Clima e Desmatamento: Desmatamento na Amazônia
Há muito se alardeiam valores inestimáveis da maior floresta tropical do mundo. Fala-se no valor de sua diversidade biológica para a cura de doenças graves, nos bilhões creditados à madeira, bem como no potencial de geração de renda do manejo sustentável dos recursos florestais, especialmente quando feito por pequenas comunidades. Apesar desse valor presumido, o desmatamento segue em ritmo alarmante – em média 2 milhões de hectares de florestas por ano -, seguindo a tendência dos últimos 20 anos. É fato que já há mercados para os produtos da Floresta Amazônica, os quais são extremamente importantes. No entanto, parece ainda muito pouco para impulsionar atividades capazes de competir com atividades produtivas dependentes do desmatamento. Do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
O desmatamento tropical é resultado da integração de diversos fatores diretos e indiretos que variam ao longo de um eixo geográfico e temporal (anual) tornando-o um fenômeno complexo. E, pelo que tudo indica, no mundo globalizado, a floresta continuará perdendo espaço para outros usos da terra, em especial a agropecuária. Essas causas, que parecem ser as mesmas nas diferentes regiões do planeta, podem ser compreendidas através do exemplo da Floresta Amazônica brasileira.
Na fase moderna de ocupação da Amazônia, que teve início na década de 1960 com a construção de estradas ligando o Centro Sul à região Norte, o desmatamento foi um reflexo do modelo desenvolvimentista e de integração dos países. No Brasil, essa integração se caracterizou pela execução de grandes projetos de colonização e mineração, além dos incentivos fiscais para os grandes projetos agropecuários.
Hoje, a Amazônia encontra-se em uma segunda fase de ocupação, onde os incentivos fiscais têm um papel reduzido e a rentabilidade de atividades extrativistas (extração madeireira) e agropecuária está impulsionando a expansão e transformação da fronteira agrícola.
O desmatamento na região pode também ser encarado como um reflexo da economia nacional e, mais recentemente, internacional. Por exemplo, a dependência dos investimentos externos têm submetido a trajetória do desmatamento amazônico, ao longo dos anos, à dinâmica econômica vivida pelo país como um todo. Um bom indicador desse fato é a relação entre desmatamento e a evolução do PIB nacional. Assim, quanto maior o capital disponível na economia nacional, maior os investimentos na Amazônia que demandam desmatamento.
Mais recentemente, entre 2001 e 2002, o aumento da taxa de derrubada da floresta não pode mais ser explicado somente pelo aumento na taxa de crescimento do PIB. Uma nova ordem econômica na região, pela qual a taxa de desmatamento não está apenas atrelada ao estado da economia nacional, mas também mundial, está em curso. Nesse caso, o aumento da taxa pode refletir o crescimento do mercado internacional para os “novos” produtos amazônicos, como a carne bovina e a soja.
A escassez atual de terras para a expansão da agroindústria nos países do Hemisfério Norte aumenta a pressão pelas terras abundantes do Sul e, obviamente, inclui aquelas com florestas tropicais. Além disso, outros fatores potencializam a demanda por novas terras para cultivo. O desenvolvimento de tecnologias de cultivo de grãos, a criação bovina mais apropriada aos trópicos e a ocorrência de doenças, como a da vaca louca na Europa, geram condições favoráveis para que a carne produzida em pastos amazônicos ganhe preferência.
Até o momento, 65 milhões de hectares de mata – uma área que corresponde a quase duas vezes a do Estado de São Paulo – foram derrubados para a implementação de pastagens extensivas de baixa produtividade. Um terço da área coberta por essas pastagens – entre 15 e 20 milhões de hectares – encontra-se abandonado, mas, ainda hoje, 60% a 70% do desmatamento é feito para dar lugar a pastos de uso extensivo. Esse processo é feito sem gerar distribuição de renda, já que cerca de 43% da população da Amazônia possui renda per capita abaixo da linha de pobreza e 10% da riqueza regional está concentrada em 1% da população.
A soja, usada na fabricação de ração animal para abastecer o mercado chinês, adiciona pressão por novas áreas de cultivo. O aumento da demanda pelo grão também é resultado da proibição recente do uso de cadáveres bovinos na fabricação de ração animal em função do surto da vaca louca. Embora o zoneamento ambiental da cana-de-açúcar, previsto para meados de 2008, deva proibir o cultivo da planta na Região Amazônica e no Pantanal, a pressão para incluir essas regiões na produção de etanol também é grande.
De modo complementar, a redução dos subsídios agrícolas nos Estados Unidos e na Europa aumenta a busca por novas áreas de cultivo. Além disso, a variação cambial tem um papel importante no contexto de um mercado internacional associado à demanda por novas áreas de cultivo. Sob um real desvalorizado, o desmatamento tende a aumentar. Com um real mais forte ou com preços internacionais de soja e carne mais baixos, o desmatamento tende a sofrer retração.
Esse processo é reforçado ainda pelos programas governamentais e bilaterais de investimento em obras de infra-estrutura. As estradas que cruzam a bacia ligam a região ao Centro Sul do país, ao Oceano Pacífico, ao Caribe e, através do Rio Amazonas, ao Oceano Atlântico.
