A crise do jornalismo na América Latina. Entrevista especial com Erick Torrico Villanueva
“O jornalismo está, efetivamente, numa crise, pois o sistema está alentando uma desconfiguração não somente de suas práticas, mas de seus princípios.” A afirmação é do professor boliviano Erick Torrico Villanueva. Em entrevista à IHU On-Line, realizada por e-mail, Villanueva falou sobre a relação da comunicação e política na América Latina e das mídias e os governos. Para ele, o jornalismo está realmente passando por uma crise de princípios. “Em vários países latino-americanos se está impondo um anti-modelo jornalístico”, disse ele.
Erick Torrico Villanueva é diretor da pós-graduação em Comunicação e Jornalismo da Universidade Andina Simon Bolívar. É, também, presidente da Associação Latino-americana de Pesquisadores da Comunicação e colunista do jornal La Prensa, de La Paz, na Bolívia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Com a atual estrutura política latino-americana, como o senhor avalia as mudanças na forma de conduzir o jornalismo no continente?
Erick Torrico Villanueva – O jornalismo latino-americano vive diferentes situações, pois as características políticas variam de uma região para outra. Sem dúvida, os critérios que poderiam servir como elemento de comparação nesse campo são, por um lado, o tipo de legislação existente sobre o particular e o grau de aplicação ou cumprimento da mesma e, por outro lado, a forma de reação que estabelece o jornalismo com a política em cada caso. Nesse sentido, há países que contam com sistemas normativos mais desenvolvidos, outros que têem se conformado parcialmente e alguns que inclusive estão discutindo estas questões agora para introduzir reformas ou criar novos instrumentos. Mas, também, as tensões ou cumplicidades que têm lugar nas interações jornalismo-política condicionam as maneiras em que se desempenham os meios de informação e seus operadores.
O que se adverte, mais além do assinalado, é que hoje existe uma tripla preocupação sobre o jornalismo no continente latino-americano: 1) aquela referida ao papel que devia cumprir no tempo de transição que atravessam hoje todas as sociedades do planeta; 2) a relativa à insatisfação das audiências com o trabalho jornalístico afetado em muitos casos pelo sensacionalismo, a politização explícita e o comercialismo exarcebado; e 3) a que expressa um importante movimento dentro do próprio âmbito jornalístico para impulsionar uma recuperação da qualidade e credibilidade.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a relação que se dá, na América Latina, entre o Estado, a mídia e os governos?
Erick Torrico Villanueva – Pensando em termos dicotômicos, essa relação se manifesta nos afetos e desafetos recíprocos entre os pólos Estado/governo e os meios. Isso tem a ver ao com os seguintes aspectos:
– A contradição entre regulação e liberdade, pois ao Estado interessa definir limites aos meios que lhes convém mais um espaço de ação com o mínimo de regras possíveis, ou melhor, completamente desregulado;
– A superposição ou o confronto de interesses políticos e econômicos entre quem governa e os responsáveis pelos meios informativos. Aqui, entram no jogo lógicas de obtenção de lucros como também de cooperação ou competência que, sem dúvida, incidem na organização dos processos informativos.
Nesse sentido, na América Latina se tem, atualmente, exemplos que vão desde a polarização (como na Venezuela, Bolívia ou Equador) até formas de colaboração (como na Colômbia, México, Argentina ou Chile).
IHU On-Line – Ignácio Ramonet escreveu recentemente que os jornalistas estão em vias de extinção porque o sistema já não quer mais jornalistas. Qual é a sua opinião sobre esta afirmação?
Erick Torrico Villanueva – O jornalismo está, efetivamente, numa crise, pois o sistema está alentando uma desconfiguração não somente de suas práticas, mas de seus princípios. Em vários países latino-americanos se está impondo um anti-modelo jornalístico desenvolvido pela televisão “hiper-comercial”, essa que promove a “teleporcaria”, tende a reconfigurar os fins e as formas profissionais da informação noticiosa.
Podemos resumir as principais hipóteses que descrevem esta situação nestas seis:
– O jornalismo está deixando de ser uma ocupação dos jornalistas;
– muitos novos jornalistas sabem cada vez menos de jornalismo;
– a informação de interesse do público está desaparecendo dos espaços de notícias na televisão e no rádio;
– as notícias estão sendo esvaziadas de seu conteúdo básico: a informação;
– a informação, em negação a sua própria natureza, tende agora a gerar incerteza e alarme;
– a imprensa busca assimilar em forma e conteúdo os padrões dos meios audiovisuais que desvirtuam a atividade jornalística.
Nessa perspectiva, sim, se pode concordar com Ramonet.
IHU On-Line – O jornalismo foi atualizado e tem evoluído por causa das inserções das novas tecnologias. Dessa forma, a comunicação na América Latina avançou muito nos últimos anos. Mais informação circulando na sociedade pode trazer mais liberdade aos cidadãos latino-americanos?
Erick Torrico Villanueva – A incorporação das novas tecnologias nos processos de informação e comunicação na América Latina trouxe agora mais uma modernização das infra-estruturas e uma ampliação empresarial dos serviços do que uma verdadeira expansão da cidadania. As tecnologias têm a potencialidade de alargar o acesso das audiências – algo sujeito a condições de desenvolvimento econômico, social, político, cultural que nem sempre estão presentes nos países da área –, mas às vezes impulsionam a concentração da produção e a distribuição de equipamentos e conteúdos. Nas circunstâncias atuais, isso, claramente, não pode ser considerado uma ampliação das liberdades na América Latina nem em outra parte.
IHU On-Line – Qual é o impacto da comunicação no tecido social que constitui a América Latina, em sua opinião?
Erick Torrico Villanueva – Sem comunicação não há tecido social. As dificuldades que enfrentam hoje a maioria das sociedades latino-americanas são a exclusão e a pobreza, que têm seu correlato em problemas de ordem comunicacional. Há países com altos graus de incomunicação social, quer dizer, de desconhecimento da internet, por exemplo. Lamentavelmente, muitos meios “de comunicação” estão contribuindo de maneira cotidiana a acrescentar essa brecha.
IHU On-Line – Em relação às complexidades do acesso e limitações da participação cidadã, como podemos democratizar as políticas de comunicação?
Erick Torrico Villanueva – Primeiro, falta saber se realmente há políticas de comunicação explícitas e coerentes nos países. Como a comunicação não pode ser desvinculada dos demais processos sociais, a democratização das políticas do setor implica uma profundização da democracia política, social, cultural e econômica, para o que se necessita possibilitar a participação cidadã no debate, a proposição e a gestão de demandas. É indispensável que haja democracia para a comunicação como democracia na comunicação.
(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 28/03/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]