Substituição da floresta por soja ou pastagem reduz chuva na Amazônia
Estudos brasileiros apontam que precipitação pode ser até 47% menor em área devastada, de acordo com a região. Os produtores que partem para a Amazônia atrás de boas condições ambientais para o plantio da soja ou a criação de gado podem, de fato, plantar a insustentabilidade do negócio. Dois estudos brasileiros mostram que a substituição da floresta por soja ou pastagem reduz a chuva na Amazônia Oriental, no norte de Mato Grosso e em Rondônia – a soja mais do que a pastagem. Por Cristina Amorim, do O Estado de S.Paulo, 10/04/2008.
A plantação de soja onde antes existia floresta diminui em 47,4% a precipitação na Amazônia Oriental e de 42% em áreas de pasto. Isso na temporada de seca, que ainda fica mais longa, segundo a pesquisa liderada por Gilvan Sampaio, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe),
Em Mato Grosso e Rondônia, há 11,2% menos chuva onde hoje estão campos de soja e 1,1% onde há pastagem, segundo o trabalho liderado por Marcos Costa, da Universidade Federal de Viçosa. ‘Se há uma redução de 20% na estação de chuvosa, tudo bem. Mas em Rondônia e norte de Mato Grosso, que são mais suscetíveis à seca, a estação fica mais longa’, diz Costa.
O impacto da soja no clima regional é mais grave porque, entre uma safra e outra, o produtor amazônico deixa o solo quase todo exposto. Ele absorve mais radiação solar, o que deixa a atmosfera mais quente (veja ilustração acima). Os grupos publicaram seus artigos em 2007 na revista especializada Geophysical Research Letters.
DESEQUILÍBRIO
‘Quando há menos chuva na seca e o índice não sobe no período chuvoso, então há uma demora maior para os recursos hídricos se recuperarem’, explica Sampaio. Seus estudos indicam que, se hipoteticamente toda a floresta fosse derrubada para dar espaço à soja, haveria menos 24% de chuva na Amazônia; no caso da pastagem, o índice seria de 16% a menos.
Os dois grupos concordam em um dado preocupante: o desmatamento superior a 40% traz mudanças climáticas no mínimo muito difíceis de serem revertidas. O pesquisador do CPTEC vai mais longe: entre 40% e 50% de derrubada na Amazônia faria com que a região buscasse um novo equilíbrio, com uma outra vegetação e clima.
Atualmente o índice de derrubada da Amazônia gira entre 17% e 18% (falando apenas sobre a limpeza do terreno, chamado corte raso, sem contar aquele corte seletivo feito por madeireiros). Porém, nas partes mais exploradas, no Arco do Desmatamento – onde ficam as regiões analisadas -, a derrubada é mais expressiva.
CONSEQÜÊNCIAS
Outro ponto em comum entre eles é a percepção de que o impacto não é apenas regional mas nacional e global. Com o desmatamento de 40%, o pesquisador do CPTEC projeta alterações nos padrões de vento, temperatura e umidade, na ordem de 15% a 20%, em parte da Europa e da América do Norte.
Outro efeito é o deslocamento das chuvas, o que acontece à medida que a temperatura sobe nas áreas com menos floresta. ‘A Amazônia é o principal centro convectivo do planeta, ou seja, é a maior fonte de energia e umidade’, diz Costa. ‘Se há modificações nessa região tropical, a tendência é que a chuva aumente ao redor.’
A Amazônia Ocidental, mais a noroeste, seria uma dessas áreas, assim como o Centro-Oeste. Sampaio afirma que, em compensação, outras regiões podem ficar mais secas, como o Nordeste e o norte da Bacia do Prata. Outros países, na latitude 30°, também podem sofrer alterações climáticas.
Sampaio também projeta que, a partir de um desmatamento de 50% da Amazônia, até o fenômeno El Niño, com conseqüências no clima de boa parte da Terra, pode mudar.
Os dois pesquisadores conversam atualmente para buscar respostas a perguntas comuns. A temporada seca mais longa afetará as áreas protegidas? A floresta consegue se regenerar sob qualquer hipótese ou, a partir de 40% de desmatamento, como defende Sampaio, não existe essa possibilidade?
Uma das principais questões é o papel das queimadas. Outra é a interação desses efeitos do desmatamento e o agravamento do aquecimento global. ‘É a pergunta de US$ 1 bilhão’, brinca Costa.