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Até o fim do ano, clima a passo lento, artigo de Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Que vai acontecer em Bangcoc a partir do dia 31, em mais uma etapa de negociações da Convenção do Clima? Dificilmente haverá decisões substanciais, por dois motivos: 1) O prazo de negociação para um novo acordo, a vigorar em 2013, após o Protocolo de Kyoto, vai até o fim deste ano – e os governos não costumam fazer antes da última hora as necessárias concessões; e 2) qualquer avanço dependerá fundamentalmente da posição dos EUA – e esta inevitavelmente estará condicionada pela do presidente a ser eleito no fim do ano.

O atual governo dos EUA é, no mínimo, contraditório. Ao mesmo tempo que insiste na possibilidade de reduzir com novas tecnologias as emissões norte-americanas de gases que intensificam o efeito estufa, toma decisões na direção oposta. Um balanço divulgado há poucos dias pela Casa Branca afirma que até 2022 os carros norte-americanos terão de conseguir trafegar 35 milhas (56 quilômetros) com um galão (3,755 litros) de combustível; lâmpadas incandescentes serão banidas até 2014; o governo federal reduzirá seu consumo de energia em 30% até 2015; todos os edifícios federais deixarão de responder por emissões de carbono até 2030; o país até 2022 produzirá 36 bilhões de galões de combustível renovável (6,4 bilhões em 2007); está aplicando US$ 12 bilhões em energias alternativas, o que levou a eólica a responder por 20% da nova energia no país no ano passado e a solar a dobrar sua produção em sete anos; está investindo US$ 1,2 bilhão em pesquisas com o hidrogênio combustível. Mas na tecnologia em que mais pareciam apostar, há uma contradição: o governo não mais investirá no maior projeto de seqüestro e sepultamento de carbono, em Mattoon, Illinois, no qual investiria US$ 1,3 bilhão. Esse recuo parece estar sendo acompanhado na área privada, pois uma das maiores empresas petrolíferas cancelou seu projeto de sepultar carbono no Mar do Norte (New Scientist, 9/2). Mas os setores envolvidos em negociações internacionais entendem que as oscilações estão mais relacionadas com os altíssimos custos dessa tecnologia, embora também haja incertezas científicas.

Quando as negociações da convenção chegarem ao momento decisivo, em dezembro, já terá sido eleito o novo presidente norte-americano. Que fará ele? John McCain tem prometido implementar um sistema de comércio de emissões capaz de, até 2050, reduzir as de dióxido de carbono nos EUA em até 60% (sobre os níveis de 1990) – mas não compareceu à votação de um projeto que exigiria 15% de energias renováveis até 2020, e a proposta foi derrotada por um voto. Na campanha, tem sido mais moderado do que era nesse tema, ao que parece para não perder votos dos conservadores. Tanto Hillary Clinton como Barack Obama têm dito achar possível reduzir emissões em 80% até 2050. Ambos os postulantes pelo Partido Democrata dizem que em dez anos destinarão US$ 150 bilhões a tecnologias limpas, dobrarão os investimentos em pesquisas, comprometem-se a ter 25% de energias renováveis em 2025, a exigir mais eficiência e menos emissões dos veículos.

A Europa continua à frente, mais assustada, talvez, com alguns fenômenos climáticos e com a advertências de um relatório da União Européia (UE) de que vão intensificar-se as migrações para seu território de pessoas expulsas da África e do Oriente Médio pelas secas e inundações. Seja como for, a UE tentará adiantar as negociações até Bangcoc. Em sua última reunião, este mês, a proposta central foi de, até 2020, reduzir as emissões em 20% sobre os níveis de 1990, com metas obrigatórias, chegar a 20% de energias renováveis nas matrizes energéticas e 10% de biocombustíveis no consumo total de veículos. A UE quer também reduzir a ênfase no comércio de emissões entre países e no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Enquanto as decisões não vêm, alguns fazem contas. O renomado Lester Brown acha que com US$ 190 milhões ao ano – um terço do gasto militar anual dos EUA, pouco mais de 15% do gasto mundial nessa área – seria possível trabalhar em projetos e tecnologias que reduzam as emissões de carbono em 80% até 2020. Mas quem pagará? E se ninguém pagar, Brasil, China, Índia e Rússia, juntos, até 2030 emitirão mais que o conjunto de países industrializados.

A ênfase dos chamados países emergentes, inclusive do Brasil, tem-se centrado exatamente neste ponto: o que se entende por transferência de tecnologia para mitigar mudanças climáticas, de que tanto se fala? Quem concederá financiamentos para ações concretas nessa área e a que custo? Na última reunião de 20 países no Japão, a Agência Internacional de Energia fez uma apresentação sobre as tecnologias disponíveis para conter as emissões em 450 partes por milhão (estamos com 379) até 2050. Ou em 550 partes, o que se considera mais provável. E o problema esbarra aí: quem pagará?

Já há, entretanto, mudanças na discussão, por causa da premência do tempo disponível. E também uma pressão para que as discussões não se limitem ao que fazer depois de 2012, quando se encerra o prazo do Protocolo de Kyoto. É preciso definir o que fazer já.

O Brasil pretende lançar uma consulta pública sobre a política nacional para mudanças do clima, que está sendo discutida por uma comissão interministerial e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Não se espera que o documento defina metas para redução de emissões. Mas não é impossível que elas venham no plano nacional – embora ainda haja oposição em algumas áreas.

Esse é o quadro de dúvidas, incertezas, esperanças. Nele, os mais assustados avançam por onde podem. Vinte cidades francesas, por exemplo, adotaram veículos puxados por cavalos na coleta de lixo, na limpeza pública e no transporte escolar. Não falta quem diga que o cocô dos cavalos emite mais gases do que se economiza com os combustíveis. Mas eles não se importam. Seguem em frente.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

Artigo originalmente publicado pelo O Estado de S.Paulo, 21/03/2008