Fiscalização em usina de cana é concluída com 421 resgates
Operação iniciada em março terminou apenas no último sábado (5). Prefeitura de Quirinópolis alugou espaço para abrigar 41 trabalhadores da Agropecuária Campo Alto (da Usina São João), mas vereadores não aprovaram medida. Por Beatriz Camargo, da Agência de Notícias Repórter Brasil
Auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho de Goiás (SRTE-GO) resgataram, em março, 421 pessoas de trabalho degradante da Usina São Francisco – ou Agropecuária Campo Alto, divisão da empresa para a contratação específica da área rural – em Quirinópolis, no Sul de Goiás.
De acordo com a equipe da SRTE-GO, os alojamentos na cidade vizinha de Gouvelândia (GO) estavam inadequados, superlotados e sem condições de higiene. No dia 19, os 421 trabalhadores receberam os pagamentos devidos e puderam voltar para suas cidades de origem. No entanto, a ação só foi finalizada no último sábado (5), pois havia pendências em relação ao alojamento de outros 182 trabalhadores que tinham resolvido continuar trabalhando na usina.
A Usina São Francisco é filiada da Usina São João (USJ), com sede em Araras (SP), uma das associadas da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). O diretor da USJ, Hermínio Ometto Neto, integra o conselho deliberativo da Unica. De acordo com o site da Usina São João, o grupo prioriza “a produção indústria de açúcar cristal de alta qualidade”, utilizado na indústria alimentícia e vendida no mercado interno (50%) e externo (50%).
No dia 27 de março, mais 41 pessoas tiveram seu contrato rescindido. A prefeitura de Quirinópolis havia alugado uma antiga creche para que a empresa abrigasse esses trabalhadores. No entanto, uma semana depois, o negócio foi desfeito, porque a Câmara dos Vereadores não aprovou o acordo. Segundo o auditor fiscal Welton Oliveira, coordenador da ação, o prédio era adequado para abrigar os trabalhadores e o acordo não foi mantido “por problemas políticos”. Quirinópolis tem duas usinas, mas os contratados costumam ficar alojados em cidades vizinhas, como Gouvelândia.
Os outros trabalhadores estão no alojamento da Agropecuária Campo Alto na área rural de Quirinópolis. Segundo a empresa, as instalações com capacidade para alojar 450 pessoas têm área de convivência e campo de futebol de areia. Welton concorda que o local é adequado, mas ressalta que muitos não queriam ir para lá por considerarem-no isolado da cidade e de difícil acesso.
Para Rogério Castro, advogado da Usina São João, houve exagero na divulgação da ação, já que o problema era pontual na questão do alojamento. “Foi um ato isolado. Em 65 anos da história da Usina São João, nunca passamos por uma situação desse tipo”, defende. “O processo é por demais penalizador para uma empresa tão grande e que gera tantos empregos.”
A equipe da SRTE-GO fiscalizou 15 alojamentos da usina em Gouvelândia e considerou todos impróprios. Welton descreveu que o que viu: muita sujeira, lixo no quintal e falta de higiene. “Era um colchão em cima do outro e nunca havia sido trocada a roupa de cama”, lembra. “A empresa parou o serviço na lavoura e fez uma força-tarefa com os operadores de máquina para limpar os alojamentos, trocar o colchão, trocar roupa de cama.”
Uma das casas com dois quartos e um banheiro abrigava 18 pessoas, emenda o auditor. A cisterna para armazenamento da água estava aberta e se localizava a menos de dez metros da fossa. Outro alojamento era um bar adaptado que não possuía nenhuma janela. “A única entrada de ventilação era pela porta. Quando a porta estava fechada, não havia circulação de ar.”
Contratação
A demora para contratação também é criticada. Welton explica que os trabalhadores foram trazidos por “gatos” (contratantes) de suas cidades de origem em novembro e dezembro de 2007, mas as carteiras só foram assinadas em janeiro de 2008. “Eles ficaram 45 dias sem poder mandar dinheiro para a família e também não podiam ir embora porque não tinham dinheiro.” O advogado Rogério argumenta que os contratados já estavam na região, trabalhando em outras empresas. “Tenho as carteiras assinadas”, afirmou. “Quem prova que fui eu que fui buscar [nas cidades de origem]?”.
O advogado da empresa completa que o pagamento retroativo, desde dezembro, foi feito para que a ação fosse concluída e as atividades fossem retomadas. “O registro foi feito, mas há carteiras assinadas duplamente”.
Segundo Welton Oliveira, não há assinaturas de outras empresas na carteira dos trabalhadores. Para o coordenador da ação, eles vieram especialmente para laborar no plantio da cana-de-açúcar para a Agropecuária Campo Alto. Não faria sentido, de acordo com o auditor, a empresa dar alojamento e comida às pessoas se não houvesse vínculo trabalhista. A maioria dos trabalhadores eram de Pastos (MA) e Porteirinha (MG).
A equipe de fiscalização também ouviu dos trabalhadores reclamações sobre a alimentação. A marmita era entregue aos trabalhadores às 5h, antes da saída para a lavoura. Relatos apontam que, na hora do almoço (entre 11h e 12h), o feijão já estava azedo. Depois da fiscalização, uma cantina terceirizada em Gouvelândia leva a alimentação para a frente de trabalho todos os dias. A SRTE-GO assegura que, desde então, não houve mais reclamações.