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Tijuco Alto, a hidrelétrica que ameaça o Vale do Ribeira, artigo de Nilto Tatto

[Agência IBASE] Há países que avançam no processo de revisão estratégica de seu campo hidroenergético, refazendo as contas do custo benefício das hidroelétricas já implantadas, com a finalidade, até mesmo, de implodir usinas que historicamente causam prejuízos severos ao patrimônio ambiental. O Brasil, na contramão deste movimento mundial, retoma projetos antigos e ultrapassados, ressuscitando a ganância do poderio econômico e o pesadelo das pequenas comunidades, sempre as mais afetadas.

Neste contexto, está a proposta de construção da hidrelétrica privada de Tijuco Alto. Prevista para ser implantada no alto Vale do Ribeira, em São Paulo, com o objetivo de ampliar o poderio energético da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), pertencente ao Grupo Votorantim, a usina tem como única finalidade aumentar a capacidade de produção de alumínio da empresa. O processo caminha a passos largos sem as devidas precauções por parte dos órgãos públicos responsáveis pelas análises dos impactos socioambientais.

No último dia 26 de fevereiro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) emitiu parecer técnico concluindo a viabilidade ambiental da hidrelétrica de Tijuco Alto, pleiteada há 20 anos pela CBA. Com o parecer, abre-se o caminho para a emissão da Licença Prévia, primeiro passo para que a obra possa ser implantada.

O órgão federal, ao emitir seu parecer, desconsiderou muitas questões. O resultado das audiências públicas, por exemplo, realizadas seis meses antes, em 2007, em cinco cidades do Vale do Ribeira, nas quais a população presente se manifestou majoritariamente contrária à construção da usina. Desconsiderou ainda grande quantidade de pareceres técnicos, inclusive do Ministério Público e dos órgãos estaduais de meio ambiente de São Paulo e Paraná, que apontam as inconsistências e falhas nos estudos ambientais e recomendam a não-emissão da licença diante das incertezas e dos riscos envolvidos. O mais grave, porém, é que o parecer do Ibama desconsidera completamente todos os planos de desenvolvimento alternativos para a região, incompatíveis com a construção do empreendimento.

A luta travada há vinte anos pelos agricultores familiares, as populações quilombolas, as famílias caiçaras, as comunidades indígenas e todos os movimentos sociais envolvidos com o desenvolvimento sustentável do Vale do Ribeira, maior remanescente contínuo de Mata Atlântica em todo o país, não foi levada em conta.

As inúmeras passeatas, manifestações públicas, abaixo-assinados e ofícios encaminhados por eles aos órgãos ambientais competentes, manifestando o repúdio da população local à construção de hidrelétricas no Rio Ribeira de Iguape, parecem não ter sensibilizado as autoridades. Nem por isso eles desistiram. Na manhã de 12 de março, cerca de 400 habitantes do Vale do Ribeira protestaram na sede do Ibama, em São Paulo. Onze horas depois, com a assinatura de um acordo, retornaram ao Vale do Ribeira.

A diretoria do Ibama, em Brasília, comprometeu-se a analisar, responder e levar em consideração todos os questionamentos sobre aspectos técnicos e sociais do empreendimento. Em reunião realizada em 13 de março, em Brasília, estabeleceu prazo para recebê-los: 17 de abril, em endereço eletrônico específico no site do Ibama. Entretanto, quem entra no site do Ibama não consegue encontrar o endereço específico. Ao final, ficou decidido que o Ibama vai elaborar novo documento, no qual as questões que foram omitidas no parecer técnico de 26 de fevereiro sejam colocadas. Também ficou de analisar a possibilidade de realizar reunião pública no Vale do Ribeira, mas até agora não resolveu se e quando fará.

Na Carta Aberta ao Povo Brasileiro, divulgada em 10 de março, a coordenação do movimento contra barragens no Vale do Ribeira lembra a certa altura:

“Questões fundamentais como a segurança da barragem, a quantidade e extensão de cavidades subterrâneas afetadas, a qualidade de água do futuro reservatório, a magnitude e extensão dos danos causados à população afetada pelos “impactos indiretos” (redução de áreas agricultáveis, alteração na população de peixes, aumento de concentração de poluentes no rio, encharcamento de áreas pela elevação do lençol freático), o impacto da construção dessa barragem sobre a ecologia da região estuarina de Cananéia-Iguape e o destino das centenas de famílias de agricultores familiares diretamente afetadas pela formação do reservatório, não foram definitivamente respondidas, não foram objeto de pareceres independentes mesmo havendo dúvidas quanto às conclusões dos estudos contratados pela CBA”.

Se Tijuco Alto for construída, é bem provável que venham atrás mais três usinas previstas nos inventários hidrelétricos do Rio Ribeira: Funil, Itaoca e Batatal. Se construídas, as barragens inundariam permanentemente uma área de aproximadamente 11 mil hectares no médio e alto curso do rio. Implicará a perda de terras agriculturáveis – principalmente nas terras de agricultores familiares e quilombolas, a destruição de áreas ambientalmente protegidas, a inundação de cavidades subterrâneas. Provocará alteração no regime hídrico do Ribeira de Iguape, com prejuízos que se estenderão até sua foz, onde residem diversas colônias de pescadores artesanais que dependem da manutenção do equilíbrio ecológico do complexo estuarino para sobreviver.

A Carta termina com um pedido contundente:

“Queremos que seja negada a licença ambiental para a UHE Tijuco Alto. Queremos que seja revisto o estudo que prevê a construção das quatro barragens no rio Ribeira de Iguape. Queremos que ele continue correndo livre e alimentando o povo da região. Como já dissemos anteriormente ao Governo Federal, não precisamos de grandes obras, mas de oportunidades para todos. Queremos outro tipo de desenvolvimento: um desenvolvimento que realmente dê oportunidades de melhoria e qualidade de vida para toda população. Tijuco Alto representa a morte e nós queremos vida”.

Dessa forma, os movimentos sociais e ambientais, junto com os agricultores familiares, os quilombolas, indígenas e caiçaras, pretendem resistir e insistir para que o interesse público prevaleça sobre o interesse privado, porque, afinal, se construída, Tijuco Alto irá gerar energia exclusivamente para a produção de alumínio da CBA.

Mais informações podem ser encontradas no site da campanha contra as barragens no rio Ribeira de Iguape: http://www.socioambiental.org/inst/camp/Ribeira/

*Nilto Tatto é coordenador do Programa Vale do Ribeira, do Instituto Socioambiental (ISA).

Artigo originalmente publicado pela Agência IBASE

Artigo enviado pelo Prof. João Suassuna, colaborador e articulista do EcoDebate.