Hidrelétricas do Rio Madeira: mais irregularidades no licenciamento ambiental, artigo de Telma Delgado Monteiro
Os ambientalistas e conselheiros do CONAMA Zuleica Nycz, da APROMAC do Paraná, Luiz Carlos Maretto, da Associação Etnoambiental Kanindé, de Rondônia, e a pesquisadora da área de energia Telma Delgado Monteiro elaboraram uma nova manifestação contra as usinas do rio Madeira através de um Requerimento de Questões ao Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA. Esse documento expõe os impactos não dimensionados nas comunidades indígenas e outras falhas do processo de licenciamento do Complexo do Madeira. O requerimento será analisado pela plenária do CONAMA na reunião de 24 e 25 de abril, em Fortaleza, CE. Ele descreve as circunstâncias que podem levar à anulação do leilão da usina de Santo Antônio, já com concessão de uso dada ao Consórcio Furnas – Odebrecht (atualmente com o nome de Madeira Energia S/A – MESA) e do futuro leilão da usina de Jirau, no próximo dia 12 de maio. O Consórcio Furnas – Odebrecht também participará do leilão da segunda usina.
Paralelamente, tramita na justiça federal de Brasília uma nova Ação Civil Pública ajuizada, desta vez, pela organização Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, que levanta as teses da ilegalidade na Licença Prévia concedida pelo Ibama às usinas Santo Antônio e Jirau em desacordo com a recomendação da equipe técnica do próprio Ibama e da ilegitimidade do leilão da usina Santo Antônio, realizado em dezembro de 2007.
Entre os mais graves impactos apontados pelos ambientalistas está o problema da contaminação pelo mércurio usado nos garimpos de ouro na região do rio Madeira, segundo a pesquisa de Zuleica Nycz, e a questão indígena que depende ainda das informações da Fundação Nacional do Índio – FUNAI através da Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII), sobre a existência de índios isolados no interior da área da Floresta Nacional do Bom Futuro, explica Luis Carlos Maretto.
O documento que está na pauta do CONAMA foi assinado também pela organização Amigos da Terra e, se aceito pela plenária durante a próxima reunião, pede que sejam convocados os representantes das instituições nele citadas: o Ministério Público Federal e a organização Amigos da Terra para explicar os motivos que levaram às Ações Civis Públicas, o próprio Ibama para esclarecer o parecer técnico que recomendava a não concessão da Licença Prévia, a FUNAI para falar sobre a existência de índios isolados e a FUNASA para informar sobre a contaminação pelo mercúrio e sobre o possível aumento da incidência de malária.
As Hidrelétricas Santo Antônio e Jirau
Em 9 de abril a ANEEL – Agência Nacional de Energia Eletrica, através de edital, marcou para 12 de maio o leilão para a concessão da segunda usina, Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. O governo quer manter a qualquer custo o cronograma, apesar das críticas dos ambientalistas que têm denunciado os vícios e as inconsistências do EIA – Estudo de Impacto Ambiental e do RIMA – Relatório de Impacto Ambiental, no processo de licenciamento ambiental conduzido pelo Ibama.
O projeto das usinas do rio Madeira, na Amazônia brasileira, nasceu em 2002 e já se tornou um mito no Brasil. A força desse mito eclipsou seus criadores, Furnas Centrais Elétricas e Construtora Norberto Odebrecht. Nos seis anos desde seu nascimento, o Complexo do rio Madeira tornou-se o maior símbolo do governo e do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC para resolver o aumento de demanda de energia elétrica previsto até 2012.
O Complexo Hidrelétrico do rio Madeira prevê a construção e instalação das duas usinas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio, do Sistema de Transmissão (Linhas de Transmissão) de 2 500 quilômetros de 765 KW e das Eclusas e Canais de Navegação para futura implantação da Hidrovia do Madeira. A Licença Prévia foi concedida pelo Ibama em julho de 2007 e contrariou a recomendação do Parecer Técnico 14/2007 da equipe técnica que analisou os estudos.
A Licença Prévia foi concedida depois da análise do Estudo de Impacto Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental – RIMA de acordo com o inciso VII do artigo 2º da Resolução Conama n.º 01/1986, segundo o qual, “dependerá da elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA obras hidráulicas para a exploração de recursos hídricos tais como barragens para fins hidrelétricos, acima de 10 Mw”. A análise dos estudos e a concessão da licença apenas cumpriram a liturgia do licenciamento ambiental.
O Ibama tem um histórico de concessão de licenças ambientais para usinas hidrelétricas com base em decisões políticas de seus diretores e presidentes, que agem sob pressão do governo federal. Essas decisões nem sempre atendem às recomendações das equipes técnicas que analisam os estudos ambientais.
Outro órgão governamental, o Tribunal de Contas da União – TCU analisou as contas do processo de licenciamento da usina de Jirau e assinalou que o EIA “tem mais um fulcro identificador do que avaliador dos impactos ambientais”. Esse comentário do TCU que consta do Acórdão nº 602/2008 atribui pouca importância ao fato e o considera “uma simples deficiência que acabou sendo suprida durante a análise do EIA pelo Ibama”.
Desde a sua gênese os projetos das usinas Santo Antônio e Jirau no rio Madeira partiram da iniciativa exclusiva dos empreendedores: o Consórcio Furnas – Odebrecht. O projeto foi aceito, como um produto, comprado pelo Ministério de Minas e Energia quando Dilma Rousseff era Ministra e, a partir daí, todas as formas de pressão foram utilizadas para forçar a sociedade brasileira a aceitá-lo mesmo que venha a causar impactos não avaliados nos estudos ambientais.
Espera-se que no CONAMA, o Requerimento de questões elaborado pelos ambientalistas possa reacender a discussão numa nova instância aí representada por todos os segmentos da sociedade; e que os questionamentos ali contidos sejam adequadamente examinados e os impactos potenciais da construção das usinas do rio Madeira amplamente considerados.
Telma D. Monteiro, da ATLA – Associação Terra Laranjeiras, Juquitiba – SP, ecoeficiencia@uol.com.br
Artigo enviado pela Autora, colaboradora e articulista do EcoDebate – originalmente publicado pelo Portal Amazonia.org.br, em 24/04/2008