A data do apocalipse, artigo de Fernando Reinach
[O Estado de S.Paulo] Existem dois lados de uma avaliação de risco. O primeiro é entender o pior cenário, o segundo é determinar a probabilidade desse cenário ocorrer. Assim, se decidirmos caminhar em um dia chuvoso, o pior que pode acontecer é nos molharmos, e a probabilidade será relativamente alta. Mas se decidirmos passear com um pára-raios no meio de uma tempestade, o pior cenário é sermos tostados por um raio – um cenário grave, mas com baixa probabilidade de ocorrer.
Se eu levar em conta somente a probabilidade, nunca sairia para passear em dia de chuva e não hesitaria em passear com um pára-raios numa tempestade. Mas o interessante são os casos extremos, em que a seriedade do pior cenário tende ao infinito, enquanto a probabilidade de ele ocorrer tende a zero. É o caso do risco de um asteróide atingir a Terra. Nos últimos anos, uma legião crescente de cientistas tem se dedicado a estudar exatamente esse tipo de risco.
Não há dúvida de que impactos letais já ocorreram no passado. No Arizona (EUA), uma cratera de vários quilômetros de diâmetro demonstra o resultado do impacto de uma bola de 50 metros de ferro e níquel. Em 1908, um pequeno meteorito de algumas dezenas de metros de diâmetro explodiu antes de atingir a superfície da Terra e devastou 2.100 quilômetros quadrados de florestas na Sibéria. Mais de 60 milhões de anos atrás um meteoro de alguns quilômetros de diâmetro extinguiu os dinossauros.
Por outro lado, se esses impactos fossem freqüentes, dificilmente existiria vida na Terra. Mas, qual é o risco de um impacto ocorrer nos próximos anos? E será que é possível prever a colisão?
Ninguém levava essas conjecturas a sério até o dia 22 de março de 1989, quando um asteróide de algumas centenas de metros de diâmetro, chamado Asclepius, quase raspou na Terra. Ele passou a duas vezes a distância que separa a Terra da Lua, um triz em termos de distâncias astronômicas. E o pior é que só foi descoberto depois de ter passado. Isso levou o Congresso americano a financiar um programa cujo objetivo é identificar e determinar a órbita de todos os objetos próximos da Terra.
Até o ano 2000, a lista era de 86 mil objetos. Hoje ela já tem 380 mil e provavelmente vai crescer nos próximos anos. Mas será que algum é realmente perigoso?
O maior risco conhecido é um asteróide chamado Apophis, do tamanho de um estádio de futebol. Em 2004, quando ele foi descoberto, os primeiros cálculos indicaram que havia uma probabilidade de 2,7% de ele atingir a Terra em 2029. Hoje conhecemos melhor sua órbita e sabemos que, em abril de 2029, ele vai passar a 36.350 quilômetros da Terra, uma distância menor que a órbita dos satélites geoestacionários.
Durante essa passagem será possível refinar os cálculos de sua órbita, mas já sabemos que, caso ele atravesse uma pequena janela de 600 metros de diâmetro, é certeza que vai colidir com a Terra em 13 de abril de 2036, um domingo de Páscoa. A probabilidade calculada é 1 em 45 mil. Portanto, é melhor esperar março de 2029 para marcar um compromisso para a Páscoa de 2036.
O conhecimento que adquirimos desde 1989 mostra que nosso planeta está cercado de objetos perigosos. Nos últimos anos, a comunidade científica tem dado sinais crescentes de frustração, uma vez que até agora a única utilidade desse conhecimento é prever a data do apocalipse. É por isso que o estudo de possíveis estratégias para evitar uma colisão tem tomado o centro do palco. Mas essa história tem que ficar para a próxima semana.
Mais informações em: Preparing for doomsday. Science, vol. 319, pág. 1.326, 2008
Fernando Reinach é biólogo.
Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 10/04/2008