A combinação desses fatores determina os índices de desmatamento na Amazônia, embora a implementação de um processo de governança da fronteira nas áreas de desmatamento poder resultar em reduções significativas. Em 2004, devido à alta taxa de desmatamento – a segunda maior da história – o governo brasileiro lançou um pacote de medidas destinadas ao controle do desmatamento na Amazônia. Com isso, o desmatamento caiu de 27 mil Km2 (2003/2004) para aproximadamente 14 mil Km2 (2005/2006). No entanto, o governo contou também com fatores econômicos, como a queda de preço de soja e carne bovina no mercado internacional e uma valorização do real em relação ao dólar, tornando os produtos do agronegócio brasileiro mais caros e menos competitivos.
Quando o preço de algumas commodities, como a soja, voltou a subir no mercado de grãos, o Brasil voltou a enfrentar, pela primeira vez desde o início da implementação do Plano Nacional de Combate ao Desmatamento, em 2004, altas nos índices de desmatamento para 2007, segundo estimativas prévias divulgadas pelo governo federal em outubro deste ano. Isso demonstra que sem projetos de valoração da floresta é muito difícil estabilizar os índices de desmatamento, por mais esforços que sejam realizados.
O PLANO DE COMBATE AO DESMATAMENTO
Lançado em 2004, o Plano de Ação para a Prevenção e Controle ao Desmatamento na Amazônia Legal, foi uma das maiores tentativas do governo brasileiro para controlar o desmatamento. De maneira inédita, o plano envolveu 13 ministérios, contrastando com as tentativas anteriores, cuja coordenação ficava apenas com o Ministério do Meio Ambiente.
As ações do plano foram direcionadas para quatro atividades fundamentais: Ordenamento Fundiário e Territorial (instrumentos de ordenamento territorial com enfoque para política fundiária, unidades de conservação e estratégias de desenvolvimento local sustentável), Monitoramento e Controle (instrumentos de monitoramento, licenciamento e fiscalização de desmatamento, queimadas e exploração madeireira), Fomento a Atividades Produtivas Sustentáveis (crédito rural e incentivos fiscais; assistência técnica e extensão rural; pesquisa científica e tecnológica), Infra-estrutura (políticas de infra-estrutura, com enfoque para os setores de transporte e energia).
Em grande parte, a execução do plano foi deficiente devido à falta de recursos ou de seu repasse para que as metas fossem cumpridas. Entre as mais prejudicadas pela falta de recursos estavam as ações voltadas ao recadastramento e regulação fundiárias. Além disso, o envolvimento de alguns ministérios (da Agricultura, por exemplo) foi praticamente nulo. Por outro lado, algumas ações tiveram, aparentemente, influência significativa na evolução do desmatamento.
Entre elas, ações de monitoramento, com a criação do DETER (detecção de desmatamento na Amazônia em intervalos de 15 dias), trouxeram maior agilidade na prevenção e identificação do desmatamento. Ações, de caráter emergencial, mas intensivas, também foram levadas a cabo e envolveram de maneira inédita a Polícia Federal e o Exército. O governo ainda criou mais de 24 milhões de hectares em reservas extrativistas e unidades de conservação nos últimos anos, na tentativa de estabelecer barreiras ao avanço de fronteiras de desmatamento e, ao mesmo tempo, atender demandas sociais locais.
O custo de manutenção e proteção dessas unidades e os incentivos para que as reservas extrativistas tenham apoio para o desenvolvimento sustentável das mesmas ainda é uma barreira a ser superada. O governo também avançou, no sentido de ordenamento e de política pública, aumentando a área de manejo florestal certificado de 300 mil para 1,4 milhões de hectares e aprovando no Congresso Nacional o projeto sobre Gestão de Florestas Públicas. O aumento no rigor das exigências legais para obtenção de documentação para legalização de imóveis rurais, conseguido com a publicação da Portaria no 10 do Ministério do Desenvolvimento Agrário/Incra, também foi um passo importante.
Como conseqüência, o governo brasileiro vem creditando ao plano as recentes reduções nas taxas de desmatamento amazônico. Comparando-se a taxa de 2004 (2,72 milhões de hectares) com a registrada para 2005 (1,89 milhões de ha), o recuo na derrubada de florestas foi de 30%. Em boa parte, porém, esse recuo pode ter sido condicionado por fatores externos ao plano, principalmente aqueles ligados ao mercado internacional de grãos e carne. Os preços dessas commodities sofreram recuo no período, não exigindo que novas áreas de florestas fossem convertidas em plantações e pastos.
Em todo caso, em muitas localidades, o recuo do desmatamento da ordem de 90% é difícil de se explicar somente pela ação de preços de grãos e carne. Um exemplo são as reduções observadas nas taxas de desmatamento ilegal em unidades de conservação. E os últimos números, divulgados em dezembro de 2007, confirmam essa tendência.
O desmatamento na Amazônia entre agosto de 2006 e julho de 2007, estimado em 11.224 km2 pelo sistema Prodes (Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônia Brasileira por Satélite), caiu em 20% em relação ao período 2005-2006, registrando uma queda acumulada de 59% nos últimos três anos. O número é muito próximo ao menor já registrado (11.030 km2, em 1991) desde o início do monitoramento do desmatamento na região, em 1988.