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Editorial

O controle militar das ONGs é uma falsa solução para um falso problema, por Henrique Cortez

Qual o risco à soberania que as ONGs representam? Quais as ilegalidades que cometem? Quais foram investigadas pela Polícia Federal ou pela ABIN? Depois de investigadas, quais foram indiciadas criminalmente? Não existe resposta para nenhuma destas questões, além de suposições e bravatas.

Biopirataria é crime e como tal deve ser tratada. Se este crime foi e/ou é cometido por ONGs, pesquisadores, etc., por que ninguém foi investigado e criminalmente processado? Um ministro da Justiça, quem quer que seja, não pode afirmar que crimes são continuamente cometidos e nada ter feito para investiga-los e reprimi-los, sob o risco de estar cometendo crime de responsabilidade. Mas não é o caso, porque nada de real, além de boatos, foi realmente apurado.

É, aparentemente, uma justificativa desconexa para atender algum outro interesse, não tão evidente assim

Esta é a mais nova sandice originada da paranóia militarista sobre a Amazônia. É uma sandice sem razão de ser, além de “acalmar” o aparente nervosismo dos militares, que preferem patrulhar as praias do Rio de Janeiro do que as selvas da Amazônia.

Uma boa expressão dos “imensos” efetivos do exército na defesa da Amazònia pode ser encontrado em texto do General Augusto Heleno Ribeiro enviado ao Blog da Semana (A ausência do Estado Brasileiro na Amazônia). Ele fala da ausência do estado brasileiro na Amazônia, como se isso também não fosse respondabilidade sua, no Comando Militar da Amazônia.

É estranho que a Amazônia esteja ameaçada por potenciais “inimigos” internos e externos, enquanto que existem mais militares aproveitando a praia de Ipanema em um domingo, do que patrulhando e protegendo nossas fronteiras no norte do Pará. Se o tal risco de ameaça à nossa integridade territorial realmente existisse seria natural que o efetivo do exercito na Amazônia fosse proporcional à ameaça, o que parece ser o caso.

É mais uma bravata, mas, desta vez, potencialmente perigosa aos nossos direitos constitucionais. É grave o risco de que seja exatamente este o objetivo dos recém estridentes militares ultra-conservadores.

O gen. Augusto Heleno Pereira, comandante militar da Amazônia, atual “muso” da ultra-direita, por exemplo, conhece bem a doutrina militar do EUA e, por isto, foi palestrante da Whinsec. Vários coronéis, como Antonio Monteiro, que foi instrutor em 2003 e hoje é responsável pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva, foram alunos e/ou instrutores desta “escola”.

Para quem não está ligando uma coisa à outra, a famigerada Escola das Américas (SOA), em 2001, foi rebatizada de Instituto Western do Hemisfério para a Cooperação da Segurança (Whinsec) Ela é uma escola de treinamento de combate para os soldados latino-americanos. Era instalada no Canal do Panamá e, atualmente, está situada na Fortaleza Benning, Georgia, base das forças especiais dos norte-americanos (boinas-verdes, rangers, paraquedistas, etc).

A Escola das Américas foi o “berço” dos repressores das ditaduras militares dos anos 60,70 e 80, além de ter treinado diversos ditadores [vejam a matéria “O Brasil na academia da repressão“, da revista IstoÉ ]. A Argentina e o Uruguai, após a redemocratização, romperam com a Escola das Américas, mas o Brasil para lá continua enviando militares, como alunos, instrutores ou palestrantes.

Até que ponto este pretenso controle militar das ONGs não é o primeiro passo para o controle militar dos movimentos sociais e populares? Em princípio, este será um ameaçador precedente, porque o mesmo poderá ocorrer com quaisquer ONGs, que atuem em qualquer bioma do país.

Pode parecer ao ministro da Justiça que a proposta de controle militar das ONGs seja correta, mas, na realidade, estará perigosamente chocando um ovo de serpente.

Henrique Cortez
coordenador do EcoDebate

Vejam, também, a matéria que deu origem a esta nota: “Jobim anuncia controle militar de ONGs na Amazonia