Algumas perguntas para reflexão, artigo de Frei Gilvander Moreira e prof. José Luiz Quadros de Magalhães
[EcoDebate] Vivemos hoje em um mundo acelerado. O desenvolvimento da tecnologia, especialmente na comunicação e no transporte, faz com que as pessoas que têm acesso a esses avanços tecnológicos trabalhem mais, produzam mais. O computador, o celular, o avião e outras tecnologias, em lugar de nos permitirem mais tempo de ócio – logo de reflexão – convivência e cultura, fazem com que trabalhemos mais, e muitas vezes, ocupemos os postos de trabalho de várias outras pessoas, pois, se trabalhamos mais, fazemos o serviço do outro.
Essa correria alucinada nos envolve e nos torna estranhos a nós mesmos. Não conseguimos parar, nem nos fins de semana. Em vez de simplesmente pararmos, o que nos permite conviver, refletir, descansar, ocupamos o tempo livre com diversão e mais diversão. Não conseguimos parar. Talvez essa incapacidade momentânea de refletir sem preconceitos seja a explicação para convivermos com tantos absurdos. A mídia, especialmente a televisão e alguns semanários, simplificam as soluções dos problemas, que, entretanto, muitas vezes se agravam, constroem mitos e condenam pessoas – sem julgamento.
Propomos aqui algumas reflexões em uma necessária pausa diária para mantermos nossa sanidade e nossa unidade interior:
Por que a imprensa comemora quando as empresas automobilísticas vendem mais automóveis?
Em São Paulo são licenciados 900 automóveis novos por dia. Em Belo Horizonte os engarrafamentos se multiplicam inclusive nos fins de semana. A razão para comemorar, segundo a mídia, está no fato de que mais pessoas podem comprar seu automóvel e isso reflete crescimento econômico com geração de emprego. (Para quantos? E que tipo de emprego? Com qual salário?). Entretanto a pergunta que permanece é a seguinte: Quanto tempo vai demorar para as metrópoles se inviabilizarem se continuarmos apostando no transporte individual? Em São Paulo presenciamos engarrafamentos diários, alguns ultrapassando 130 km de extensão. Este é um modelo de crescimento econômico “pra lá de insustentável”.
Por que comemoram a descoberta de enormes poços de petróleo quando o aquecimento global aumenta e compromete nossa vida?
O aumento de circulação de automóveis em todo o mundo reforça a devastação ambiental, a poluição do ar, das águas, da terra e dos seus filhos; derrubada de florestas, aumento de criação de gado etc. Tudo isso tem contribuído para o aquecimento global. O consumo de combustíveis fósseis tem dado, também, uma grande contribuição para esse aquecimento o que já vem causando catástrofes em diversos pontos do mundo e ameaça inundar cidades inteiras. Entretanto, assistimos à imprensa “oficial” comemorar a descoberta de novos poços. O fato mais contraditório, ilustrativo dessa aposta insana, foi a descoberta de uma monumental reserva de petróleo no Pólo Norte. Essa reserva poderá ser explorada em breve justamente pelo fato de a calota polar estar derretendo de forma acelerada. Ou seja: com o aquecimento poderão explorar mais petróleo onde antes o gelo não permitia e, com isso, acelerar o aquecimento que por fim, parece, irá nos afogar.
Por que tanta preocupação com a vida de embriões congelados, muitos inviáveis, e tão pouca preocupação com crianças famintas, abandonadas e miseráveis?
Os embriões congelados, se não forem utilizados para salvarem outras vidas, permanecerão congelados ou serão jogados fora. Muitos deles são inviáveis para gerar vida humana, uma vez que eles não são ainda pessoas. Muitos daqueles que se mobilizam contra a pesquisa com células-tronco embrionárias e fazem discursos inflamados pela “vida” não se ocupam da vida de milhões de pessoas que necessitam de vida digna. Se toda vida tem que ser respeitada, por que muitos não fazem nada pela pessoa humana que muitas vezes está necessitada e bate à sua porta?
Por que, mesmo pagando mais caro, cada vez mais, com serviços piores, com filas maiores e lucros exorbitantes, as pessoas continuam acreditando na eficiência privada?
É interessante o que a propaganda massiva é capaz de fazer na cabeça das pessoas. Outro dia chegando ao atendimento de urgência de um hospital privado, às 19h30, conversando com outras pessoas, na urgência pediátrica, muitos esperavam o atendimento há mais de quatro horas, com as crianças no colo. Entretanto não ouvimos nenhuma reclamação do tipo: “Esta ineficiência da saúde privada é um absurdo”. Em um hospital público, presenciando fato semelhante, ouvimos várias vezes a seguinte frase: “Tudo que é público não funciona”; ou: “Tem que privatizar tudo” e coisas do gênero. Comecei a observar e percebi a generalização do preconceito: nas enormes filas de Banco vimos uma pessoa esbravejar contra um Banco público; entretanto, não ouvimos nenhum comentário a respeito de uma fila bem maior em um Banco privado. E o mais interessante é o fato de que, com as novas tecnologias aplicadas ao sistema financeiro, nós trabalhamos para o banqueiro (fazendo todas as operações nas máquinas, após enfrentarmos fila diante de máquinas) e ainda pagamos para trabalhar, garantindo lucros absurdamente altos para essas instituições.
POR QUÊ …? Uma explicação para que as perguntas acima permaneçam, para muitos, sem respostas, podemos encontrar na geração da mentira ou na ideologia vigente, a qual constrói falsas verdades que encobrem a realidade. O fato de o poder econômico ou qualquer outra forma de poder dispor de mecanismos sofisticados de propaganda, capaz de encobrir fatos, distorcer a realidade e criar mitos e estórias para nos manipular é uma importante explicação histórica para entendermos o fato de como, em muitos momentos da história, milhões de pessoas foram mobilizadas para defender interesses que não os seus, para defender sistemas contra os seus interesses, contra seus filhos, contra as pessoas que mais lhes importavam. Por que muitas vezes agimos contra nós mesmos? Pelo simples fato de não enxergarmos ou muito pior: pelo fato de nos fazerem enxergar falsas representações do real. Pelo fato de nos impedirem de ver os reais jogos de poder encobertos de nossos olhos pela cortina de fumaça da mentira difundida aos quatro ventos por uma mídia comprometida com os interesses de poucos, mesmo porque, pertence a esses poucos muito ricos.
Frei Gilvander Moreira, e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
José Luiz Quadros de Magalhães, e-mail: ceede@uol.com.br
Belo Horizonte, 29/04/2008.