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A privatização dos oceanos? Entrevista especial com Fabio Lang da Silveira

Mapear a fauna marinha, registrar a diversidade, a distribuição e a abundância da vida marinha ao redor do mundo e analisar os danos já causados ao ecossistema pelas alterações climáticas do planeta fazem parte do projeto intitulado Censo da vida marinha. No Brasil, este censo é realizado pelo Ocean Biogeographic Information System – OBIS, que visa compartilhar dados de pesquisas marinhas com todos os projetos semelhantes no mundo. “Nós somos um banco de dados dos censos que têm linhas de trabalho da geração e da recuperação de conhecimento em diferentes áreas, desde águas bem rasas até o mar profundo”, contou o gestor do OBIS, no Brasil, Fabio Lang da Silveira, em entrevista à IHU On-Line.

Nesta conversa, Fabio fala sobre a importância do censo da vida marinha, analisa o censo realizado no Brasil e a relação do trabalho com as mudanças climáticas. Conforme o professor, esta pesquisa não contribui para o combate aos danos provocados pelas mudanças climáticas. No entanto, as informações geradas pelo censo podem ser utilizadas em outros trabalhos relacionados a este problema. “Trabalharemos no sentido de verificar se todas essas previsões climáticas bastante catastróficas são verdadeiras ou não”, revelou.

Fabio Lang da Silveira é doutor em Zoologia, pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), onde atualmente é professor. É organizador do livro Guia do meio ambiente: litoral de Alagoas (Maceió: Projeto IMA-GTZ, 1993). No último dia 24, proferiu a palestra “Censo da vida marinha” durante a aula inaugural do curso de biologia da Unisinos. Em visita ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, ele conversou com a IHU On-Line.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a importância de realizarmos um censo da vida marinha para entendermos os problemas com o meio ambiente e com o clima da Terra?

Fabio Lang da Silveira – O censo da vida marinha traz um programa muito grande. O programa ao qual estou ligado se chama Ocean Biogeographic Information System – OBIS (algo como o Sistema Biogeográfico dos Oceanos). Somos um banco de dados daqueles censos que têm linhas de trabalho, da geração e da recuperação de conhecimento em diferentes áreas, desde águas bem rasas até o mar profundo. Ofereço um exemplo: um dos programas do censo com a coluna de água do mar aberto é o de marcar os organismos que fazem migrações de longa distância, como peixes, répteis, algas. É curioso que se conheça muito bem as rotas migratórias das aves, mas as dos organismos marinhos continuem grandes incógnitas. Com o avanço tecnológico, esse é um programa de etiquetagem. Ou seja, inclui etiquetas eletrônicas colocadas nesses organismos, sendo feito o rastreamento com o uso de uma interface com satélites. Então, se tem um posicionamento e se entende como se dá esse deslocamento.

Um dos aspectos graves que se tem percebido é que, como os mares em geral são de domínio mundial, eles são dissociados de uma nação ou grupo de nações. Não há direito territorial, a não ser das áreas costeiras. Algumas atividades de exploração, como pesca, não contemplavam proteger esses organismos. As armações de pesca e os equipamentos de pesca acabavam comprometendo a sobrevivência desses organismos, que não têm interesses econômicos, mas que estariam no caminho da passagem desses arrastos. Então, o censo criou este programa de monitoramento da mobilidade dos organismos marinhos na tentativa de que, no futuro, tenhamos uma política de exploração dos recursos marinhos, considerando-se que existem muitos organismos que se locomovem em ambiente marinho e precisam ser preservados.

IHU On-Line – Como o senhor avalia o censo feito no Brasil e em outros países até agora?

Fabio Lang da Silveira – Diretamente como resultado dos programas do censo, temos algumas iniciativas no Brasil. Uma delas é relativo ao mar profundo, que abrange até a profundidade de três mil metros para baixo. Isso é justamente o que chamamos de limite inferior da plataforma continental, que muitas vezes está dentro da jurisdição brasileira, mesmo porque, felizmente, hoje temos um potencial de exploração de recursos por parte da Petrobras distante da costa e nesta região. Então, existe um programa específico do censo que se preocupa com essa região de transição, onde começa o mar profundo e o final da encosta da plataforma continental. Hoje é fundamental esse programa. Toda a exploração da Petrobras na bacia de Campos, no Rio de Janeiro está se dando nesta região. O censo tem a pretensão de contribuir com conhecimento sobre a biota (os organismos que vivem no fundo e na coluna de água) justamente nesta região, uma vez que ela é sensível, pois está sendo explorada. Não que quem explore não tenha consciência da responsabilidade dessa exploração. No entanto, dessa iniciativa, os resultados são poucos ainda. O resultado obtido do conhecimento científico, às vezes, leva alguns anos. O que temos feito, nesta etapa é divulgar aquilo que já estava pronto. Temos um grande programa do ministério do meio ambiente, junto com a marinha e a comunidade científica, que se chama Exploração dos Recursos Renováveis da Plataforma e das Águas Continentais Brasileiras. Esse programa teve uma duração de cerca de 15 anos com várias campanhas oceanográficas e vários grupos de pesquisas do Brasil inteiro. O programa tem publicado o resultado dessas pesquisas. Há uma série de documentos que são publicações científicas, pois o próprio programa não conseguiu deslanchar um programa de disponibilização imediata na internet, o que nos prontificamos a fazer.

IHU On-Line – Qual é a contribuição do censo no combate às mudanças climáticas prejudiciais a Terra?

Fabio Lang da Silveira – Em relação ao combate, não há nenhuma contribuição. No entanto, o censo tem a pretensão de ajudar o mundo com esse diagnóstico que acreditamos ser muito importante. Isso porque ele será encerrado em 2010 e a perspectiva é existir um marco zero de conhecimento sobre a biodiversidade dos oceanos. E, a partir desse marco zero, trabalharemos no sentido de verificar se todas essas previsões climáticas bastante catastróficas são verdadeiras ou não.

IHU On-Line – Analisando o trabalho a ser feito ainda, é possível transformar os oceanos em uma fonte bem administrada de alimentos para o futuro da humanidade?

Fabio Lang da Silveira – Sou muito otimista e acredito que sim, mas talvez a mudança não venha tanto do conhecimento biológico, mas da perspectiva política. É uma coisa curiosa a legislação dos mares do que não está sob a responsabilidade das nações dos países. O direito internacional dos oceanos é do século XIX. Esse é um problema, que exige um aperfeiçoamento jurídico de direito internacional pelo qual precisaremos passar. Existe um grupo muito forte crente de que a solução é privatizar todos os oceanos e eles não estarão mais sujeitos a interesses de nações, mas diretamente ligados com empreendimentos do homem com objetivos de exploração organizada. Atualmente, o que acontece, no direito internacional, é que o que está fora das águas territoriais não pertence a ninguém. E justamente o que acontece de errado está fora desse direito, como, por exemplo, o despejo de lixo. Não existe legislação que impeça que alguns países com densidade populacional muito grande utilizem os mares como lixões. Esse é um quadro que não pode persistir. Talvez a grande modificação venha dessa área jurídica mesmo, de como vai se tratar essa massa toda de água que não é de ninguém, mas ao mesmo tempo é de todos e pela qual deveríamos zelar.

IHU On-Line – Quais são as metas de trabalhos com produtos na forma de informações de biodiversidade marinha brasileira?

Fabio Lang da Silveira – Estas metas seriam de auxiliar a quem toma decisões em termos de que se possa recuperar informações do que existia numa determinada área, do que ainda existe e do que poderá ou ainda existir ou se modificar muito.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 27/03/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]