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Carta pede rejeição de propostas que impactam Amazônia

Articulação de ONGs ambientalistas e movimentos sociais do campo entrega documento que repudia projeto de lei que reduz a reserva legal na Amazônia e condena medida provisória do governo que facilita compra de terras públicas Por Maurício Hashizume, da Agência de Notícias Repórter Brasil.

Pela rejeição de propostas legislativas que “ameaçam as florestas, a biodiversidade, a natureza, o modo de produção camponês e de comunidades indígenas, a água, o patrimônio público, os direitos sociais e as conquistas históricas do povo brasileiro”, movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs) entregaram uma carta aberta, nesta terça-feira (6), aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Propositores do documento – entre eles o Greenpeace e a Via Campesina – se mobilizam contra a aprovação de matérias como o Projeto de Lei (PL) 6.424/05 – que reduz a exigência de reserva legal (área de preservação de mata nativa) de imóveis localizados na Amazônia de 80% para 50% da área – e a Medida Provisória (MP) 422/08, que dispensa a licitação para a aquisição de terras públicas com até 1,5 mil hectares. O PL 6.424/05 tramita na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e pode ser aprovado em caráter conclusivo; a MP 422/08, editada pelo governo federal em 26 de março, passa a trancar a pauta da Câmara no dia 10 de maio.

Na opinião de Luiz Gomes, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina, organizações que apioiam a Carta Aberta em Defesa da Amazônia e dos Direitos do Povo, o problema central dess conjunto de proposições é um só: todas elas visam principalmente garantir a expansão das fronteiras amazônicas para o agronegócio.

Face ao contexto de aceleração do desmatamento da Amazônia – revelada por dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e depois confirmada por monitoramentos posteriores -, assentados da reforma agrária e ONGs ambientalistas, prossegue Luiz Gomes, foram colocados na berlinda por meio de interpretações veiculadas pela imprensa comercial e por meio de declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a questão.

“É preciso ficar claro que o desmatamento está vinculado justamente à expansão do agronegócio, baseado na grilagem de terra e em outras ilegalidades”, explica o representante do MST, que fez parte da comitiva. “Queremos um desenvolvimento da Amazônia que inclua quem vive na floresta. Sem a expulsão de agricultores familiares, índios, populações tradicionais e ribeirinhas”, complementa.

Além do PL 6.424/05 e da MP 422/08, a carta aberta entregue ao deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e ao senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) condena ainda a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 49/2006, que reduz a faixa de fronteira nacional de 150 km para 50 km e facilita a compra de propriedades por empresas estrangeiras na região, e os Decretos Legislativos 44/2007 e 326/2007, que sustam efeitos do Decreto 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para titulação das terras quilombolas.

Consultor de políticas públicas do Greenpeace e ex-deputado federal, João Alfredo Telles Melo esclarece que a entrega do documento faz parte de uma campanha mais ampla que está sendo articulada com outros segmentos, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). “A carta busca fortalecer uma pressão de fora para dentro do Congresso para barrar principalmente o Floresta Zero [como o PL 6.424/05 está sendo chamado pelos participantes da campanha] e o PAG – Plano de Aceleração da Grilagem [alcunha recebida pela MP 422/08]. Mas queremos ampliar as alianças”.

Situação no Parlamento
De acordo com Luiz Gomes, do MST, o presidente da Câmara manifestou a intenção de instalar uma comissão especial para discutir questões como a devastação da floresta e a grilagem de terras na Amazônia. A comitiva que entregou a carta aberta relata que Arlindo Chinaglia chegou a taxar o PL 6.424/05 do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), que altera os limites estabelecidos pelo Código Florestal, como “Estatuto do Desmatamento”.

O presidente do Senado, Garibaldi Alves, segundo o representante do MST, dispôs-se a abrir espaço para a discussão da MP 422/08 citada na carta, que chegará às mãos dos líderes de bancadas. O conteúdo do documento também será divulgado durante a Conferência Nacional de Meio Ambiente, que começa nesta quarta-feira (7) e vai até sábado (10). A série de mobilizações deve culminar em ato público na Semana do Meio Ambiente, em junho.

Audiência pública na CMADS para a discussão do PL 6.424/2005 está marcada para esta quinta-feira (8). “Percebemos que o projeto que revê o Código Florestal e permite a diminuição da Reserva Legal ainda permanece como um assunto para especialistas. Os ruralistas são ideologicamente a favor da matéria, mas a grande maioria dos deputados não sabe do que se trata”, avalia Luiz Gomes. “Já a MP que acelera a grilagem, por ser praticamente uma cópia de um projeto de lei [PL 2278/07,] de autoria do deputado Asdrubal Bentes que já tramita na Casa, pode enfrentar mais resistências”.

Posição do governo
Em entrevista publicada no Diário Oficial da União, o diretor de ordenamento da estrutura fundiária do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Roberto Kiel declara que, com a implementação da proposta, o governo federal “agiliza definitivamente a regularização das pequenas e médias posses rurais, já consolidadas há vários anos e situadas nas áreas antropisadas da Amazônia” e “fixa seus detentores, sem expor estes pioneiros a uma concorrência desleal do agronegócio do centro-sul do país”.

Antes da MP, salienta Kiel, o Incra tinha que vistoriar cada posse entre 500 hectares e 1,5 mil hectares para avaliar a terra nua e as benfeitorias. A terra nua era licitada e a licitação era controlada para que o ocupante recebesse o dinheiro das benfeitorias (caso não ganhasse a licitação, ou não exercesse seu direito de preferência). Agora, as posses são apenas vistoriadas conforme o grau de utilização da terra (GUT). O posseiro que detinha a posse antes de 2004 na Amazônia Legal e “que está produzindo; que está respeitando a legislação ambiental, ou apto a corrigir seus problemas; que está respeitando a legislação trabalhista; e que está mantendo sua posse de forma pacífica, aceita pela comunidade” está apto a ser atendido pela MP, segundo o governo.

“Aquele que ocupou ilegalmente terra pública – e aqui não são pequenos posseiros, mas grandes fazendeiros – vão ser premiados com a legalização de seus “grilos”, o que, certamente, ensejará a aceleração do processo de destruição da floresta amazônica”, retrucam ONGs ambientalistas e movimentos camponeses que assinam a carta aberta.

O pagamento das terras públicas pode ser feito em até cinco anos. E o título do imóvel não pode ser revendido por um período de dez anos. “A burocracia de uma licitação foi dispensada e, a avaliação da posse ficou mais simples, multiplicando, no mínimo, por três a nossa capacidade operacional”, garante -cheio de confiança – o diretor do Incra. “Esta medida, que será acompanhada de financiamento da produção e de fiscalização ambiental, dentro de poucos anos, não só terá sido muito positiva para o desenvolvimento da Amazônia, como terá contribuído de forma definitiva para preservar e restaurar a floresta amazônica, reduzindo e em muitas regiões, eliminado o desmatamento ilegal, o trabalho infantil e escravo, a grilagem e a violência no campo”.