Estudos revêem efeitos do aquecimento
Número de furacões pode ser menor no futuro, bem como o impacto do degelo da Groenlândia sobre o nível do oceano. Novas pesquisas não conflitam com as previsões do IPCC, mas ajudam a reduzir incertezas sobre impactos catastróficos. Por Claudio Angelo, na Folha de S.Paulo, 18/04/2008.
Três dos efeitos previstos do aquecimento global podem não ser tão catastróficos quanto os cientistas imaginavam. Quatro novos estudos trazem resultados tranqüilizadores sobre a aceleração do degelo na Groenlândia, a probabilidade de mais furacões no futuro e o impacto da acidificação dos oceanos sobre os microrganismos marinhos. Tranqüilizadores, mas só um pouquinho.
Dois desses estudos saíram ontem (17/4) on-line na revista “Science”. Eles são assinados pelos americanos Sarah Das, do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, e Ian Jouglin, da Universidade de Washington.
Um deles é, na verdade, uma observação assustadora: os cientistas viram um lago de 5,6 km2 de área, formado pelo degelo da superfície do manto glacial da Groenlândia, ser esvaziado em 24 horas. Durante uma hora e meia, a água escorreu por uma fenda a uma vazão de 8.700 metros cúbicos por segundo -mais do que a das cataratas do Niágara.
Os cientistas sabem que a água do degelo escorre por fendas chamadas “moulins”. Através delas, a água chega até o leito rochoso sobre o qual está assentado o gelo, lubrificando-o. Isso faz com que a capa glacial escorregue mais depressa.
Os cientistas sabem também que o aquecimento global está aumentando a quantidade de lagos formados pela água que derrete no verão sobre o gelo. Há o temor de que os “moulins” produzam uma aceleração catastrófica das geleiras da Groenlândia, com o desprendimento de icebergs maciços e uma elevação do nível do mar bem maior do que os 59 centímetros projetados pelo IPCC (painel do clima das Nações Unidas) até o fim do século.
No entanto, um outro estudo da dupla na mesma edição da “Science” procurou avaliar o impacto desse efeito na velocidade de escoamento das geleiras do litoral da Groenlândia.
Os cientistas descobriram que essas geleiras sofrem aceleração muito baixa. “Tomados juntos, os novos achados indicam que, embora o derretimento na superfície tenha um efeito substancial na dinâmica do manto de gelo, ele pode não produzir grandes instabilidades que levem ao aumento do nível do mar”, disse Jouglin.
Loucas por ácido
Outro pesadelo dos cientistas é o efeito do aumento na concentração de CO2 no oceano sobre os organismos marinhos. Vários estudos têm mostrado que um mar mais ácido (o gás carbônico em excesso acidifica a água) inibe a formação de carapaças de calcário (carbonato de cálcio) pelo fitoplâncton.
Isso é um problema, porque, ao formar tais carapaças, esses micróbios ajudam a “seqüestrar” o carbono do mar. Sem o fitoplâncton, esse seqüestro diminui e o mundo pode ficar ainda mais quente.
Na edição de hoje (18/4) da “Science”, a oceanógrafa Debora Iglesias-Rodríguez, da Universidade de Southampton (Reino Unido), mostra que, ao menos para uma espécie de fitoplâncton, quanto mais ácido, melhor.
Em laboratório, ela demonstrou que o cocolitóforo Emiliania huxleyi fica maior quando mais CO2 é dissolvido na água. Como os cocolitóforos em geral respondem por um terço da produção de carbonato de cálcio no oceano, diz Rodríguez, seu estudo significa que uma parte desse seqüestro pode não ficar comprometida -muito embora esse efeito possa estar restrito a uma única espécie de cocolitóforo.
Furacões
Outra questão que o IPCC deixou sem resolver foi atacada por Kerry Emanuel, climatologista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Emanuel e outros têm observado que águas mais quentes (acima de 27C) aumentam a quantidade de vapor na atmosfera tropical, que é combustível para furacões.
Isso produz tempestades mais poderosas, como o Katrina e o Rita, de 2005. Mas não se sabia se o número total de tormentas também cresceria. Em estudo publicado na edição de março do “Boletim da Sociedade Meteorológica Americana”, Emanuel diz que não.
O grupo de Emanuel desenvolveu um método novo que espontaneamente “semeia” furacões em modelos climáticos de computador. A técnica foi aplicada com sucesso para reproduzir o número e a intensidade de tormentas nas últimas duas décadas. No entanto, quando aplicada aos modelos do IPCC, ela simula uma freqüência total menor de furacões.
Segundo Emanuel, a redução provavelmente ocorre porque o aquecimento global aumenta a chamada “tesoura de vento”, a diferença entre a velocidade dos ventos na parte mais alta da troposfera. Ventos fortes mais no alto inibem as tempestades.
O americano Kevin Trenberth, outro especialista em clima e furacões, diz que o estudo é “novo e interessante, mas requer ajustes”. Segundo ele, os modelos climáticos são muito grosseiros para enxergar o que acontece com as tempestades que formam os furacões, deixando a atmosfera artificialmente estável. “Há boas razões para crer que haverá menos furacões, mas eles serão mais intensos quando ocorrerem”, diz.