Brasil não tem como ficar imune à crise dos alimentos, dizem analistas
RIO – Mesmo não dependendo da importação de alimentos, o Brasil não tem como ficar a salvo da crise de preços que afeta esses produtos, porque quase todos eles seguem a cotação internacional. Ou seja, quando o preço sobe lá fora, tende a subir aqui dentro também, porque caso o mercado interno não aceite pagar, o produtor tem a opção de exportar. Essa é a opinião dos analistas ouvidos pelo GLOBO ONLINE sobre a questão que está sendo discutida no mundo inteiro. Do O Globo Online, em 30/04/2008 às 08h32m.
– Somos tomadores de preços. Quem forma os preços é o mercado internacional, porque se o mercado interno não pagar, o produtor vai exportar. E se houver restrição à exportação, o que não foi cogitado, há um desestímulo à produção com prejuízos à próxima safra – diz Paulo Morcelli, gerente de alimentos básicos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
No mercado externo, os alimentos passam pelo que os economistas definem como crise de preços. Significa que não há falta de produtos, mas uma valorização provocada com uma combinação de fatores que vêm se combinando como uma bola de neve. Um dos principais é o aumento do consumo mundial, puxado por países como China e Índia. É a chamado aumento da demanda por alimentos.
Outro fator é a queda da cotação do dólar que fez com que as moedas internas de vários países ganhassem maior poder de compra nos mercados internacionais, o que também aumentou a procura por alimentos. Nesta mesma linha, a crise das bolsas americanas e a conseqüente redução dos juros naquele país provocaram uma migração das aplicações financeiras para títulos ligados a commodities agrícolas.
Crise dos alimentos Essa pressão sobre os preços é a que os economistas chamam de inflação especulativa, ou seja, os preços dos alimentos passam a ser alvo de apostas em bolsas, como ocorre com as ações. Além disso, houve impacto do clima sobre safras em diversos países e o aumento da energia, sobretudo petróleo, que influencia e é usado como combustível no maquinário agrícola, no transporte e na produção de fertilizantes. É a alta de preços provocada por custo de produção.
– A gente está vivendo um problema com os alimentos, os preços estão subindo muito e não dá para fazer de conta que não está. Há um componente especulativo, a demanda está muito aquecida, mas o custo de produção agrícola, que tem participação relevante nos preços está muito elevado – diz Amaryllis Romano, especialista em commodities da Tendência Consultoria.
Na terça-feira, o ministro da Economia, Guido Mantega, disse que a elevação no preço dos produtos é um fenômeno que está ocorrendo em todos os cantos do mundo atualmente, ressaltando, porém, que a inflação no país está bem controlada. O ministro culpou o ‘feijãozinho que todo mundo come’ por uma eventual elevação da inflação no país.
A crise dos alimentos vem levantando debates em todo o mundo. Em reunião realizada na terça-feira na Suíça, a ONU e vários outros organismos internacionais pediram ajuda de US$ 2,5 bilhões aos países desenvolvidos para financiar um fundo de emergência para evitar uma tragédia sem precedentes nos preços dos alimentos.
Influência dos biocombustíveis é minimizada
Há ainda a questão dos biocombustíveis, já que nos Estados Unidos, o aumento do plantio de milho, usado na produção do etanol, rouba áreas plantadas da soja e pressiona o preço do produto. Já em relação ao etanol brasileiro, que também está sendo acusado pela crise, os analistas consideraram que tal influência não existe. Isso porque a produção de cana não compete com a dos produtos que estão em alta, e o preço do açúcar, que disputa a mesma matéria-prima do álcool, não está em alta.
-É ridículo atribuir os aumentos ao biocombustível brasileiro. Até o ano passado, 51% da cana era destinada ao açúcar e 49% para o etanol. No ano passado, a situação se inverteu, mas não está inflacionando o preço do açúcar – diz Romano.
Por causa da alta dos alimentos e também do petróleo, com reflexos sobre a gasolina no Brasil, a maioria dos analistas já revisou para cima a previsão de inflação deste ano e reduziu a de crescimento da economia. Mas ninguém acredita que em conseqüências mais graves ou descontrole de preços.
– Os alimentos estão pressionando os preços desde o ano passado e este ano devem subir tanto quanto em 2007. Nossa expectativa é que o IPCA feche o ano em torno de 5%, podendo chegar a 5,5% se houver o aumento da gasolina e o PIB varie de 4,5% a 4,7% – diz Elson Teles, economista-chefe da Concórdia.
Segundo ele, a situação é desconfortável, a alimentação ainda vai pressionar um pouco mais em 2009 a economia do mundo estará desacelerando.
” A carne e o leite serão os próximos a pressionar, porque com a crise do ano passado houve muito abate e agora estão faltando animais ”
– Não estou falando de uma recessão global, mas os bancos centrais já estão restringindo a atividade, como foi o caso do nosso ao subir os juros – diz Teles.
A analista da Tendência também não prevê um cenário trágico para o Brasil, com situação fora de controle, mas um ano delicado para a inflação.
– A carne e o leite serão os próximos a pressionar, porque com a crise do ano passado houve muito abate e agora estão faltando animais – diz.
Já o analista da Conab, acredita que o Brasil pode acabar se beneficiando com a crise dos alimentos.
– Fora do contexto internacional, o país não tem problemas. Estamos colhendo uma safra recorde que tem condições de abastecer o mercado interno e ainda permitir exportar. Desde que não saia do controle, essa elevação de preços é benéfica porque vai gerar incentivo para que se plante mais no próximo ano e seexporte mais. Mas também vai produzir inflação e a agricultura, que já foi a âncora verde este ano, está agindo no sentindo contrário – diz Morcelli.
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