da agricultura familiar, entre outros.
Leia a seguir os principais trechos das intervenções de João Pedro Stédile e Paul Singer no seminário realizado em Maringá:
Contexto econômico da agricultura mundial
Stédile – Estamos em uma nova fase do capitalismo, na qual os setores mais dinâmicos de controle são os bancos e as grandes empresas transnacionais que controlam os ramos de produção em nível global. O neoliberalismo, em termos de modelo econômico, significa que agora as economias do mundo estão dirigidas pelos bancos e empresas, esse é o novo poder econômico dos capitalistas. Nos últimos 15 anos, o capital fez esse movimento de construir grandes empresas para dominar todos os setores da economia. Luz elétrica, telefone, transporte, fábricas, etc, está tudo sob o controle desse capital estrangeiro e internacional. Isso provocou grande mudança, pois nos últimos 15 anos as empresas passaram a controlar toda a produção agrícola mundial. Atualmente, não mais que 40 empresas controlam toda a produção de sementes, de fertilizantes químicos e de grãos, além do comércio desses grãos e da agroindústria (transformadora dos produtos alimentícios), ao ponto que hoje o preço dos produtos agrícolas não é mais determinado por cada agricultor em cada país, mas determinado pelo controle monopólico que essas empresas fazem em nível internacional.
As empresas manipulam os preços de acordo com seu interesse de manter sempre altas taxas de lucro. Essas empresas vieram para os países do terceiro mundo, se aliaram aos grandes produtores de terra e estes se subordinam a essa forma de produção agrícola. O capital entrou com a terra e com a espoliação do meio ambiente através da aplicação de altos índices de agrotóxicos e da produção intensiva. Além disso, o capitalista explora os trabalhadores rurais brasileiros. Os explora por um salário ridículo se comparado a Estados Unidos, Europa, México, etc. O agronegócio é a nova forma de o capitalismo controlar a produção. Não tem mais espaço para a agricultura familiar e camponesa, eles não precisam mais de nós, eles conseguem aumentar a produção de leite, soja, etc, sem os camponeses. Estes, têm como opção ir para as grandes cidades ou aceitar políticas de compensação social recomendadas pelo Banco Mundial, como bolsa-família, bolsa-gás, bolsa-frango, etc. Isso fere a dignidade dos camponeses. É como se dissessem: os camponeses estão excluídos, mas não os vamos deixar morrer de fome.
Singer – Os alimentos começaram a subir em 2006. O que está acontecendo é que, em diversos países, a chamada classe c deixou de comer comida de milho e trigo para comer carne e laticínios. O consumo de carne no Brasil aumentou 70%, e o mesmo acontece hoje na Índia. Quando comemos cereais, nós comemos a planta. Quando comemos carne, consumimos as duas coisas, a carne e a planta, mas o problema é que precisamos de sete quilos de cereal para obter um de carne bovina. A demanda por alimentos subiu, e isso exige muito mais terra, sol, água e trabalho humano.
As pessoas querem ter o padrão de vida que a propaganda indica como sendo o padrão dos vencedores. Há escassez de alguns alimentos, e se pergunta por quê não aumentar a produção. Deixar os alimentos escassos ao sabor do mercado é matar gente de fome. Já aconteceram motins por causa disso e outros acontecerão. Um exemplo é a revolta dos mexicanos com o aumento do preço da tortilha causado pela utilização do milho para produzir etanol. Essa crise é uma crise de fome, uma coisa que aparentemente havia sido eliminada. A ONU já fala que as Metas do Milênio para erradicar metade da fome no mundo podem voltar atrás. Se começarem a negar comida, os pobres vão ter que conseguir à unha, ou começar a saquear, como na Argentina. Recordo Celso Furtado e seus escritos clássicos sobre o mito do desenvolvimento. Se formos elevar o mundo ao padrão de consumo do americano médio, romperemos limites da natureza. Esse cenário, que Celso pintou em 1974, está se realizando em 2008.
Aquecimento global
Singer – Se nós quisermos ter uma vida mais longa e de maior qualidade, o padrão de consumo no mundo vai ter que mudar, inclusive para brasileiros, indianos e chineses. Teremos que fazer um só automóvel levar mais gente, criar bolsões de bicicleta e ciclovias, entre outras coisas. O aquecimento global deve ser contido o mais depressa possível. Todos temos algo a fazer, apesar de o aquecimento ter sido causado pelo uso irresponsável dos recursos naturais pelo grande capital. Teremos que voltar a uma dieta de cereais. Seremos condenados à fome se não mudarmos nossa forma de alimentação.
Stédile – Os problemas são tão grandes que a sociedade tem que tomar uma decisão: ou muda ou vai para o brejo. Alguns problemas ficaram mais claros e estão sendo mais bem percebidos pela sociedade. Em São Paulo, morrem no inverno 80 pessoas por semana de doenças pulmonares causadas pelos automóveis. Cientistas advertem que, se o aquecimento global aumentar mais, vai trazer um desequilíbrio na vida do planeta que pode levar inclusive a uma catástrofe do ser humano. Um grande problema é a falta de acesso à água potável para a maioria dos seres humanos. Setenta por cento da água potável do planeta é utilizada para irrigar o agronegócio e só 30% é destinada aos animais e às pessoas.
