Amazônia: ONGs reagem à intenção de restringir sua atuação
Diretor de entidade internacional acredita que governo tenta encobrir o principal problema, que é a ‘falta de governança’ na Amazônia. Causou estranheza entre as organizações não-governamentais o anúncio de que o governo pretende enviar ao Congresso um projeto de lei regulamentando a ação dessas instituições na Amazônia. De acordo com o diretor da ONG internacional Conservação Ambiental, Paulo Gustavo Prado, o anúncio, feito pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, “parece uma bravata destinada a ocultar a questão principal: a ausência do governo na Amazônia”. Por Roldão Arruda, do O Estado de S. Paulo, 23/04/2008.
O ministro falou pela primeira vez sobre o projeto em entrevista ao Estado, publicada na edição de ontem. Ele disse que há cerca de duas semanas encaminhou à Casa Civil uma proposta de regulamentação da presença das ONGs na Amazônia Legal. O propósito seria impedir a ação de organizações que não cumprem as finalidades que anunciam, mas trabalham a serviço de “interesses relacionados à biopirataria”.
Segundo as ONGs, estaria havendo uma sobreposição de propostas. Seus representantes lembraram que o assunto está sendo tratado no Congresso pela CPI das ONGs; e que os parlamentares discutem um anteprojeto de lei destinado a regulamentar a ação dessas organizações em todo o País.
“A iniciativa do governo não demonstra preocupação com a Amazônia, mas sim o interesse em mostrar que é nacionalista e está ao lado do Exército”, disse Prado, da Conservação Internacional – numa referência direta à polêmica entre o governo e o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo o general, a retirada dos não-índios da reserva deixa a fronteira norte do País mais exposta a interesses internacionais, que seriam representados pelas ONGs.
“O maior problema da Amazônia não são as ONGs, mas a ausência do governo, a falta de governança”, disse Prado. “Se tivesse mais presença do Estado na região, não haveria necessidade desse terrorismo ensandecido que volta e meia aponta o dedo para as ONGs.”
Para os representantes de ONGs ouvidos pelo Estado, o governo não só pode como deve ter meios de controle sobre as entidades – para verificar quais agem de maneira correta ou não. O que eles criticam é o ataque generalizado, que lança suspeita sobre todas.
“Existem ONGs na Amazônia que fazem mais pela biodiversidade e pelas populações locais do que o próprio governo”, disse Prado. Ele é diretor de política ambiental da Conservação Internacional – que atua em 44 países, desenvolvendo projetos científicos de conservação ambiental, com a participação de universidades e institutos de pesquisa. No Brasil, onde chegou em 1989, atua no Pará, Amapá e Amazonas.
“Agimos dentro da legalidade e com transparência, com vários acordos de cooperação no Brasil e no exterior”, afirmou Prado. “Todos os nossos projetos estão disponíveis para ser consultados e analisados. Não temos nenhum problema em mostrar o que fazemos.”
Prado observou que pode estar em curso uma nova “onda terrorista contra o terceiro setor” – provocada pelo debate entre o representante do Exército e o governo a respeito da terra Raposa Serra do Sol. “Essas ondas surgem de acordo com humores e relâmpagos da política nacional”, afirmou. “Curiosamente não vejo a mesmo preocupação com a situação das terras ocupadas de forma ilegal na Amazônia, nem contra os garimpos ilegais.”
Na entrevista ao Estado, o ministro da Justiça disse que, pela proposta do governo, toda instituição, religiosa ou não, que atuar na Amazônia terá analisada sua origem e finalidade. “Vamos confrontar com aquilo que elas fazem em outros países e seus vínculos empresariais e governamentais”, disse.
Ainda segundo Tarso, “essas instituições só poderão entrar na Amazônia após receber licença específica dos Ministérios da Justiça e da Defesa”. Ele também disse que existem ONGs “que prestam serviço social e comunitário importante e as que encobrem suas finalidades.”