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Artigo

Os índios têm direito à demarcação de suas terras, artigo de Frei Gilvander Moreira

[EcoDebate] A Reserva Raposa Serra do Sol é chamada pelos nossos parentes indígenas “Nossa Terra-Mãe”; está situada no estado de Roraima, ao norte do Brasil, na fronteira com Venezuela e Guiana. Nela vivem 18.992 indígenas dos povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Patamona e Ingarikó, distribuídos em 194 comunidades. Ocupa 7% da extensão do estado de Roraima; antigamente era 100% habitada pelos povos indígenas. Vinte e um indígenas da “Nossa Terra-Mãe” já foram assassinados na luta pela demarcação de suas terras.

A afirmação de que a retirada dos seis rizicultores-invasores da “Nossa Terra-Mãe” iria afetar a economia do Estado não é verdadeira, pois é de conhecimento público que estes invasores são isentos do pagamento de impostos ao estado de Roraima até 2018 por serem beneficiados com a lei estadual N.º 215/98, alterada pela lei N.º 282/01 e atualizada pela lei N.º 399 de dezembro de 2003. Outra mentira é o argumento de que estes invasores geram muitos empregos quando na verdade os trabalhos realizados nas lavouras são mecanizados e a utilização de mão de obra é muito pequena.

A demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol não traz qualquer perigo à Soberania Nacional, pois conforme estabelece a Constituição Federal as terras indígenas são patrimônio da União e destinam-se a posse permanente dos povos indígenas cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Existem três pelotões do exército localizados na sede de Normandia, 6º PEF em Uiramuta e 3º PEF na sede de Pacaraima, não havendo, portanto, qualquer perigo ou ameaça à soberania nacional.

A situação da Raposa Serra do Sol arrasta-se por mais de 30 anos. Mesmo tendo sido homologada em 15 de abril de 2005, o sofrimento dos povos indígenas continua: casas e pontes queimadas, escolas destruídas, ameaças, devastação ambiental e um ambiente de insegurança diante da presença dos invasores brancos empresários.

Desde 2001 a FUNAI vem realizando o levantamento das indenizações por benfeitorias a serem pagas aos ocupantes não índios. Diante de tal procedimento administrativo, a maioria desses ocupantes tem saído da terra para assentamentos do INCRA. No entanto, um pequeno grupo de grande poder econômico tem resistido de maneira intransigente e violenta quanto às suas saídas da área.A primeira cobertura do jornalista Fábio Pannunzio, da TV Band, do tema da reserva indígena Raposa Serra do Sol foi um escândalo. Ele ouviu o governador do PSDB de Roraima e as lideranças dos “arrozeiros”, todos contrários à demarcação das terras indígenas, sem abrir espaço para a defesa da reserva. Entre outros absurdos, Fábio tentou apresentar a sociedade roraimense como reféns dos índios waimiris-atroaris, que fecham a passagem pela BR 174 à noite, para proteger suas áreas de caça. É incompreensível que a reportagem não tenha feito nenhuma menção à construção da BR 174.

O jornalista Antônio Carlos Fon recorda que a abertura da BR 174 é um dos episódios mais abafados, infames e sinistros da história das Forças Armadas brasileiras no período da ditadura militar. Encobertos pelo AI-5, os militares brasileiros cometeram um dos maiores genocídios da história mundial, muito pior que o dos armênios pelos turcos ou dos judeus pelos nazistas. Em 1968, quando começou a revolta dos waimiris-atroaris contra a abertura da BR-174, sua população era estimada em mais de 6.000 pessoas; em 1974, quando as forças armadas terminaram sua campanha de extermínio, eles eram menos de 500. Dessa guerra restaram, pelo lado dos waimiris-atroaris as lendas dos grandes chefes guerreiros Maiká, Maroaga e Comprido (nomes dados pelos brancos, na verdade seus nomes seriam, muito provavelmente, Sapata e Depini), todos mortos pelo exército.

O episódio mais infame dessa guerra, documentada por entrevistas gravadas pelo padre Silvano Sabatini com índios wai-wai, waimiris-atroaris e sertanistas e relatadas no livro “Massacre” (Edições Loyola, 1998) foi o bombardeio pela Força Aérea Brasileira de uma maloca em que os waimiris-atroaris realizavam uma festa ritual. Nas lembranças na história dos waimiris-atroaris o crime é definido como “maxki” (feitiço). O feitiço que caiu do céu era, na verdade, bombas químicas despejadas pela Força Aérea Brasileira – FAB – sobre um povo indefeso. As terras dos waimiris-atroaris abrigam entre outras riquezas a província mineral de Pitinga, uma das mais ricas do mundo e a maior jazida de cassiterita do planeta. É provável que esteja aqui o interesse do grande lobby econômico que não aceita a demarcação da reserva em área contínua. Ficaria mais complicado minerar a região em um futuro breve.Estamos diante do risco de um novo genocídio contra as populações indígenas de Roraima. A mídia está trombeteando uma nova campanha contra os povos indígenas brasileiros. A sociedade brasileira não pode aceitar que os índios tenham o mesmo fim dos cavalos selvagens de Roraima, que foram dizimados por tiros ou envenenados pelos fazendeiros que invadiram a região nas décadas de 70 e 80 do século XX.

Em 1981, uma edição especial da Revista “ISTO É” sobre as novas fronteiras agrícolas principais mostrava que os inimigos dos “arrozeiros”, na época chamados simplesmente de “gaúchos”, e que estavam chegando a Roraima levados pelo governador Ottomar de Souza Pinto, naquele tempo não eram os índios, mas as manadas de cavalos selvagens que invadiam as plantações de arroz para pastar.

Os “gaúchos” não eram chamados de “arrozeiros” porque plantavam, na verdade, brachiaria. Como o Banco do Brasil não financiava pastagens, a brachiaria era plantada consorciada com arroz. No primeiro ano, a produção de arroz explodia, enquanto a brachiaria começava a deitar raízes. No segundo, a produção se reduzia à metade ou menos, para praticamente desaparecer no terceiro, quando a pastagem tomava conta das terras. Aí os “gaúchos” reportavam a quebra da safra para negociar as dívidas com o Banco do Brasil. Quem quiser confirmar essa história, basta consultar os arquivos dos financiamentos do Banco do Brasil, em Roraima, na época.

Frei Gilvander Moreira, e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br

Belo Horizonte, 08/05/2008

Um abraço terno. Frei Gilvander Moreira
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