EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Crime ambiental compensa? artigo de Rogério Rocco

[O Globo] Desde os idos da colonização, quando Portugal aplicava no Brasil suas Ordenações, o corte de árvores sem autorização já era tratado como crime. Porém, o bem tutelado àquela época não era propriamente a árvore, mas sim a madeira – que já ocupava função estratégica no desenvolvimento da Europa e de outras regiões.

A primeira legislação florestal brasileira – o Regimento do Pau-Brasil (1605) – chegou a prever pena de morte para aqueles que o estivessem contrabandeando, dada a importância que essa espécie, hoje em extinção, teve entre os séculos XVI e XVII. Portanto, há muito tempo já se estabeleciam normas relacionadas aos crimes contra a flora.

Bem mais recentes, os crimes contra a fauna, instituídos na década de 1960, ganharam o privilégio de serem inafiançáveis. Isto é, aquele que fosse flagrado com algum animal silvestre de forma irregular, iria preso sem direito de pagar fiança para responder em liberdade.

Embora encontremos esses e outros registros históricos relacionados aos crimes ambientais, na atualidade a questão ecológica ganha outra relevância que extrapola a temática outrora reinante relacionada quase que exclusivamente à fauna e à flora silvestres. E essa percepção foi muito bem representada no texto da Constituição federal de 1988 e na Lei de Crimes Ambientais – lei 9.605/98, que completou dez anos de vigência.

Nos termos dessa lei, não há mais crime ambiental inafiançável. Por outro lado, além da fauna e da flora, há os crimes de poluição, os contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e os crimes contra a administração ambiental. Há, ainda, a previsão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais – uma inovação mundial no direito penal patrocinada pelo Brasil.

Essa consolidação dos crimes ambientais numa única lei se configura como um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira na atualidade. Ela permite um amplo enquadramento de condutas que tipificam os chamados crimes ambientais, facilitando muito sua compreensão e aplicação pelos diversos níveis da administração pública.

Porém, como foi demonstrado pelo jornal O GLOBO na série de matérias denominada A Impunidade é Verde, os resultados de sua vigência são quase que risíveis, em especial quando se verifica que ninguém está preso em razão da prática de crime ecológico, produzindo uma sensação de que, nesses casos, o crime compensa. Verifica-se, ainda, que nas condenações existentes, via de regra, as penas se transformaram em mero pagamento de cestas básicas – que não servem sequer para a alimentação dos animais silvestres apreendidos dos traficantes pelo poder público.

A constatação a que se chega é de que é preciso utilizar esses dez anos da lei para revê-la, mantendo seus inegáveis avanços, mas evoluindo na eficácia da punição aos criminosos. A pulverização dos processos judiciais em varas comuns, sem qualquer especialização em matéria ambiental, é um dos principais motivos das decisões desconectadas das políticas ecológicas. Portanto, além das mudanças na lei, temos também que criar tribunais especializados nos quais tramitem todos os processos gerados a partir da prática dos crimes ambientais, assegurando maior eficiência e unicidade nas sentenças. Quem sabe assim tenhamos no futuro maiores motivos para comemorar.

Rogério Rocco é superintendente do Ibama no Rio de Janeiro.

Artigo originalmente publicado pelo O Globo, 04/04/2008