Petróleo e Biocombustíveis
Stédile – Vivemos o problema da escassez do petróleo, o preço sobe por efeito da especulação feita pelo capital financeiro que corre para comprar petróleo nas bolsas. Outro fator é que os três maiores produtores do mundo, que são Irã, Rússia e Venezuela, estão contra os EUA Uma aliança entre as empresas petroleiras, automotivas e o mercado financeiro passou a estimular a produção de agrocombustíveis, como uma falsa forma de combate à poluição, para conseguir seus objetivos de manter a margem de lucro e a utilização do veículo individual. A produção de agrocombustíveis, por si só, não é solução. Não adianta combustíveis mais saudáveis se não trocar essa matriz de transporte individual. Agora querem usar a mesma terra para produzir os agrocombustíveis.
Os setores petroleiro, automotivo e do agronegócio vieram para o Brasil para produzir aqui, porque sol, água e terra não têm mais na Europa. Os capitalistas vieram com as malas cheias de dinheiro para comprar usina e terra e estimular a produção através do etanol da cana e do óleo vegetal da soja, na forma do agronegócio. Os produtores vão produzir e entregar para essas empresas levarem para o exterior. Nenhum país do mundo se desenvolveu explorando matéria-prima, e a expansão do etanol não vai significar isso para o Brasil. Estão construindo 67 novas usinas de álcool e vão passar de quatro para doze milhões de hectares de cana e etanol, que vai ser todo exportado.
Se acontecer mesmo dessa forma, a expansão do etanol será um enorme prejuízo para o povo brasileiro, provocando a desnacionalização das nossas riquezas naturais. O monocultivo da cana em Ribeirão Preto alterou a temperatura, o clima e o lençol freático da cidade. O etanol feito do monocultivo da cana altera o meio ambiente e, em longo prazo, traz as mesmas conseqüências do petróleo. Quanto mais tiver adubo químico, feito de petróleo, e agrotóxicos, mais vão aumentar as emissões. O agrotóxico glifosato tem três destinos: a terra, a água ou o nosso estômago. Em São Paulo, a cana já substitui o feijão, o milho, etc. Em outros lugares, já está empurrando a pecuária para a Amazônia.
Na área de óleo vegetal, não estão interessados na exportação. Justiça seja feita, o Programa Nacional de Biodiesel foi criado para dar uma alternativa à agricultura familiar. Mas, até agora o programa não cumpriu seu objetivo original, que é produzir a partir de outros tipos de plantas, como mamona, mandioca, batata-doce.
Singer – A crise dos alimentos é causada pelo preço do petróleo, que está num patamar que ninguém poderia imaginar. Pela lógica do mercado, quando um produto fica escasso e a demanda cresce é preciso aumentar a produção. Mas, a produção não está crescendo, pois isso possivelmente não convém ao capital internacional. O petróleo hoje é um limite econômico para a expansão. Países que estão crescendo muito, como China, Índia e Brasil, estão transformando boa parte de sua população pobre em classe média. A chamada classe c, nos últimos anos, teve um crescimento espetacular nesses países.
O preço dos alimentos cresce muito, e isso tudo é causado pela demanda de petróleo. Tem muita queima e a produção não acompanha. O papel do capital financeiro é jogar com o aumento de preços, e já dizem que o barril de petróleo vai para 200 dólares. A especulação atual se intensifica porque também é interessante para as empresas e companhias de seguro comparem o petróleo agora, porque daqui a seis meses o preço do produto estará ainda maior.
Agricultura familiar e agroenergia
Singer – Estudos da ONU comprovam a multifuncionalidade da agricultura camponesa, da agricultura familiar. A monocultura é a principal responsável pela perda de terra e água e pela nossa incapacidade de atender à demanda por alimentos. Hoje, vemos o uso dos agrotóxicos em várias extensões, e não existe água em vários lugares de terra arável. Você não consegue fazer a monocultura sem usar muito agrotóxico. É preciso acabar com a agricultura capitalista mundial, com a monocultura, e fazer uma agricultura familiar em escala ecológica. Temos que mudar radicalmente a forma de produzir os nossos produtos.
O que a humanidade está pedindo é uma nova revolução agrícola, diferente da Revolução Verde sobre a qual se basearam os conceitos do agronegócio. O passado se tornou o futuro, e hoje aqueles que detiveram os conhecimentos da agricultura ecológica são a nossa esperança. A agricultura familiar hoje é mais rentável do que a agricultura quimificada. Os insumos ficaram muitos caros por causa do preço do petróleo. A agricultura familiar é menos nociva para o meio ambiente e mais segura para os trabalhadores do que o agronegócio. Estamos numa baita crise, mas nós sabemos o caminho para sair dela. Precisamos de políticas nacionais e internacionais que regulem a forma de usar o solo e a água. Não é para outra geração, é para ontem. Os agricultores familiares são a nossa esperança.
Stédile – Temos que implementar projetos da classe trabalhadora. É possível produzirmos agrocombustíveis de uma forma mais equilibrada no meio ambiente, sem substituir os alimentos, mas também potencializando a produtividade dos alimentos. Os resíduos da produção podem ser usados como fertilizantes ou alimento para o gado. Isso só pode ser feito se o agricultor destinar apenas uma parte de suas terras para a agroenergia, e ao mesmo tempo, construir pequenas usinas. Fazer de forma cooperativada, ser dono de uma micro-usina, que pode ser feita pelas cooperativas de metalúrgicos, o que seria, inclusive, um exercício de complementaridade. Assim, podemos produzir energia sustentável, que dê mais renda e cidadania. Temos que criar em cada município pólos de produção de energia para que o agricultor familiar não dependa mais da Petrobras. Se fizermos isso em todo o Brasil, vocês vão ver que o povo vai se apoderar. Não existe independência política e econômica sem soberania alimentar. Precisamos produzir nossa própria energia.