O clima, no meio dos vendavais, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Até amanhã estará sendo realizada em Brasília a III Conferência Nacional do Meio Ambiente, que tem como um de seus objetivos aprovar propostas que serão levadas ao Comitê Interministerial de Mudança do Clima, para serem incluídas no plano nacional dessa área. Segundo disse o ministro Celso Amorim na última reunião nessa área no plano internacional, “o Brasil aprimorou suas políticas e propostas para reduzir emissões, de uma forma que seja mensurável, verificável e aberta”. Há quem entenda que, com esse formato, o Brasil vá aceitar compromissos internacionais de reduzir suas emissões. Há quem entenda que não. A linguagem diplomática permite as duas interpretações. O plano deve ser conhecido no segundo semestre.
Seja como for, os participantes da conferência em Brasília têm diante dos olhos as últimas notícias dramáticas sobre desastres aqui e fora – dezenas de milhares de atingidos e desalojados por um ciclone extratropical no Sul do País; os dramas de centenas de milhares de vítimas de chuvas torrenciais em vários Estados nordestinos; mais de 1 milhão de pessoas atingidas por um ciclone em Mianmar, com dezenas de milhares de mortos; um tufão devastador na Coréia do Sul; em uma semana, em Goiás (no final de abril, tradicionalmente seco no Centro-Oeste), o dobro das chuvas previstas para o mês; problemas com o clima para colheitas no Sul e no Cerrado.
Não há hoje como não relembrar as palavras do ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan de que mudanças climáticas e insustentabilidade dos padrões universais de produção e consumo, já além da capacidade de reposição planetária, “ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana”. Nos últimos dias, dois pronunciamentos agravaram esse quadro sombrio. Sir Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, consultor do governo britânico, que em 2006 já assustara o mundo com sua previsão de que temos uma década para enfrentar as mudanças do clima, sob risco de provocar uma depressão “pior que a da década de 1930”, disse agora que naquele diagnóstico foi “excessivamente otimista”; que o prazo é menor; é preciso que os países mais ricos comecem a cortar já suas emissões, para chegarem a 2050 com uma redução de 80%; e os demais países (inclusive o Brasil, o quarto maior emissor) também precisam aceitar cortes. Foi secundado pelo principal especialista em clima no governo australiano (que até recentemente recusava o Protocolo de Kyoto), Ross Garnaut, para quem é indispensável ter “pressa e austeridade” para “evitar uma grande depressão econômica”.
Na Alemanha, esta semana, em reunião da Carbon Expo, o secretário-geral da Convenção de Mudanças do Clima, Yvo de Boer, advertiu que as reduções de emissões precisam começar a se efetivar, no máximo, em 2015, para chegarem a 50% das emissões atuais em meados do século. Todos os países terão de aceitar metas, alertou. Até porque nas três últimas décadas as emissões na Ásia cresceram 230%, passaram de um décimo para um quarto das emissões totais. E continuarão aumentando. Como aumentaram nos EUA. Mas, se não houver reduções globais, a ONU prevê mais “fenômenos extremos” – secas intensas, ondas de calor, maior elevação do nível dos oceanos, mais furacões e ciclones. Março foi o mês mais quente desde 1850, em terra.
Apesar de tantas evidências, continua tudo muito difícil. John McCain e Hillary Clinton, candidatos à Presidência dos EUA – e dos quais pode depender o futuro da Convenção do Clima -, pressionam para que se elimine um imposto sobre o consumo de gasolina no país durante o verão. O país, que responde por um quarto das emissões totais no mundo, tem reduzido os estímulos (e o uso) para energias alternativas, como a solar e a eólica. A Rússia reafirma que não aceita metas de redução, assim como a China e a Índia.
Não espanta, assim, que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) diga que as áreas classificadas como “muito secas” no mundo dobraram desde 1970 e que já é “considerável” a perda de água nas montanhas do Hemisfério Norte, “afetando o fluxo hídrico”. As previsões para este século não são menos preocupantes, inclusive a de perda de parte dos recursos hídricos no Nordeste brasileiro. Até 2050 duplicarão as áreas “sujeitas a stress por mudanças do clima”. Segundo a revista Science, a elevação da temperatura do mar em regiões tropicais está criando “desertos submarinos”, que inclusive afetam a pesca. A Universidade de Tel-Aviv prevê que na área do Crescente Fértil, do Egito ao Oriente Médio, berço da civilização, o clima vai secar rios e inviabilizar a agricultura, com problemas graves para Síria, Iraque, Irã, Líbia, Egito, Israel. Pesquisadores ingleses prevêem uma elevação do nível dos oceanos bem maior que a admitida pelo IPCC (18 a 59 centímetros neste século). Países-ilhas do Pacífico, ameaçados de desaparecer, pedem socorro.
É nesse quadro que insistimos, aqui, em permanecer imersos na confusão. Voltam a crescer os desmatamentos na Amazônia (onde está a maior parte das nossas emissões por mudanças no uso do solo, queimadas e desmatamentos), em plena temporada de chuvas. E não se ouve uma palavra sobre o restante de emissões pelas mesmas causas fora da Amazônia, principalmente no Cerrado. Ao mesmo tempo, operações policiais em Mato Grosso demonstram a temeridade de repassar a competência federal para autorizar desmatamentos a governos estaduais (vários dos detidos pertencem ao sistema estadual de licenciamentos). Cortamos impostos sobre o consumo de combustíveis fósseis (sem que o assunto seja sequer discutido!). E nem mesmo conseguimos fazer uma demonstração competente ao mundo de que não é o etanol da cana-de-açúcar o responsável pelo aumento do preço dos alimentos no mundo, que tem muitos outros vilões (assunto para outro dia).
Conseguirá a Conferência Nacional do Meio Ambiente impor outros rumos?
Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 09/05/2008