No mundo, a era da comida barata ficou para trás, dizem especialistas
Aumento de custos como o de fertilizantes impede a queda nos preços
O brasileiro já sente no bolso os efeitos da crise global dos alimentos: aqui e no resto do mundo, a era da comida barata ficou para trás. Os preços de alimentos como arroz, feijão, carne e óleo de soja recuperaram a alta, após mais de uma década de estabilidade no Brasil. E, segundo especialistas, tratase de um caminho sem volta. Por Fabiana Ribeiro e Luciana Rodrigues, do O Globo, 11/05/2008.
Ou seja: o consumidor terá de se acostumar – e se adaptar – a um novo patamar de preços.
– Há produtos que não sofriam aumentos há 15 anos.
Frango a R$ 1 vai ficar na memória do brasileiro – disse José de Sousa, presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios do Rio. O presidente da Associação dos Supermercados do Estado do Rio (Asserj), Aylton Fornari, lembra que o consumo interno de alimentos está muito próximo da produção. Caso do feijão: serão 3,4 milhões de toneladas em 2008, segundo o IBGE – quase o mesmo volume consumido pelos brasileiros.
– O encarecimento começou com algumas commodities, num claro reflexo de uma economia globalizada. Mas esse movimento se ampliou entre os alimentos – disse Fornari, acrescentando que as expectativas são positivas para as próximas safras de grãos, o que pode ajudar a controlar os preços nos próximos meses.
Nos últimos dois anos, os preços dos alimentos em dólar subiram 60% no mercado mundial, lembra Geraldo Barros, da Esalq/USP. Ele destaca que o Brasil sofreu bem menos porque, nesse mesmo período, o dólar caiu 18% frente ao real.
Fertilizantes subiram até 100% em dólar Mesmo que o Brasil amplie o plantio, não haverá espaço para queda significativa de preços, aqui e no mundo, porque os custos de produção aumentaram muito, afirma Anderson Gomes, da consultoria Céleres. Os fertilizantes, em alguns casos, subiram 100% em dólar no mercado brasileiro. É conseqüência direta da alta do petróleo: a produção desses insumos é muito intensiva em energia, explica Gomes. E uma ampliação na oferta de fertilizantes não significaria queda nos preços: – Fertilizantes são recursos minerais, escassos. Quanto mais se usa, mais caro fica o custo de produção, porque é preciso ir mais fundo nas minas. Na cadeia de defensivos químicos, quando o petróleo sobe, o impacto é imediato – diz Galvão.
Mauro Lopes, da FGV, lembra que toda a cadeia agrícola está cada vez mais associada ao preço do petróleo. Ele ressalta que a agricultura brasileira roda a diesel: – E quem paga a conta acaba sendo o consumidor. Há, sem dúvida, um clima de pânico. Nos EUA, as donas de casa estocam arroz, mesmo num país onde arroz não é muito consumido.
Lopes pondera, no entanto, que os preços brasileiros não estão nos níveis europeus: – Na França, cortes nobres como faux filet, entrecôte e rumsteck custam 21,95 euros o quilo. O quilo do carro Audi A3 vale bem menos do que isso.
Barros, da USP, explica que houve uma mudança de preços relativos, e os consumidores terão que se habituar a gastar mais com alimentos e menos com outros bens.
Consumidor muda hábitos para lidar com preços altos Segundo Mauro Andreazzi, gerente de pesquisas agrícolas do IBGE, o comportamento recente dos preços no Brasil reflete o desconforto em relação a oferta e demanda no país. Ele cita o arroz, cuja produção está abaixo do consumo.
– No momento, os estoques mundiais estão baixos. Mas o cenário pode melhorar: o preço mais alto estimula o aumento de produção e, em seguida, preços melhores para o consumidor.
Arroz, óleo de soja e carne encareceram a lista de compras da artesã Maria da Graça Matias, que gasta cerca de R$ 200 em alimentos por mês. A nova era provocou novos hábitos.
– Antigamente eu comprava pensando também na qualidade. Tenho usado muito macarrão para não ficar só no arroz. Mas está tudo tão caro que até substituir fica difícil. Tenho trocado carne por salsicha, para não gastar muito.
Diante de preços salgados, os especialistas não recomendam fazer estoques em casa. O consumidor pode fazer substituições – como trocar o arroz pela batata – ou mesmo reduzir o consumo de alguns itens.
Mesa mais cara
PRODUÇÃO E CONSUMO NO BRASIL
AUMENTO DOS CUSTOS
Entre abril de 2007 e abril de 2008
A agricultura depende muito de diesel. Para produzir uma safra com 1 tonelada, são consumidos 300 litros de diesel. Além disso, a produção de fertilizantes é intensiva em energia e, por isso, sobe proporcionalmente à alta do petróleo
Entre 2002 e 2008
Uma colheitadeira, que custava 5 mil sacas de soja em 2002, hoje custa mais de 10 mil sacas
Um trator, que custava 1,3 mil sacas de soja, hoje custa mais de 3 mil sacas
ESTOQUES MUNDIAIS BAIXOS
O mundo tem apenas 13% do consumo em estoque Apenas 19% do consumo de soja Apenas 16% do consumo de trigo