Antioxidantes e seus mecanismos
Pesquisadoras da USP detalham mecanismos bioquímicos pelos quais um radical livre conhecido como tempol desativa oxidantes derivados de óxido nítrico, protegendo organismos de processos inflamatórios. Nos últimos anos, vários estudos in vivo têm mostrado que um radical livre conhecido como tempol possui a capacidade de desativar oxidantes agressivos para os organismos, protegendo-os de doenças associadas a processos inflamatórios. Por Fábio de Castro, da Agência FAPESP, 22/04/2008.
Mas, embora tenha sido constatada, essa propriedade não poderá ser utilizada para o desenvolvimento de terapias enquanto seus mecanismos não forem desvendados. Um novo estudo realizado por pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP) aponta caminhos para o conhecimento desses processos.
A pesquisa, realizada por Ohara Augusto e Sandra Vaz, do Departamento de Bioquímica do Insituto de Química (IQ) da USP, terá seus resultados publicados nesta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).
De acordo com Ohara, admite-se atualmente que a maioria das doenças tem importante componente inflamatório. A proposta do trabalho, de pesquisa básica, era ampliar o conhecimento sobre os eventos moleculares que acirram as lesões nos tecidos causadas por esses processos inflamatórios.
“Quando se amplia esse conhecimento, estabelecem-se bases mais sólidas para desenvolver novas abordagens terapêuticas para o tratamento de doenças tão diferentes como derrame, asma ou esclerose múltipla”, disse à Agência FAPESP.
A pesquisa, toda feita in vitro, utilizando experimentos em tubos de ensaio, computadores e simulações, procurou compreender a capacidade do tempol para agir como um protetor in vivo.
“Essa ação havia sido constatada há muito tempo em muitos estudos internacionais em modelos animais”, disse a professora titular da USP, cujo grupo publicou, no início do ano, uma revisão sobre o assunto nos anais da Academia Brasileira de Ciências (ABC). http://www.scielo.br/pdf/aabc/v80n1/a13v80n1.pdf
O tempol é um radical livre externamente estável sintetizado na década de 1970 por cientistas russos. Desde 2002 os pesquisadores da USP procuram compreender os mecanismos de ação desse cristal laranja que é considerado um antioxidante não-clássico.
“Falamos muito da esperança de terapias com base em antioxidantes como vitamina C ou betacaroteno. Mas, quando recorremos à literatura, o que conseguimos é uma grande frustração”, disse a autora do livro Radicais Livres: Bons, Maus e Naturais, lançado em 2006. http://www.ofitexto.com.br/product_info.php?cPath=25&products_id=446
Derivado nacional
Segundo Ohara, todos os estudos clínicos com esses antioxidantes clássicos falharam. Houve pouco impacto em doenças de vários tipos, principalmente nas cardiovasculares, que são mais estudadas. Por razões científicas, os pesquisadores decidiram focar os estudos nos antioxidantes não-clássicos.
“Comecei a estudar a interação do tempol com a enzima conhecida como mieloperoxidase, que é de grande relevância em processos inflamatórios. Os níveis circulantes dessa enzima têm sido usados como marcador de risco de doenças cardiovasculaers”, afirmou.
A mieloperoxidase (MPO) é importante para a defesa imune inata. Sendo abundante em células do sistema imune, é efetiva contra microganismos invasores, como bactérias. Mas, por eliminar esses organismos, produz oxidantes e, em determinadas circunstâncias, a oxidação lesa os tecidos.
“Estudamos como o tempol inibe nitração de proteínas mediada pela MPO. Esse processo químico, quando ocorre em nossos organismos, indica que está havendo uma superprodução de óxido nítrico. O que fizemos foi estudar detalhadamente esse mecanismo. A conclusão foi que o efeito protetor do tempol ocorre principalmente porque ele consegue desativar os oxidantes produzidos pela MPO”, explicou.
Com os resultados, a professora da USP deverá apresentar ao Instituto do Milênio Redoxoma http://www2.iq.usp.br/redoxoma, coordenado por ela, uma proposta para o desenvolvimento de um derivado nacional do tempol, que é um produto patenteado.
“A estratégia seria modificar a molécula do tempol de forma que mantivesse o mesmo grupo químico. Ao compreender bem as reações poderíamos fazer um desenho mais racional de terapia. Além do efeito de nitróxido, seria interessante direcionar o composto para se ligar na enzima e tentar impedir que alguns oxidantes se formassem”, apontou.
O problema atualmente, segundo Ohara, é direcionar o composto para que ele não tenha outros efeitos. “O tempol é um radical livre que oxida muito rapidamente e reage com inúmeras substâncias em uma velocidade enorme. É efetivo para desativar os oxidantes, mas é preciso saber se haverá outros efeitos também”, disse.
O artigo Inhibition of myeloperoxidase-mediated protein nitration by tempol: Kinetics, mechanism and implication, de Ohara Augusto e Sandra Vaz, poderá ser lido em breve por assinantes da Pnas em www.pnas.org.