Caso Dorothy: a justiça alcança os poderosos? artigo de Rogério Almeida
Adital – A Justiça no Brasil somente alcança negros e pobres, ratifica o dito popular. Na noite de ontem, 06 de maio, em Belém, Pará, a máxima se fez mister ao ser absolvido o fazendeiro Vitalmiro de Bastos, vulgo Bida, acusado de ser um dos encomendadores do assassinato da missionária Dorothy Stang.
Outro parceiro no empreendimento do silencio da missionária estadunidense é o fazendeiro Regivaldo Galvão, vulgo Taradão, que se encontra em liberdade. O crime ocorreu em fevereiro de 2005, no município de Anapu, sudoeste do Pará. A máxima de organização de consórcio de fazendeiros e madeireiros para a eliminação de desafetos é denúncia de velha data dos que se alinham na defesa da reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos na Amazônia.
Isso desde a década de 1980, quando se deu com desenvoltura o maior número de chacinas na Amazônia, em particular nas terras do Pará, com ênfase no sudeste do estado. O número que beira a casa dos 800, e que pouca indignação provoca nos meios de comunicação, continua impune em quase sua totalidade. O número pode ser maior, esses casos são os que a Comissão Pastoral da Terra (CPT), conseguiu registrar.
Dos parcos casos de mandantes que conseguiram ir a julgamento, sete, não há nenhum fazendeiro preso. Bida era o único. Condenado a 30 anos no primeiro julgamento, Bida, através das brechas da Lei teve direito a um segundo julgamento, que o absolveu. Antes de aportar na região do Xingu, Bida já fez estágio no município de Cumaru do Norte, sudeste do estado.
A região xinguana hoje se revela como foco de maior tensão na disputa pela terra e os recursos naturais, na região conhecida como Terra do Meio. Outros assassinatos precederam o crime contra a missionária Dorothy. Como os casos das mortes dos sindicalistas, Ademir Alfeu Federicci, Dema, morto em 2001. E ainda a execução antecedida de sessões de tortura de Bartolomeu da Silva, conhecido como Brasília, em 2002. Todos continuam impunes.
Mesmo após o célere processo que condenou o baixo clero do assassinato da missionária de 73 anos, os aliados de Dorothy seguiram denunciando o cenário de insegurança na região, com outros religiosos ameaçados. Com a liberdade dos dois acusados de mando, a tensão ganha maior proporção.
Há irregularidades nos bastidores do processo no novo julgamento? O promotor de acusação Edson de Souza, em entrevista a uma TV local informou que irá recorrer da sentença. Uma outra informação disparada pelo promotor trata-se da denúncia de facilitação para a entrada de uma equipe de uma produtora de vídeo da capital para a coleta de depoimento no presídio do intermediário do crime, Amair Cunha, e que foi usado durante o julgamento.
O mediador entre os fazendeiros e os pistoleiros ao contrário do primeiro julgamento voltou atrás, e negou a participação dos fazendeiros. Souza avalia que o desmentido confundiu o júri e resultou num desfecho que surpreendeu a todos. A tática de construção de mediador na morte de desafetos dos grandes proprietários de terras na Amazônia também possui velha data. Advogado da CPT, Batista Afonso, já externalizou em várias oportunidades a questão.
Sob as luas e os sóis que velam a impunidade nas terras da Amazônia a expectativa é que outras mortes virão em breve.
Rogério Almeida, Mestre em Planejamento do Desenvolvimento Regional e colaborador do Fórum Carajás, do Ecodebate e do Ibase, entre outros. É autor do livro Araguaia-Tocantins: fios de uma História camponesa.
Artigo originalmente publicado pela Agência de Informação Frei Tito para a América Latina – Adital