Ar mais limpo no Hemisfério Norte provoca seca intensa na Amazônia
Estudo publicado hoje mostra que poluição mascara o aquecimento porque reflete a radiação do Sol de volta ao espaço
Secas como a enfrentada pela floresta amazônica em 2005, considerada uma das piores dos últimos cem anos, poderão passar a ocorrer ano sim, ano não já a partir de 2025 e se tornar a norma para o clima da região de 2060 em diante. Um motivo é conhecido: as emissões de gases causadores do efeito estufa. O outro é inusitado: o ar cada vez mais limpo do Hemisfério Norte. Por Carlos Orsi, Cristina Amorim e Alexandre Gonçalves, do O Estado de S.Paulo, 08/05/2008.
Trabalho publicado hoje na revista Nature (www.nature.com) aponta que o lançamento de poluentes na atmosfera, especificamente de partículas de enxofre pelas usinas termelétricas dos Estados Unidos e da Europa nos anos 1970 e 1980, ajudava a contrabalançar o aquecimento global gerado pelo efeito estufa.
A poluição, sob a forma de sulfatos – compostos de enxofre e oxigênio -, mascara o aquecimento porque, em suspensão na atmosfera, reflete a radiação do Sol de volta ao espaço. De acordo com o estudo da Nature, sem os sulfatos para funcionar como “sombrinhas” sobre o Oceano Atlântico, as águas se aquecem mais ao norte, o que acaba atraindo para longe da floresta a umidade que cairia como chuva, no período de julho a outubro.
Evidentemente que, se é verdade que o “guarda-chuva sujo” faz falta à Amazônia, também é fato que a política correta é reduzir essa poluição. “Ela pode provocar chuva ácida. Partículas em baixa altitude geralmente são ruins para a qualidade do ar e, portanto, para a saúde humana. Reduzi-las é a coisa certa a fazer”, diz o principal autor do trabalho, o pesquisador britânico Peter Cox, da Universidade de Exeter. “Mas esses aerossóis de sulfato também vinham compensando uma boa parte do aquecimento global causado por gases do efeito estufa.”
“A faixa de chuvas intensas nos trópicos acompanha a parte mais quente do Oceano Atlântico”, explica Cox. “Quando a seção tropical do Atlântico Norte fica anormalmente quente, essa faixa se desloca para o norte e para longe de boa parte da Amazônia.”
Além de britânicos, o trabalho contou com a participação dos pesquisadores brasileiros Carlos Nobre e José Marengo, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. “Quando unimos aerossóis e gases-estufa, a seca pode acontecer em 9 de 10 anos a partir de 2060”, diz Marengo.
Artigo publicado na revista Science em 2007 apontava um aumento no verde da floresta durante a seca de 2005, indicando que ela tinha conseguido aproveitar bem o excesso de radiação solar trazido pela falta de nuvens, sem se abater com a perda de umidade. Mas não há garantia de que esse efeito possa se manter ao longo de uma seqüência de secas, adverte Cox. “Algumas árvores têm raízes muito profundas, que lhes permitem sobreviver por alguns poucos anos secos consecutivos”, explica. “Mas aqui estamos falando de uma mudança de longo prazo para uma Amazônia mais seca e, nesse caso, até mesmo as raízes mais profundas finalmente ficarão sem a umidade do solo.”
ESCUDO DE SULFATO
O químico Paul Crutzen, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Química de 1995 por seu trabalho sobre camada de ozônio, chegou a sugerir que a humanidade deveria espalhar sulfatos nas camadas mais elevadas da atmosfera, criando assim um escudo artificial contra o aquecimento global.
Cox não sabe se seria boa idéia. “É crucial que passemos pelas simulações científicas apropriadas antes que alguém tente fazer uma geoengenharia de larga escala no sistema climático.” Para Marengo, “a solução não seria aumentar o índice dos aerossóis, mas reduzir os gases-estufa”.
O diretor do Laboratório de Poluição da USP, Paulo Saldiva, não questiona a ação das partículas no atenuamento do efeito estufa. Mas lembra sua repercussão nociva na saúde. “Um aumento de 10 microgramas de material particulado por m3 de ar diminui em um ano o tempo médio de vida em uma comunidade”, diz.